Acórdão nº 1668/15.9T8PVZ.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-01-2019
Data de Julgamento | 24 Janeiro 2019 |
Case Outcome | NEGADA A REVISTA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 1668/15.9T8PVZ.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I – Relatório
1. AA (A.) intentou, em 09/12/2015, ação declarativa, sob a forma de processo declarativo comum, contra BB (1.º R.) e CC - Sociedade de Construções, Lda (2.ª R.), alegando, no essencial, o seguinte:
. O 1.º R. dedica-se à promoção imobiliária, nomeadamente através da 2.ª R., da qual é sócio gerente;
. Em 2003, o 1.º R. abordou o A. a solicitar ajuda com vista a satisfazer o preço de um prédio rústico sito na …, …, que a 2.ª R. havia adquirido para loteamento, urbanização e ulterior venda dos lotes;
. O A. satisfez tal solicitação, entregando-lhe, contra obrigação de reembolso, dois cheques: um de € 162.109,31, datado de 23/10/2003, sacado sobre o Banco DD, e outro de € 167.518,00, datado de 04/11/2003, sacado sobre o Banco EE;
. Dada a confiança então existente entre o A. e o 1.º R., tais empréstimos eram titulados por declarações apostas por este nas fotocópias dos cheques;
. Porém, o 1.º R. insistiu em associar o A. ao negócio imobiliário que projetara realizar através da 2.ª R., prometendo reembolsá-lo do montante de € 167.518,00 com juros, ficando o remanescente para ser pago no valor de metade das receitas da venda dos lotes a construir, deduzida metade das despesas havidas com a compra do prédio, o loteamento e as obras necessárias;
. Entre 2003 e 2007, ano em que ocorreu o corte de relações entre A. e 1.º R., este ainda lhe pediu € 60.000,00, a título de empréstimo, reconhecendo ainda dever-lhe honorários no valor de € 100.000,00, tendo, entretanto, efetuado pagamentos ao A. no total de € 197.875,00 para além do montante dos honorários;
. A partir de 2007, o 1.º R. tem-se recusado a reembolsar o A. do mais, argumentando que o prédio da … é pertença dos dois em partes iguais e que o valor a reembolsar correspondia a metade do valor desse prédio;
. Além disso, nenhum dos R.R. levou a cabo qualquer loteamento no referido prédio, tendo deixado de lado o projetado empreendimento imobiliário, sem daí produzir nenhuma receita;
. Em 2013, o A. instaurou uma execução contra o 1.º R. como base no cheque de € 167.518,00, mas este deduziu oposição àquela execução, a qual foi julgada procedente, ali se decidindo que o referido cheque havia sido pago por aquele R. e que o cheque de € 162.109,31 extravasava o objeto desse processo, afastando-se a configuração da entrega deste como empréstimo;
. Em face disso, as obrigações assumidas perante o A. pelo 1.º R., por si ou em representação da 2.ª R., devem ser configuradas no âmbito de um contrato de associação em participação, em que a contribuição do A. para atividade económica a desenvolver pelo 1.º R. ou pela 2.ª R. sobre o sobredito prédio foi de € 162.109,31;
. O 1.º R., seja por si, seja em representação da 2.ª R., ao não concorrer para a atividade tida em vista no mencionado contrato de associação, incorre em incumprimento do mesmo, o que constitui justa causa para a sua extinção, além do que, tendo decorrido mais de dez anos sobre a celebração desse contrato, a extinção pode ainda ser declarada por qualquer das partes;
. Foi nessa base que o A., em 12/11/2015, escreveu aos R.R. uma carta, em que declarou a sua vontade de se desvincular daquele contrato por resolução, invocando justa causa e, subsidiariamente, o decurso dos referidos 10 anos;
. Tem assim o A. o direito a reaver o capital entregue no valor de € 162.109,31, bem como ao pagamento de juros sobre o mesmo, à taxa de 4%, a título da rentabilidade perdida, no valor de € 78.238,82 em 30/11/ 2015, perfazendo o total de € 240.348,13;
. Porém, caso se considere que a intenção que presidiu à entrega dos € 162.109,31 foi a de transmitir metade do prédio ao A., então tal corresponderá a um contrato de compra e venda ou contrato-promessa de compra e venda, nulos por falta de forma, também, nesta hipótese, assistindo ao A. o direito à restituição daquele valor acrescido de juros.
Suscitando dúvida quanto a saber se o 1.º R. agiu por si ou em representação da 2.ª R., o A. concluiu a pedir que:
a) – Fosse condenado o 1.º R. ou, subsidiariamente, a 2.ª R. a pagar-lhe, por incumprimento do contrato celebrado, a quantia total de € 240.348,13, sendo € 162.109,31, a título de capital, e € 78.238,82 de juros vencidos, sem prejuízo dos vincendos desde a citação;
b) – E, caso assim se não entendesse, fosse declarada a nulidade do contrato celebrado entre o A. e o 1.º R. ou a 2.ª R., por falta de forma, e fosse condenado o 1.º R. ou, subsidiariamente, a 2.ª R. a restituir aqueles montantes de capital e juros.
2. Citados os R.R. regularmente por carta regista com A/R, só a 2.ª R. CC, Ld.ª, apresentou contestação, em que impugnou uma parte substancial dos factos alegados pelo A., tendo, além disso, invocado a exceção de prescrição dos juros peticionados e o abuso de direito do A., sustentando que fora constituída uma sociedade irregular entre as partes.
Nessa base, concluiu pela total improcedência da ação e, subsidiariamente, pela improcedência quanto a tais juros em virtude da respetiva prescrição.
3. O A. respondeu a pugnar pela improcedência das exceções deduzidas.
4. Findos os articulados, realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador tabelar, relegando-se para final o conhecimento da exceção de prescrição invocada pela 2.ª R., procedendo-se, de seguida, à identificação do objeto do litígio, bem como à enunciação dos factos já tidos por assentes e dos temas da prova a submeter a julgamento.
5. Realizada a audiência final, foi proferida a sentença de fls. 329-339/v.º, de 30/05/2017, a julgar a ação totalmente improcedente, por não provada, com a consequente absolvição dos R.R., tendo-se por prejudicado o conhecimento da prescrição e do abuso de direito invocados.
6. Inconformado com tal decisão, o A. apelou para o Tribunal da Relação do Porto, em sede de impugnação de facto e de direito, tendo sido proferido o acórdão de fls. 390-422, datado de 05/03/2018, a julgar parcialmente procedente a apelação, alterando-se a sentença recorrida no sentido de condenar o 1.º R. BB a pagar ao A. a quantia de € 162.109,31, acrescida de juros de mora, à taxa legal dos juros civis, desde 22/11/2015 até integral pagamento.
7. Desta feita, vieram ambos os R.R. pedir revista, formulando as seguintes conclusões:
1.ª - A sentença não se pronunciou sobre a prescrição e o abuso de direito por parte do A. por a ação ter sido julgada totalmente improcedente, mas, uma vez revogada no sentido da sua procedência parcial, tinha o acórdão recorrido de tomar posição sobre a prescrição e abuso de direito.
2.ª - Se um cheque invocado pelo A. é depositado na conta da R. e o seu sócio gerente o assina como tal, não em nome individual, e se é ela que com esse valor acaba por adquirir um prédio, o negócio existente, seja ele qual for, é entre o A. e essa R. beneficiária direta do cheque, estando os fundamentos do acórdão em oposição com os factos provados, verifica-se uma nulidade;
3.ª - Se o A., conhecido e respeitado advogado, se intitula de comproprietário em diversa correspondência dirigida à outra parte no negócio, não há dúvida que concebeu um contrato de compra e venda e que participava pela metade, atento o valor do cheque que emitira para esse negócio.
4.ª - Se essa qualidade invocada em documento, elaborado e assinado pelo A. e enviado à parte contrária, faz prova plena quanto às declarações nele contidas e que sejam contrárias ao seu interesse;
5.ª - Mais uma vez se verifica nulidade do acórdão por decidir contra documento que a lei qualifica como de prova plena, onde o A. reconhece que é comproprietário e não "parceiro" ou que fez uma "associação em participação";
6.ª - No contrato de “associação em participação”, a contribuição do associado deve ingressar no património do associante quando conste numa contribuição ou transmissão de direito e deve ser atribuído um valor em dinheiro;
7.ª - Não existe “associação em participação” com quem não recebe qualquer quantia em dinheiro do associado e nunca foi associante, pois o beneficiário do cheque e que fez a aquisição do imóvel foi a 2.a R.;
8.ª - Não existe justa causa para resolver um contrato alegado de “associação em participação” se o objeto que estava em causa, era para urbanizar e lotear um terreno, e a Câmara Municipal respetiva, notifica a 2.a R. que não era admitida para o terreno em causa qualquer operação urbanística de loteamento porque o PDM classifica a parcela como de Área Florestal de Produção Condicionada;
9.ª - A única via para o A., e dada a impossibilidade legal do objeto, era pedir a venda ou adjudicação do terreno no qual participava;
10.ª - Constitui abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” o comportamento do A. que, numa relação comercial sempre se reclamou de “comproprietário” de um terreno e depois verificando a impossibilidade legal da operação de loteamento, invoca outro tipo de contrato com os RR. e pede a devolução da quantia que entrega para o negócio com os respetivos juros.
11.ª - A vontade real das partes é aquela que se pode extrair da prova efetuada, sendo importante a que consta de documentos emanados pelas partes.
12.ª - Se o A., como jurista, deu a conhecer à contraparte, por escrito, que era comproprietário do terreno, e foi esse o sentido que admitido pelos R.R., toda a solução do negócio tem de ser encontrada nessa base negocial de propriedade em comum.
13.ª - Se por deficiência o acórdão não se pronuncia sobre a vontade real das partes, pode o STJ sindicar o resultado interpretativo da hipotética vontade das partes.
14.ª - Tendo o negócio sido operado em 2003 e até 2015, sempre o A. se tendo invocado como comproprietário, de que deu conhecimento expresso à outra parte, vale esta declaração emitida e não a figura de “associação em participação” que só...
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