Acórdão nº 17579/20.3T8LSB.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-03-2022

Data de Julgamento08 Março 2022
Ano2022
Número Acordão17579/20.3T8LSB.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam as juízas da 1ª secção da Relação de Lisboa,


I–RELATÓRIO


1.–JM… instaurou ação declarativa comum contra P…, SA, pedindo seja decretada a nulidade ou a anulação das deliberações tomadas na assembleia geral da ré iniciada em 07.07.2020 e concluída em 20.07.2020 ao abrigo dos pontos um, dois e quatro da ordem de trabalhos.

Alegou, em síntese, que é titular de ações representativas de 6% do capital social da ré, cujos administradores (3) são mãe e irmãos do autor, e que a ordem de trabalhos fixada para a referida assembleia geral foi «Ponto um – Discutir e deliberar aprovar o relatório de gestão, balanço e contas relativos ao exercício de dois mil e dezanove.//Ponto dois – Deliberar sobre a proposta de aplicação de resultados.//Ponto três – Apreciação geral da administração e da fiscalização.//Ponto quatro – Discutir e deliberar sobre a atribuição de prémios de desempenho da empresa aos administradores J… e L…, referentes ao exercício de dois mil e dezanove.//Ponto cinco – Discutir e deliberar sobre a nomeação dos corpos sociais para o novo mandato de dois mil e vinte a dois mil e vinte e três. Mais alegou,
- relativamente ao ponto um, que os relatórios de gestão e as demonstrações financeiras encontram-se assinadas apenas por dois dos três administradores da ré, o que nos termos dos arts. 65º, nº 3 e 69º, nº 1 do CSC determina a anulabilidade da deliberação social; que no decurso da assembleia geral não foi prestada informação completa e elucidativa a questões colocadas pelo autor, o que é causa de anulabilidade da deliberação nos termos do art. 290º, nº 3 do CSC; e que os documentos de prestação das contas aprovadas dão uma falsa representação da situação económica e financeira da ré por não terem sido elaborados de acordo com o SNC e Norma Contabilística e de Relato Financeiro aplicáveis à valorização das participações financeiras, por falta de suporte para inscrição de valores relativos a gastos com administradores contabilizados como gastos com pessoal sem que exista uma deliberação de atribuição de remuneração aos administradores, o que é causa de anulabilidade da deliberação nos termos do art. 69º, nº 3 do CSC;
- relativamente ao ponto dois, que a deliberação que sobre ele recaiu é anulável nos termos do art. 58º, nº 1, al. a) do CSC por estar dependente da deliberação de aprovação das contas e esta ser inválida; é anulável nos termos do art. 65º, nº 5, al. f), 58º, nº 1 e 69º, nº 1 do CSC por não ter na sua base proposta fundamentada; e é nula ou anulável por abusiva por violação do princípio da igualdade de tratamento dos acionistas nos termos dos arts. 22º, nº 1 e 58º, nº 1, al. a) ou al. b) do CSC porque, conjuntamente com a deliberação de atribuição de verba a dois administradores, também acionistas, a título de “prémio de desempenho, a deliberação de afetação de 50% do resultado líquido a reservas livres tem como único propósito privar o autor de um maior recebimento a título de participação nos lucros da ré em prejuízo da ré e dos demais acionistas;
- relativamente ao ponto quatro, que a deliberação é anulável: nos termos dos arts. 22º, nº 1 e 58º, nº 1, al. a) ou al. b) do CSC por constituir uma forma encapotada de conferir maior participação de dois acionistas nos lucros da ré com violação do princípio de igualdade de tratamento dos acionistas; nos termos do art. 58º, nº 1, al. a) por violação do art. 399, nº 2 do CSC; nos termos do art. 58º, nº 1, al. a) e 384º, nº 6 do CSC por ter sido votada por quem estava impedido de votar; e, em qualquer caso, por abusiva nos termos do art. 58º, nº 1, al. b) do CSC por destinada a conferir vantagens especiais – canalização de lucros da ré - para dois acionistas administradores, em prejuízo dos lucros distribuídos ao autor, e em prejuízo da ré, por desajustada face à evolução dos resultados líquidos e à prática remuneratória em sociedades similares.
Juntou documentos, arrolou testemunha, e requereu declarações de parte a toda a matéria.

2.–Cumpridas as diligências para citação, na ausência de apresentação de contestação foi proferido despacho a julgar confessados os factos articulados pelo autor na petição e, cumprida a notificação das partes nos termos e para os efeitos do art. 567º, nº 2 do CPC, em sede de alegações o autor elencou a factualidade que entende dever ser considerada provada e reiterou os fundamentos de direito e o enquadramento alegado na petição inicial.
4.–A ré invocou nulidade processual por falta de citação e requereu a nulidade de todo o processado depois da petição inicial. À cautela, em sede de alegações elencou a factualidade que entende dever ser considerada provada e invocou a inoperância da revelia da ré relativamente a factos para cuja prova se exige documento escrito; requerendo a fixação de prazo para suprimento da falta de assinatura de documentos de prestação das contas por um dos administradores da ré; alegou que as informações solicitadas sobre a vida das sociedades participadas da ré não se encontram abrangidas pelo art. 290º do CSC e quanto às demais questões resulta dos autos que não existiu recusa na prestação das informações solicitadas na assembleia pelo autor; que a existir alguma irregularidade na elaboração das contas cabe na anulabilidade prevista pelo nº 2 do art. 69º do CSC e deve ser concedido prazo para a reforma das contas; que a invalidade da deliberação de aprovação das contas não tem como consequência a invalidade da deliberação sobre a proposta de aplicação de resultados, nem o autor alega ou demonstra que os vícios que imputa à contas alterem o valor do lucro do exercício e a impossibilidade da respetiva distribuição nos termos deliberados, a qual tem por base proposta fundamentada e respeita os arts. 294º e 22º do CSC; que o art. 399º do CSC não se aplica à atribuição de prémios aos administradores; que os impedimentos de voto nas sociedades anónimas restringem-se aos previstos pelo art. 384º, nº 6 do CSC; e que os factos alegados pelo autor não permitem concluir que a deliberação de atribuição de prémios aos administradores da ré tem como propósito atribuir vantagem especiais a estes acionistas em prejuízo da ré e do autor porque na qualidade de administradores têm direito à remuneração pelo desempenho desse cargo e para serem elegíveis para prémios de desempenho se assim for deliberado pela assembleia geral. Concluiu pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido. Arrolou testemunhas para prova da falta de citação e juntou dois documentos.

5.–Concluídos os autos o tribunal recorrido julgou improcedente a invocada falta de citação da ré e proferiu sentença decidindo nos seguintes termos:
V.-Decisão
Nos termos e pelos fundamentos expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente e em consequência:
  • anula-se a deliberação aprovada na assembleia geral da Ré iniciada a 7 julho de 2020, sob o ponto quatro - Discutir e deliberar sobre a atribuição de prémios de desempenho no montante de 190 000,00 aos administradores J… e L…, referentes ao exercício de dois mil e dezanove.
  • notifica-se a ré para quanto à deliberação aprovada sob o Ponto um - Discutir e deliberar aprovar o relatório de gestão, balanço e contas relativos ao exercício de dois mil e dezanove, regularizar a falta de assinatura de um dos administradores do relatório de gestão e as demonstrações financeiras e corrigir as demonstrações financeiras quanto ao valor da rubrica participações financeiras-outros métodos, no prazo de 30 dias.
Custas pelo autor e Ré, na proporção de 1/3 da responsabilidade do autor e 2/3 da ré, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil.

7.–Inconformada, a ré apresentou recurso da sentença requerendo que na sua procedência seja: a) declarada a nulidade da sentença por consubstanciar uma decisão-surpresa, no que respeita à decisão sobre a invalidade da quarta deliberação da assembleia geral da Ré que iniciou em 07.07.2020, determinando-se que no Tribunal a quo seja dado cumprimento ao disposto no artigo 3.°, n.° 3, do CPC, para depois de estabelecido o contraditório ser decidido em conformidade; b) a ré absolvida do pedido de invalidade, relativamente à quarta deliberação da sua assembleia geral iniciada em 07.07.2020.

Juntou alegações que sintetizou nas seguintes conclusões:
1.–A Apelante não concorda com a primeira parte da decisão proferida pelo Tribunal a quo e é sobre essa parte da decisão - já acima identificada - que se debruça o presente recurso.
2.–Acresce que as linhas de discordância da ora Apelante com a decisão em apreço reconduzem- se ainda aos limites da decisão apurada em 1ª Instância, porquanto, no entender da Apelante, relativamente à parte da decisão ora em crise, o Tribunal a quo proferiu uma decisão surpresa, sendo, por isso, nula a sentença.
Assim,
3.–Discutiu-se na presente ação, se a deliberação de atribuição de prémios de desempenho da empresa aos administradores J… e L…, referentes ao exercício de 2019, que teve lugar na assembleia geral da Ré, iniciada em 07.07.2020 é válida.
4.–A invalidade de tal deliberação foi decidida pelo Tribunal com o argumento de que “analisados os valores do resultado líquido do exercício do ano de 2019 e o valor dos prémios de desempenho atribuídos aos administradores verificamos que o valor dos prémios é superior a 50% dos resultados líquidos do exercício”.
5.–Concluiu o Tribunal a quo, na sentença recorrida que “Forçoso é concluir que aos sócios não vai ser distribuído metade do resultado líquido do exercício, pois o valor dos prémios de desempenho é superior a metade. Apesar de aprovada pela assembleia a distribuição de metade do resultado líquido a mesma não será exequível com a posterior aprovação da proposta de atribuição de prémios de desempenho no valor de 190 000, 00”.
6.–Facilmente se depreende da sentença recorrida - e deste excerto em particular - que o fundamento chave
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