Acórdão nº 1699/07.2TBGMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 26-01-2017

Data de Julgamento26 Janeiro 2017
Número Acordão1699/07.2TBGMR.G1
Ano2017
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães
Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães
*

1 RELATÓRIO

Nos autos Tribunal de origem: Comarca de Braga, Guimarães – Inst. Local – Secção Cível – J3. deInsolvência de pessoa singular (apresentação), em que é requerente R, veio o mesmo em 18-04-2007 requerer a sua declaração de insolvência e pedir a exoneração do passivo restante.
Por sentença de 24-04-2007 foi declarada a insolvência do requerente e por despacho de 9-05-2008 foi liminarmente admitido o pedido de exoneração do passivo restante, tendo-se consignado em tal decisão que “a exoneração do passivo restante será concedida uma vez que sejam observadas as condições previstas no art. 239º do CIRE, nos 5 anos subsequentes ao encerramento do presente processo de insolvência” e que “nos cinco anos subsequentes ao encerramento do presente processo de insolvência o rendimento disponível que os devedores venham a auferir se considera cedido ao fiduciário”.
Nos termos do art. 230º/1, a) do CIRE, o processo foi declarado encerrado em 11-10-2010, o que transitou em julgado.

Decorridos 5 anos, por requerimento de 3-11-2015, o insolvente veio requerer a exoneração do passivo restante.

Os autos foram instruídos, tendo o Exmº Sr. Fiduciário remetido aos autos o relatório a que alude o art. 61º/1 CIRE (aplicável ex vi art. 240º/2 do CIRE), informando que o insolvente nunca cedeu qualquer quantia à fidúcia.
Foram ouvidos o insolvente, o fiduciário e os credores reconhecidos nos termos e para os efeitos do disposto no art. 244º/1 do CIRE.

Após, foi proferida decisão que recusou a exoneração do passivo restante.

Inconformado com essa decisão, apresentou o insolvente Rufino da Silva Oliveira recurso de apelação contra a mesma, cujas alegações finalizou com a apresentação das seguintes conclusões:

I- O despacho do qual se recorre viola o artigo 243.º, n.º 1, alínea a) do C.I.R.E., aplicado por força do artigo 244.º, n.º 2 do mesmo diploma.
II- O recorrente não violou as obrigações previstas no artigo 239.º do C.I.R.E., às quais estava sujeito por força do instituto da exoneração do passivo restante.
III- O recorrente auferiu mensalmente cerca de € 600,00 líquidos fruto da sua actividade profissional, conforme consta do despacho recorrido.
IV- O recorrente comunicou e comprovou junto da sua fiduciária todos os rendimentos e despesas que possuía, nomeadamente a frequência em estabelecimentos de ensino, nomeadamente no ensino superior.
V- Não existem dúvidas que durante o período de cessão é exigido ao insolvente um "esforço económico-financeiro elevado, para que os seus credores sejam satisfeitos na maior medida do possível", mas esse esforço não pode ser de tal modo elevado que chegue a colocar em causa a prossecução dos estudos universitário e secundário por parte dos filhos do recorrente.
VI- Apesar do filho do recorrente ser bolseiro e outro ter escalão A, a bolsa apenas cobre as propinas, sendo sempre necessário fazer face a despesas como alimentação, saúde e material escolar como sejam livros técnicos, que o insolvente com muita dificuldade sempre tentou ajudar a suportar.
VII- A definição do quantum que o insolvente deveria ter cedido à Fiduciária não pode ser determinado por pura comparação dos rendimentos do insolvente com o que seria normal num agregado familiar e nomeadamente com a alegação de que um dos filhos já atingiu a maioridade há 4 anos e outro irá atingir pelo que o pai (insolvente) não está obrigado aos alimentos. Mas não será razoável que um pai, apesar de insolvente, queira ajudar um filho no seu percurso académico contribuindo assim para as despesas daí inerentes??
VIII- Tal concretização do montante indisponível tem que atender ao circunstancialismo concreto do insolvente, como bem têm pugnado os tribunais Superiores.
IX- Deverá pois no presente recurso ser analisada a questão de saber se o recorrente violou com grave negligência alguma das obrigações impostas pelo artigo 239.º do CIRE, e nomeadamente a alínea c) e d) do n.º 4 do mesmo artigo.
X- Essa orientação pode observar-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 11-07-2013, processo n.º 2124/12.2TBMTJ.Ll-7, disponível em www.dgsi.pt: "Na determinação do rendimento indisponível a que alude a subalínea i) da al. B) do n.º 3 do artigo 239.º do C.I.R.E., o legislador estabeleceu dois limites: um mínimo, avaliado por um critério geral e abstracto (o sustento minimamente condigno do devedor e seu agregado familiar), a preencher pelo juiz em cada caso concreto, conforme as circunstâncias particulares do devedor; um limite máximo, obtido através de um critério quantificável e objectivo (o equivalente a três salários mínimos nacionais) o qual, excepcionalmente, poderá ser excedido em casos que o justifiquem. "
XI- Confrontando os rendimentos mensais do Recorrente (€ 600,00) com as despesas mensais fixas mostra-se clara a impossibilidade do insolvente entregar quaisquer montantes, a não ser que se colocasse abaixo do limiar mínimo de uma existência condigna.
XII- Como bem refere o acórdão supra citado: "o conceito mínimo necessário ao sustento digno do devedor tem por subjacente o reconhecimento do princípio da dignidade humana assente na noção do montante que é indispensável a uma existência condigna, a avaliar na particularidade da situação do devedor em causa. Nesse juízo de ponderação casuística caberá valorizar as necessidades de consumo do devedor e do respectivo agregado familiar a cargo".
XIII- Seguindo a mesma orientação, o Tribunal da Relação de Guimarães, no acórdão datado de 24-04-2014, no processo 3188/13.7TBGMR-C.G1, disponível em www.dgsi.pt, refere que "O rendimento de trabalho excluído da cessão aos credores é a parte suficiente e indispensável a suportar, condigna e economicamente, a existência do devedor e do seu agregado familiar, preenchida prudentemente pelo juiz, sem descurar o interesse dos credores, exemplificativa na lei com um limite máximo de três vezes o salário mínimo nacional – artº 239 n.º 3 b) do CIRE.
A sua fixação deve pautar-se por princípios de adequação, necessidade e proporcionalidade, de cariz constitucional, com "proibição do excesso" (artº 18 n.º 2 CRP) ".
XIV- As despesas do insolvente quer com a alimentação, saúde, vestuário, água, luz, prestação de alimentos dos filho e esposa (ex), integram as mínimas indispensáveis a uma existência condigna, sobrepondo-se mesmo aos direitos dos credores do insolvente.
XV- Existência condigna intrinsecamente ligada ao princípio da dignidade humana expressamente consagrada no artigo 1.º da Declaração dos Direitos Humanos e na Constituição - conforme o artigo 59.º, n.º 1 alínea a), da Constituição da República Portuguesa.
XVI- No tocante aos reembolsos do IRS, referentes aos anos de 2011, 2012, 2013 e 2015, o Recorrente tinha a convicção que o aludido montante, como integrante da sua remuneração não mereciam um tratamento diferenciado por parte da sua fiduciária nos seus relatórios, pois esses valores haviam sido deduzidos nos seus salários demonstrando-se a final excessivos.
XVII- Atendendo a todo o circunstancialismo fáctico, a actuação do insolvente não pode fundamentar a recusa da exoneração do passivo restante conforme estatui o n.º 2 do artigo 244.º do C.I.R.E., uma vez que o mesmo não violou com dolo ou negligência grave as obrigações impostas pelo artigo 239.º, conforme resulta do artigo 243.º, n.º 1, alínea a) do referido Código.
XVIII- Acresce que o Recorrente, sendo confrontado com a possível irregularidade da retenção dos reembolsos de I.R.S., sempre se mostrou disposto a fazer esforços junto de terceiros, por forma a entregar as referidas quantias à sua Fiduciária para que pudessem ser distribuídas pelos credores.
XIX- O despacho de recusa de exoneração do passivo restante, constitui mesmo uma decisão surpresa, não tendo sequer dado oportunidade ao recorrente para devolver as quantias consideradas irregularmente recebidas ou a oportunidade de se justificar.
XX- O recorrente durante mais de 5 anos esteve sujeito às regras impostas por este processo e pela Fiduciária, colaborando sempre que lhe foi solicitado, fornecendo todas as informações e documentos relevantes, conforme confirmam os relatórios elaborados, tendo necessariamente reestruturado toda a sua vida e a dos seus filhos e passando por momentos de verdadeira dificuldade e sofrimento.
XXI- O insolvente jamais poria em causa a decisão final de exoneração do passivo restante depois de todo o longo e penoso caminho percorrido.
XXII- Devia pois o despacho recorrido ter concedido a exoneração do passivo restante ao insolvente e ora Recorrente.
TERMOS EM QUE,
Deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, consequentemente, revogar-se o despacho recorrido, substituindo-se por outro que conceda ao insolvente a exoneração do passivo restante, uma vez que estão verificados todos os requisitos exigidos pelo artigo 243.º do C.I.R.E., mormente a alínea a) do seu n.º 1.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!!
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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O Exmº Juíz a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida.
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Facultados os vistos aos Exmºs Adjuntos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
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2QUESTÃO A DECIDIR

Como resulta do disposto no art. 608º/2, ex. vi dos arts. 663º/2; 635º/4; 639º/1 a 3; 641º/2, b), todos do CPC, sem prejuízo do conhecimento das questões de que deva conhecer-se ex officio, este Tribunal só poderá conhecer das que constem nas conclusões que, assim, definem e delimitam o objecto do recurso.
Consideradas as conclusões formuladas pelo apelante, a questão a apreciar e decidir consiste em saber se estão ou não reunidos os pressupostos para se conceder ao insolvente a exoneração do passivo restante.
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3OS FACTOS

a) Por sentença datada de 24-04-2007, a fls. 18 e...

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