Acórdão nº 1753/08.3BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 04-03-2021

Judgment Date04 March 2021
Acordao Number1753/08.3BELSB
Year2021
CourtTribunal Central Administrativo Sul


Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul


I. RELATÓRIO

A................... e C................... vieram intentar a presente acção administrativa comum, com processo na forma de ordinário, contra o Município de Lisboa (1º Réu) e I................... – Companhia de Seguros (2º Réu), na qual formularam os seguintes pedidos:

- condenação do 1º Réu a pagar à 1ª Autora a importância de €522.648,00 a título de danos patrimoniais e às Autoras a importância de €50.000,00 a título de danos não patrimoniais;
- condenação do 2º Réu a pagar às Autoras a importância de €74.819,68 referente ao montante de seguro de acidentes pessoais de que era beneficiário o marido da 1ª Autora e pai da 2ª Autora.

O Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, por sentença de 04 de Junho de 2015 decidiu:
1) condenar o R. Município de Lisboa a pagar às AA:
a. Uma indemnização no montante de 454.920,00 euros, para ressarcimento do dano morte e danos patrimoniais decorrentes do mesmo;
b. a indemnização no montante de 50.000,00 (cinquenta mil) euros, para ressarcimento dos danos não patrimoniais, a cada uma das AA.;
quantias acrescidas de juros vencidos e vincendos; à taxa de juro legal, a vencer a partir da data da citação, até à data do pagamento integral, a liquidar em execução de sentença.

2)Absolver a Ré seguradora do pedido.

Inconformado com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, o Réu, Município de Lisboa, ora Recorrente, interpôs o presente recurso formulando nas suas Alegações as conclusões que, de seguida, se transcrevem:

1. A sentença recorrida deu como preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos do Estado e demais pessoas colectivas públicas, e, consequentemente, condenou o R., ora Recorrente, a pagar às AA. indemnizações nos valores de € 454.920,00, a título de ressarcimento do dano morte e danos patrimoniais decorrentes do mesmo, e de € 50.000,00 a cada uma delas, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais, acrescidos de juros vencidos e vincendos desde a data da citação;

2. Na génese da condenação esteve o entendimento do Tribunal a quo de que o falecimento do familiar das AA., ocorrido em 20.JAN.2006, se deveu à não realização de exames médicos periódicos que o R. tinha obrigação legal de promover aos bombeiros, os quais teriam permitido detectar a doença cardíaca que foi a causa da morte - enfarte do miocárdio por cardiopatia isquémica por aterosclerose muito grave das artérias coronárias cardíacas.

3. A sentença recorrida não se coaduna e extrai consequências erradas da realidade dos factos, pois foi produzida prova suficiente que habilitavam o Tribunal a quo a proferir uma decisão em sentido contrário, concretamente de absolvição do R. por não verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos do Estado e demais pessoas colectivas públicas;

4. O presente recurso abrange, para além da matéria de direito, a impugnação de parte da matéria de facto dada como provada, sustentada na reapreciação da prova documental, pericial e documental gravada em audiência de julgamento e na correcta apreciação e ponderação dos factos provados e não provados;

5. O Tribunal a quo fundou o pressuposto “Facto Ilícito" na pretensa preterição por parte do R. do dever legal de realização de exames médicos periódicos anuais aos bombeiros sapadores ao seu serviço, tendo considerado provado, em relação ao falecido, que o mesmo não foi sujeito a exames no ano em que ocorreu o sinistro e nos anos anteriores, e que isso impediu a detecção da patologia que lhe causou a morte;

6. A convicção do Tribunal a quo, expressa na sentença e nas intervenções na audiência de julgamento, era a de que as inspecções médicas / exames de saúde periódicos deviam ser realizados anualmente;

7. Para o Tribunal a quo. esta obrigação estava prevista na al. f) do n° 1 do art. 6o da Lei n° 21/87, de 20JUN, cuja redacção inicial transcreve na sentença, mas a qual, à data dos factos, já havia sido alterada pela Lei n° 23/95, de 18AGO;

8. Esta norma, em qualquer uma das suas redacções, limita-se a enunciar o direito dos bombeiros a inspecções médico-sanitárias periódicas, não estabelece a sua periodicidade e comete a sua realização às inspecções regionais do SNB:

9. A definição da periodicidade das inspecções e da entidade competente para as fazer era absolutamente fundamental para a sustentação da existência do facto danoso e da sua ilicitude;

10. O Tribunal a quo não podia imputar ao R. a não realização de exames periódicos ao falecido sem previamente firmar qual seria a periodicidade desses exames mediante a remessa para a respectiva base legal, assim como não podia dizer que competia ao R. fazer esses exames sem elucidar previamente a norma que lhe atribuía tal responsabilidade;

11. Ao fazê-lo, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da na al. f) do n° 1 do art. 6o da Lei n° 21/87;

12. O art. 11° da Lei n° 21/87 remeteu o exercício dos direitos e regalias dos bombeiros, onde se enquadra o direito a inspecções médico-sanitárias periódicas, para regulamentação a publicar, a qual consta do Dec.-Lei n° 241/89, de 3AGO;

13. O art. 27° deste diploma e, depois, o art. 28° do Dec.-Lei n° 297/2000, de 17NOV, que lhe sucedeu, não obstante a sua natureza regulamentar, também não fixaram a periodicidade das inspecções médico-sanitárias periódicas, limitando-se a remeter os termos da sua realização para um protocolo entre o SNB e a Direcção-Geral de Cuidados de Saúde, entidades naturalmente distintas do R.;
14. Ao preconizar que o regime específico aplicável aos bombeiros previa a realização de inspecções médico-sanitárias anuais e cometia ao R. ao responsabilidade pela sua realização, o Tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, por errada definição do regime jurídico aplicável;
15. Ao contrário do que emerge da sentença recorrida, não é possível assacar ao R. qualquer tipo de responsabilidade pela hipotética violação de normas específicas da legislação aplicável aos bombeiros.
16. À data do falecimento do familiar das AA., os bombeiros sapadores ao serviço do R. estavam abrangidos pelo regime de organização e funcionamento dos serviços de segurança, higiene e saúde no trabalho estabelecido no Dec.-Lei n° 26/94, de 1FEV, na redacção dada pelo Dec.- Lei n° 109/2000, de 30JUN;
17. O art. 19°, n°s 1 e 2, deste diploma comete aos empregadores o dever de promover a realização de exames de saúde aos seus trabalhadores, com vista a avaliar a aptidão física e psíquica destes para o exercício das respectivas funções profissionais, os quais são de três tipos, a saber: (a.) de admissão, (b.) periódicos e (c.) ocasionais;
18. No caso dos exames periódicos, cuja pretensa omissão esteve na base da condenação do R., a periodicidade dos mesmos varia em função da idade dos trabalhadores, sendo de um ano para os menores de 18 e maiores de 50 anos, e de dois para os que tenham idades compreendidas entre os 18 e os 50 anos (v. art. 19°, n° 2, al. b));
19. Na ausência de um regime específico que estabelecesse intervalos diferentes, nomeadamente inferiores, para os exames de saúde periódicos aos bombeiros, as periodicidades aplicáveis aos bombeiros sapadores ao serviço do R. eram as fixadas na al. b) do n° 2 do art. 19° do Dec.-Lei n° 26/94;
20. Tendo o falecido 45 anos de idade à data da sua morte, estava sujeito a exames de saúde periódicos de dois em dois anos, sendo com base neste intervalo de tempo, e não qualquer outro, que devia ter sido aferida a pretensa violação do dever legal de realização desses exames;
21. Ao omitir a aplicação do regime contido no art. 19°, n°s 1 e 2, al. b), do Dec.-Lei n° 26/94 (na redacção do Dec.-Lei n° 109/2000), ao abrigo do qual devia ter aferido o preenchimento do pressuposto da ilicitude do facto imputado ao R., a Mma. Juiz a quo incorreu num erro de julgamento em matéria de direito;
22. No que tange aos pressupostos “Facto Ilícito” e “Culpa”, o Tribunal a quo, face à prova produzida, julgou incorrectamente a matéria de facto a que se referem os n°s 23, 32 e 34 a 37 dos factos provados e os factos não provados atinentes à periodicidade das consultas e à sujeição do falecido a acompanhamento médico e exames de saúde regulares, que se indicam nos termos e para os efeitos da al. a) do n° 1 do art. 640° do CPC (anterior art. 685°-B, n° 1, al. a));
23. Dando cumprimento ao ónus estabelecido nos n°s 1, al. b), e 2 do art. 640° do CPC (anterior art. 685°-B, n°s 1, al. b), e 2), consigna-se que o ofício da DSHS n° 031/DSHS/CD, a fls. 111 dos autos, e os depoimentos das próprias testemunhas convocadas pela Mma. Juiz a quo, J.................., M.................., A.................. e J.................., e os depoimentos das testemunhas R.................. e M.................., ambos bombeiros, M.................., Chefe da Divisão de Higiene, Segurança e Saúde à data do falecimento, e M.................., médico do trabalho e Chefe da Divisão de Higiene, Segurança e Saúde entre 1999 e 2004, depoimentos estes cujas gravações e passagens das mesmas estão referenciadas nas alegações supra, permitem acolher e sustentar uma resposta e decisão diversas sobre a matéria de facto referenciada na conclusão anterior;
24. A correcta ponderação destes meios de prova não pode deixar de levar ao juízo de que o R. cumpriu as suas obrigações em matéria de medicina do trabalho, que sujeitou o falecido e o pessoal do RSB a um acompanhamento médico adequado e, dessa forma, inverter a decisão de dar como preenchidos os pressupostos Tacto Ilícito” e “Culpa.
25. Em concreto, a prova avocada para efeitos de impugnação da matéria de facto permite concluir nomeadamente que:

a. Eram feitas inspecções médicas ou exames de saúde regulares feitos âmbito da medicina do trabalho, malgrado as...

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