Acórdão nº 171/13.6GTLRA.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 08-07-2015
Judgment Date | 08 July 2015 |
Acordao Number | 171/13.6GTLRA.C1 |
Year | 2015 |
Court | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Acordam, em conferência, na 4ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
I. RELATÓRIO
No Tribunal Judicial da Comarca de Leiria – Peniche – Instância Local – Secção de Competência Genérica – J1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal singular, do arguido A... , com os demais sinais nos autos, imputando-lhe a prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, a), ambos do C. Penal.
Por sentença de 7 de Novembro de 2014 foi o arguido condenado, pela prática do imputado crime, na pena de sessenta e cinco dias de multa à taxa diária de € 7 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de cinco meses.
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Inconformado com a decisão, recorreu o arguido, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões:
1ª – A sentença padece de erro notório na apreciação da prova, nos termos do artigo 410º, n.º 2-c) do CPP, ou, pelo menos, de erro de julgamento na decisão proferida sobre a matéria de facto, porquanto a TAS que se deu como provada na 2ª parte do ponto 2 dos factos provados [(…) acusou uma taxa de álcool no sangue de 1.95 g/l, que deduzido o erro máximo admissível corresponde a um taxa de álcool de 1.79 g/l], deveria ter sido considerada não provada, em virtude da ausência de certificação e comprovação de que o alcoolímetro estivesse a funcionar, conforme exigido pelo artigo 170º, nºs 3 e 4 do Cód. da Estrada, de acordo com as rigorosas regras:
a) De controlo metrológico previstas no Decreto-Lei n.º 291/90, de 20-09, nomeadamente à verificação periódica imposta pelo artigo 4º e regulamentada na Portaria n.º 1556/2007, de 10-12;
b) De certificação de conformidade, mediante aposição do competente selo, nos termos exaustivamente impostos pela Diretiva 2009/34/CE, de 23-04-2009, promanada pelo Parlamento Europeu e pelo Conselho.
2ª – Por outro lado, em reforço desse juízo de não prova, milita, igualmente, a não comprovação do cumprimento das regras instituídas pela Lei n.º 18/2007, de 17-05, por ausência de demonstração da realização dos dois testes, e respetivos resultados, exigidos pelos seus artigos 1º, nºs 1 e 2 e 2º, n.º 1: um – o primeiro –, com recurso a analisador qualitativo; ou outro – segundo –, por intermédio de analisador quantitativo.
3ª – Este duplo requisito não pode deixar de ser considerado uma garantia de defesa, com tutela constitucional (artigo 32º, nºs 1, 2 e 5, da CRP), na medida em que, através dele, se assegura a confirmação, por duas vias distintas, da presença de álcool no sangue.
4ª – Desde já se arguindo a inconstitucionalidade dos citados artigos lº, nºs 1 e 2 e 2º, n.º 1 da mencionada Lei, por violação daquele normativo constitucional, caso venham a ser interpretados em sentido contrário ao ora defendido.
5ª – Os apontados erros na apreciação da prova e na inerente definição dos factos provados e não provados expressos na sentença, implicaram que o Tribunal a quo tivesse violado os artigos 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1-a), do Cód. Penal, e, bem assim, o artigo 32º, nºs 1, 2 e 5 da CRP e o artigo 170º, nºs 3 e 4 do Cód. da Estrada, pois interpretou-os no sentido de que a realidade probatória e fática sub judice deveria ser subsumida à sua previsão.
6ª – Deveria tê-los interpretado em sentido contrário. Justamente no sentido de que, à luz da conjugação dos citados normativos, não poderia dar-se como provada a TAS assacada ao arguido, nem, consequentemente, o seu comportamento integrado na previsão do artigo 292º, nº 1 do Cód. Penal.
7ª – Pugna-se, portanto, pela prolação de acórdão que determine a revogação da sentença recorrida e declare a absolvição do arguido.
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Respondeu ao recurso o Digno Magistrado do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:
1 – Nenhuma prova foi apresentada ou produzida que permita questionar o bom funcionamento do equipamento utilizado nas medições para pesquisa de álcool no sangue;
2 – A sentença apreciou correctamente a prova, subsumiu os factos ao direito sem violação de preceitos legais e condenou numa medida de pena ajustada à culpa do agente e às necessidades de prevenção geral e especial.
Assim, julgando-se o recurso improcedente deve a mesma ser mantida.
Por ser de Justiça.
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Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, subscrevendo os fundamentos da contramotivação do Ministério Público, e concluiu pela improcedência do recurso.
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Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido. As conclusões constituem pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.
Assim, atentas as conclusões formuladas pelo arguido, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são:
- O erro notório na apreciação da prova e/ou a incorrecta decisão proferida sobre a matéria de facto;
- A violação do art. 32º, nºs 1, 2 e 5 da Constituição da República Portuguesa.
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Para a resolução destas questões importa ter presente o que de relevante consta da sentença recorrida. Assim:
A) Nela foram considerados provados os seguintes factos:
“ (…).
1. No dia 11 de Agosto de 2013, pelas 5 horas c 40 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, com a matrícula (... )BA, pela Estrada do Baleal, concelho de Peniche, após ter ingerido bebidas alcoólicas, quando foi mandado parar por militares da GNR em serviço.
2. Submetido ao teste para pesquisa de álcool no sangue através do aparelho DRAGER ALCOTEST 7110 MKIII, acusou uma taxa de álcool no sangue de 1.95 g/l, que deduzido o erro máximo admissível corresponde a uma taxa de álcool de 1,79 g/l.
3. O arguido não requereu contraprova.
4. Ao ingerir as bebidas alcoólicas o arguido sabia dos efeitos que as mesmas provocam no organismo e das consequências que acarretam pura uma condução atenta e segura.
5. Pretendeu praticar os factos, agindo sem qualquer constrangimento a uma vontade livre e esclarecida apesar de saber que tais comportamentos não eram permitidos pelo Direito.
6. O arguido não tem antecedentes criminais.
7. O arguido é engenheiro civil.
8. O arguido fez um investimento na área da construção civil e engenharia na Guiné, do qual aufere mensalmente cerca ele € 2.000,00/€ 2.500,00.
9. O arguido vive em união de facto com uma companheira, que trabalha e aufere mensalmente cerca de € 1.500,00/€ 2.000,00.
10. O arguido tem um filho com 15 anos de idade e outro com 5 anos de idade, sendo que apenas este último vive consigo.
11. O arguido contribuiu mensalmente para o sustento do filho de 15 anos com a quantia de € 200,00/€ 300,00.
12. O arguido contraiu empréstimo bancário para aquisição de habitação própria, pagando mensalmente cerca de € 400,00.
13. O arguido contraiu mútuo para aquisição de veículo, pagando mensalmente cerca € 300,00.
(…)”.
B) Inexistem factos não provados e dela consta a seguinte motivação de facto:
“ (…).
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente:
Nas declarações do arguido que esclareceu o tribunal acerca das suas condições pessoais, tendo merecido credibilidade, o tribunal, não teve razões para dele duvidar.
Quanto aos factos o arguido exerceu o seu direito ao silêncio, não tendo prestado declarações.
No depoimento da testemunha B... militar da GNR, referiu que conhece o arguido dos factos em causa nos autos, mencionou cm que circunstância abordou o arguido quando o mesmo conduzia veículo automóvel, e que o mesmo foi submetido a exame de pesquisa de álcool 110 sangue e acusou a taxa de álcool que referiu.
A testemunha confirmou o auto de notícia de fls. 4 e 5, local onde o arguido foi abordado e veículo que conduzia.
O depoimento da testemunha mereceu a credibilidade ao tribunal, a testemunha depôs sobre os factos em que teve intervenção no exercício das suas funções, de forma isenta e credível, o tribunal não teve razões para dela duvidar.
O Tribunal estribou ainda a convicção no auto de notícia de fls. 4 e 5, e talão de fls. 6, de onde consta a taxa de álcool de que o arguido era portador, taxa esta que após dedução do erro máximo admissível previsto na Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro para a verificação periódica/verificação extraordinária, por ser a mais favorável ao arguido (redução superior), uma vez que não se encontra junta aos autos a ficha de verificação do aparelho Drager para se constatar se se trata da primeira verificação, sendo que apenas consta do auto de notícia que o aparelho foi verificado pelo IPQ em 25/03/2013, resulta a taxa de € 1,79 g/l.
O tribunal baseou-se ainda no documento de fls. 8, de onde resulta que o arguido não requereu a contraprova.
Quanto aos factos atinentes à matéria do foro interno ou íntimo do arguido, trata-se no fundo de averiguar a matéria referente ao dolo, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14º do Código Penal.
Assim, e como o dolo pertence à vida interior de cada um, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge com maior representação o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou das regras da experiência.
Na...
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