Acórdão nº 1752/16.1T8BCL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25-01-2018
Data de Julgamento | 25 Janeiro 2018 |
Número Acordão | 1752/16.1T8BCL.G1 |
Ano | 2018 |
Órgão | Tribunal da Relação de Guimarães |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
A) RELATÓRIO
I.- Maria, residente em …, concelho de Barcelos, intentou a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra a “Companhia de Seguros X, S.A.” com sede na Av. …, em Lisboa, pedindo que esta seja condenada:
a) A liquidar junto do Banco A, S. A., os valores em débito à data da sentença respeitantes ao crédito referido no art. 1.º da petição inicial.
b) A restituir-lhe, a ela Autora, os valores que pagou a título de prestações, respeitantes ao empréstimo referido no art. 1º da petição inicial, desde Abril de 2010 até à data em que vier a ser proferida sentença.
Fundamenta estes pedidos alegando, em síntese, que em 02.07.2009, juntamente com o seu marido, celebrou com o “Banco AB” um empréstimo do valor de € 20.150,00, tendo dado como hipoteca a sua habitação. Concomitantemente com o pedido de empréstimo foi celebrado um seguro na modalidade «Vida Risco Crédito Habitação», no qual é tomador o dito Banco e são pessoas seguras ela, Autora e o marido, e tinha como principais coberturas a morte e a invalidez total e permanente das pessoas seguras. No ano de 2010, ela, Autora, passou a padecer de uma incapacidade permanente global de 78%, e mercê de tal doença a sua vida e a do marido entrou em descalabro, pelo que entraram em incumprimento junto da Banca, a ponto de terem visto a apólice de seguro anulada, tal como lhe foi comunicado pela Ré, por carta datada de 01.07.2011. Em 02.06.2011, a Segurança Social comunicou à autora que tinha sido deferido o pedido de pensão de invalidez apresentado em 12.04.2010. A autora dirigiu-se à Ré para lhe ser accionado o seguro, mas esta recusa-se a pagar o empréstimo, alegando que tinha sido ultrapassado o prazo de 60 dias que ela, Autora, dispunha para lhe participar a incapacidade, além de que a apólice tinha sido anulada. Mais alega que logo que teve o atestado médico datado de 26.06.2012, comunicou a incapacidade à Ré, sendo que só nessa data é que ela, Autora teve conhecimento do seu grau de incapacidade, ainda que a doença de que padece e o grau de incapacidade se reportem a 12.04.2010. A invalidez de que a autora foi vítima ocorreu no ano de 2010 e, portanto, ainda no período em que o seguro se encontrava válido. A recusa da Ré fez com que ela, Autora, continuasse a pagar a prestação mensal, no valor aproximado de € 130,00 por mês ao “Banco AB”, o que ainda faz, mas com grande dificuldade, conquanto a obrigação de tal pagamento incumba à Ré por força do contrato de seguro que celebrou com ela.
A Ré, regularmente citada, contestou e, embora aceitando ter celebrado o contrato de seguro invocado, alega que o marido da Autora assumiu a obrigação mensal de pagamento dos prémios de seguro, por débito em conta, mas a partir do mês de Julho de 2011 não foi possível proceder à cobrança dos prémios de seguro devidos por a conta associada ao contrato não ter saldo suficiente. E apesar de todas as notificações, as pessoas seguras não regularizaram a situação, pelo que ela, Ré, anulou os certificados da apólice em 17.09.2011, com efeitos a 01.07.2011. Sucede que em 27.09.2011, a autora e o marido fizeram um pedido de reposição da apólice de seguro, o que não lhes foi concedido por não apresentarem a documentação necessária, pelo que a apólice permaneceu anulada.
A anulação foi ainda comunicada ao Banco AB através de ficheiro informático. Afirma ser de má fé e abusivo que a Autora venha agora accionar um contrato de seguro que sabe que já se encontrava anulado à data do sinistro, o qual apenas lhe foi comunicado em 09.08.2012. Mais alega que de acordo com a documentação junta, o enquadramento técnico ao abrigo da cobertura de invalidez total e permanente apenas ocorreu em 26.06.2012, data em que foi atribuída à pessoa segura um grau de desvalorização superior a 66,6%, sendo que nessa data o seguro já estava anulado há quase um ano. Atendendo à inexistência de seguro à data da atribuição da invalidez definitiva, não abriu qualquer processo de indemnização. Mais refere que a participação do sinistro não se fez acompanhar de toda a documentação necessária e de forma a apurar se ele é enquadrável nas coberturas contratadas e se se verifica a pré-existência de patologias não declaradas e eventuais falsas declarações.
Cumprido o contraditório, a Autora pronunciou-se pela improcedência da excepção por ter sido vítima de doença no ano de 2010, sendo que nessa data o contrato de seguro estava em vigor.
Os autos prosseguiram os seus termos vindo a proceder-se ao julgamento que culminou com a prolação de douta sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré “a pagar o valor que a Autora e o marido tinham em dívida ao Banco A, S.A. (Banco AB) em 26.06.2012 por conta do contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre autora (e o marido) e aquele Banco e melhor identificado em 1) dos factos provados.”.
Inconformada, traz a Ré o presente recurso pretendendo ver revogada esta decisão e substituída por acórdão que a absolva do pedido.
Contra-alegou a Autora propugnando para que se mantenha a impugnada decisão.
O recurso foi recebido como de apelação com efeito devolutivo.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre decidir.
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II.- A Ré/Apelante formulou as seguintes conclusões: 1ª - A questão crucial, no contexto do litígio, é a da resolução do contrato de seguro, invocada por parte da R ..
2ª - A R. logrou provar toda a factualidade por si alegada na Contestação.
3ª - Estamos perante uma resolução convencional, baseada numa cláusula inserta no contrato, cláusula essa associada ao incumprimento (falta de pagamento do prémio) e que, fixando um termo essencial para o pagamento do prémio em atraso, permite à R. seguradora resolver o contrato sem necessidade de demonstrar a gravidade do incumprimento e evitando as delongas da transformação da mora em incumprimento definitivo.
4ª - É o que decorre e se extrai do art. 13.º das Condições Gerais do seguro de grupo a que o A. e a esposa aderiram, segundo o qual "o não pagamento dos prémios, dentro dos 30 dias posteriores à data do seu vencimento, concede à seguradora, nos termos legais, a faculdade de proceder à resolução do contrato (. .. )”.
5ª - A A. e o marido tinham conhecimento de que a apólice se encontrava anulada, tanto que efetuaram um pedido de reposição, que não veio a ser concretizado ...
6ª - A decisão do Tribunal "a quo" baseia-se única e exclusivamente no facto de a R. não ter notificado o Banco para proceder ao pagamento dos prémios de seguro em dívida, antes da resolução do contrato, considerando-se a mesma, portanto, inválida, por não ter obedecido ao disposto nos arts. 202.º a 204.º do RJCS.
8ª - O Banco não é um “terceiro”, é “beneficiário irrevogável” num contrato de seguro em que o mesmo é o próprio “tomador” e a A. e o marido “pessoas seguras”.
9ª - Sendo o Banco o "tomador do seguro", não se podia substituir a si próprio no pagamento do prémio.
10ª - O não pagamento dos prémios era do perfeito conhecimento do Banco, que recusou as ordens de pagamento por débito direto por insuficiência de saldo bancário e o comunicou à R ..
11ª - Se o Banco quisesse pagar os prémios, não recusava a ordem de pagamento, pagava à R. e debitava a negativo o valor na conta bancária dos clientes ...
12ª - Não foi o Banco a demandar a R. nem a acionar o contrato de seguro, pelo que a R. não lhe opôs as consequências convencionadas para a falta de pagamento do prémio.
13ª - O que a R. opôs foi à A. (e ao marido) a anulação do contrato de seguro.
14ª – Anulação/resolução essa que a A. e o marido conheciam perfeitamente, reconheceram expressamente e com a qual se conformaram, aceitando-a, caso contrário não teriam solicitado formalmente a reposição da apólice.
15ª - Não faz sentido pedir a reposição de uma apólice de seguro se se entendesse que o mesmo se mantinha em vigor.
14ª - A causa de pedir da A. assenta é na alegação de que a invalidez total e permanente se reporta a data em que o seguro ainda se encontrava em vigor, ou seja, ao ano de 2010, facto que não se logrou demonstrar.
15ª - O espírito do normativo contido no art. 204º do RJCS é proteger um beneficiário irrevogável que não seja parte no contrato, um terceiro que, não sendo "tido nem achado" quanto à omissão de pagamento dos prémios do seguro, deverá ser convidado a sanar a falta, a fim de não perder a garantia que lhe assiste, sob pena de a seguradora não lhe poder opor as consequências dessa falta de pagamento.
16º - Se esse terceiro não for interpelado para pagar em substituição do tomador, antes da resolução, esta não lhe poderá ser oposta.
17ª - O Banco é o próprio tomador do seguro, que é um seguro de grupo, e foi o próprio Banco que recusou o pagamento dos prémios à R ..
18ª - Nem o Banco demandou a R. extrajudicialmente, nem é parte nos presentes autos; de qualquer forma, no campo das hipóteses, se o Banco tivesse demandado a R. alegando que a resolução do contrato de seguro não lhe podia ser oposta por falta de interpelação direta, quando o próprio recusou o pagamento dos prémios, estaríamos perante uma situação de manifesto abuso de direito.
19ª - Nem o art. 204º do RJCS prevê que, transpondo para o caso dos autos, a não interpelação do beneficiário irrevogável (Banco) tenha como consequência a invalidade da resolução.
20ª - Também não prevê que à A. e ao marido, pessoas seguras, não possa ser oposta a resolução do contrato de seguro, que a A. invocou nos presentes autos, e que os próprios reconheceram e aceitaram.
21ª - O Tribunal "a...
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