Acórdão nº 1630/17.7T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-07-2020

Data de Julgamento14 Julho 2020
Case OutcomeNEGADA A REVISTA QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
Classe processualREVISTA
Número Acordão1630/17.7T8VRL.G1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

2ª SECÇÃO CÍVEL

***


I. Relatório

1. AA instaurou ação declarativa, com processo comum, contra BB, pedindo a condenação da ré:

a) a restituir à autora os bens móveis que se encontravam no interior do armazém à data da traditio do mesmo, ou bens de igual espécie, e que, até à data, ainda não lhe foram restituídos. Ou alternativamente,

aa) a pagar à autora €188.781,19 correspondentes ao valor pecuniário dos referidos bens;

b) no pagamento de uma quantia pecuniária compulsória, nunca inferior a €1.000,00 por cada dia de não restituição dos referidos bens móveis, nos termos e ao abrigo do artigo 829.º-A do CPC.

Ou, subsidiariamente, não sendo tal restituição possível, ou, não sendo possível a restituição em igual espécie:

c) a indemnizar a autora pela violação do seu direito de propriedade no montante de €188.781,19, à luz do instituto da responsabilidade civil extracontratual, acrescidos de juros de mora desde o trânsito em julgado da decisão judicial até efetivo e integral pagamento.

Ou, caso assim também não se entenda e ainda subsidiariamente,

d) a restituir à autora os bens que integravam o armazém à data da traditio do mesmo, ou bens semelhantes, não sendo tal restituição possível, ou, ainda, não sendo possível a restituição em espécie, o valor correspondente aos mesmos €188.781,19, nos termos e ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, acrescidos de juros de mora desde a data em que a ré obteve esse enriquecimento injustificado, até efetivo e integral pagamento.

Alegou, para tanto e em síntese, que celebrou com a ré, em 08 de junho de 2004, um contrato promessa de compra e venda da parcela de terreno com 1.182,27 m2 a destacar do prédio rústico sito no ......., inscrito na respetiva matriz sob o artigo 559, descrito na Conservatória do Registo Predial de … sob o número … da freguesia de …, incluindo-se na transmissão o armazém que neste se encontra edificado.

Com a celebração do contrato-promessa, a autora entregou o referido imóvel e armazém à ré, que deles passou a usufruir, sendo que, à data, neste armazém encontravam-se armazenados diversos bens móveis relacionados com a atividade de construção civil, com o valor patrimonial de €188.781,19 e que eram da propriedade da sociedade João Maria Alves & Filhos, Lda.

Não obstante a autora, por carta dirigida à ré, em 03 de dezembro de 2005, ter peticionado a restituição da parcela de terreno prometida vender, do armazém nela construído e de todos os materiais e mercadorias propriedade da sociedade João Maria Alves & Filhos, Lda e que nele se encontravam armazenados, a ré nunca chegou a efetuar a restituição destes bens.

2. A ré contestou, excecionando a prescrição dos pedidos subsidiários formulados pela autora, sustentando a existência de abuso de direito por parte da autora e alegando que o armazém foi entregue à mesma com todo o recheio que ali havia quando o recebeu.

Deduziu reconvenção, peticionando a condenação da autora/reconvinda a restituir-lhe a quantia global de € 234.807,66, sendo € 155.000,00 a título de benfeitorias feitas no armazém objeto do contrato promessa, entretanto declarado nulo, e correspondendo € 79.807,66 ao valor que lhe é devido pela nulidade do contrato conforme ditou o acórdão do STJ, tudo acrescido de acrescido de juros de mora vencidos e vincendos.

3. A autora replicou, invocando as exceções de litispendência e de caso julgado, sustentando a improcedência das exceções arguidas pela ré e a inadmissibilidade da reconvenção.

4. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, que julgou a exceção dilatória de inadmissibilidade da reconvenção totalmente procedente e, consequentemente, absolveu a autora/reconvinda da instância reconvencional, decisão esta que já transitou em julgado.

De seguida, foi proferido despacho que identificou o litígio do litígio e enunciou os temas da prova.

5. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, que julgou a ação procedente e, consequentemente, decidiu condenar a ré BB a pagar à autora AA a quantia de 188.781,19€, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.

6. Inconformada com esta decisão, dela apelou a ré para o Tribunal da Relação de Guimarães que, por acórdão proferido em 17.12.2019, julgou improcedente a apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.

7. Inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação, a ré dele interpôs recurso de revista, a título excecional, para o Supremo Tribunal de Justiça, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:

« A. Relativamente ao preceituado na alínea a) do artigo 672º, n.º 2 do Código de Processo Civil: “estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, tem-se entendido que a relevância jurídica de uma questão, deve demonstrar-se pelo alto grau de complexidade que apresenta, ou seja, pela controvérsia que revela quer na doutrina, quer na jurisprudência, ou até, pela novidade que transmita e que seja necessária a sua apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça. Tal será importante, tendo em linha de conta a futura orientação jurisprudencial que dali possa advir. Como se lê no acórdão do STJ no processo n.º 5720/09.1 TVLSB.L1.S1 in www.dgsi.pt : “Questão com relevância jurídica necessária para uma melhor aplicação do direito é a que seja manifestamente complexa, de difícil resolução, na doutrina e na jurisprudência, e cuja subsunção jurídica imponha um importante e detalhado exercício de exegese, com o objectivo de se vir a obter um consenso quanto à provável interpretação das normas à mesma aplicáveis.” E ainda, como se lê no acórdão do STJ datado de 14/5/2015, no processo n.º 217/10.TBPRD.P1.S1, in www.dgsi.pt: “possa estar de modo mais evidente em causa o papel que se reclama do Direito e dos Tribunais como guardiões das expectativas legítimas dos sujeitos jurídicos”. Também no acórdão do STJ do processo n.º 219/11.9TVLSB.L1S1 in www.dgsi.pt é manifestado que: ”O STJ é, organicamente, um tribunal de revista, pelo que a sua competência para a cognoscibilidade, em matéria de recurso (revista), está confinada a questões de direito (cf. arts. 674º, n.º 3 e 682º, n.º 2 do NCPC (2013), cabendo-lhe o papel residual de sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório de que se serviram para a obtenção dos juízos e veredictos que alcançaram por efeito da mesma. O STJ pode, assim, sindicar a decisão da matéria de facto, provinda das instâncias, em duas hipóteses: (i) quando o tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que se tenha produzido prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência; ou (ii) quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de algum dos meios de prova admitidos no sistema jurídico português”.

B. No acórdão STJ no processo n.º 1297/11.6TBPBLC1.S1, in www.dgsi.pt lê-se: “Atento o disposto no n° 4 do art. 662° do CPC, o Supremo Tribunal de Justiça não pode sindicar o modo como a Relação apreciou a impugnação da decisão da matéria de facto sustentada em meios de prova sujeitos a livre apreciação. A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de matéria de facto está limitada aos casos em que seja invocada a violação de lei adjectiva ou a ofensa a disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova (v.g. prova documental ou por confissão) ou que fixe o valor de determinado meio de prova (v.g. acordo das partes, confissão ou documento com força probatória plena).

C. Uma decisão judicial não pode deixar de ficar sujeita à possibilidade de alteração ou revogação quando: a) Ofenda ou limite direitos, liberdades e garantias em geral e, em especial, o direito de acesso aos tribunais (direito de acção, direito ao processo, direito à tutela jurisdicional efectiva em prazo plausível, à tutela cautelar e à execução) segundo os imperativos de um processo justo e equitativo, incluindo a descoberta da verdade material; ou b) Viole os princípios ínsitos nos artigos 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa, a saber: princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança e o princípio da igualdade. O recurso de revisão impõe-se com fundamento excepcional na violação grave e manifesta desses mesmos princípios constitucionais. Tratando-se de um direito fundamental possui todas as características inerentes a estes direitos: a) é um direito subjectivo, o que deriva do principio fundamental da Universalidade consagrado no art.º 12.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa e segundo o qual “Todos os cidadãos gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição” – está na titularidade dos cidadãos; b) é um direito individual na medida em que é atribuído aos cidadãos enquanto pessoas individuais; c) é um direito universal, posto que atribuído a todos os cidadãos e tendo por referencial o princípio da igualdade (art.º 13.º da Constituição da República Portuguesa). – Vide VAZ, Manuel Afonso e al., Direito Constitucional – O Sistema Constitucional Português, 1.ª Edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2012, p. 240 – 243.

D. O artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa consagra o Princípio da Igualdade, determinando que: “Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.” Assim, dois dos princípios que enformam ou caracterizam o regime dos direitos fundamentais, são desde logo os supracitados Princípio da Universalidade e Princípio da Igualdade. Um terceiro princípio estruturante do regime geral dos direitos fundamentais é o Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva – consagrado no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa - que consagra a garantia e defesa...

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