Acórdão nº 16211/18.0T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 07-12-2018

Data de Julgamento07 Dezembro 2018
Número Acordão16211/18.0T8PRT.P1
Ano2018
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 16211/18.0T8PRT.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível do Porto – J1

Relatora: Judite Pires
1ºAdjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I.RELATÓRIO.
1. B..., S.A. e C..., S.A. instauraram Procedimento Cautelar Comum Não Especificado contra D..., SA, Sucursal em Portugal, requerendo que a Requerida seja intimada a se abster de qualquer utilização do título – escritura pública de Contrato de Abertura de Crédito com Hipoteca - que tem em seu poder, designadamente, não o dando à execução em acção executiva a instaurar contra as Requerentes, e, bem assim, a conservar em sua posse exclusiva essa escritura pública, ficando inibida de transmitir ou ceder a terceiros, seja a que título e por que modo for, as garantias nele constituídas pelas Requerentes, até que seja proferida decisão definitiva na acção principal que as Requerentes vão propor para verem judicialmente declarado o seu direito.
Alega, para tanto, que:
- Requerentes e requerida outorgaram o contrato a que se refere o artigo 2..º do requerimento inicial, mediante o qual esta concedeu à E..., SA, o financiamento da quantia de € 1.235.000,00, e aquelas surgem como garantes no que ao contrato de Abertura de Crédito com Hipoteca e Consignação de Rendimentos diz respeito;
- A “E...” instaurou um PER em 30.05.2017, tendo o plano sido aprovado pelos credores e homologado por decisão judicial transitada em julgado;
- Relativamente ao contrato supra referido, ficou estabelecido que o crédito se cifrava em € 735.170, 32 e tinha a natureza de crédito comum;
- Este crédito comum de € 735.170,32 da Requerida sobre a Devedora E... ficou sujeito e vinculado aos exactos e estritos termos e condições estabelecidos no Plano de Recuperação;
- A partir da data do trânsito em julgado da sentença que homologou o Plano de Recuperação da E..., em 07.06.2018, a Requerida vem pretendendo, e ainda continua a pretender, e exigindo das Requerentes, que lhes paguem a dívida referente ao Contrato que acima se identificou, pretendendo – a Requerida – haver delas – Requerentes – o pagamento da quantia de € 735.170,32, acrescida de juros e demais despesas e encargos, que contabiliza, até 06.07.2018, em € 56.072,09, tudo no valor global de € 791.242,41, tendo feito expressa e formal interpelação das Requerentes para esse pagamento, através de cartas registadas, com aviso de recepção, uma datada de 22 de Junho de 2018, que a 1.ª Requerente recepcionou em 28.06.2018, e a outra datada de 2 de Julho de 2018, e ainda uma outra que a 2.ª Requerente recepcionou em 10 de Julho de 2018, referindo mesmo a Requerida nessas interpelações que iria lançar mão do recurso à via judicial caso as Requerentes lhe não pagassem a quantia reclamada até 06.07.2018, prazo depois prorrogado por mais uma semana, porventura dando à execução como alegado título a citada escritura pública que tem em seu poder;
- Só em execução instaurada contra a Devedora E... (e não pode nem há motivos para ser instaurada) é que poderiam ser nomeados à penhora os bens dados em garantia pelas Requerentes, e, mesmo assim, com uma dúplice condição: que o património daquela Devedora não fosse suficiente e bastante para cumprir a obrigação principal e que essas garantias (as dadas pelas Requerentes) não devessem considerar-se extintas considerando o princípio da acessoriedade da garantia em causa;
- A alteração da obrigação resultante do Plano aprovado é ineficaz para as garantes, no sentido de que estes não são obrigados a manter as garantias para a nova obrigação, ou obrigação modificada, e subordinada aos termos e condições em que foi modificada, tanto mais que o prazo de manutenção das garantias aumentou sete vezes, o que é manifestamente ilegal por irrazoável e intolerável e gera e determina a extinção de todas as garantias prestadas pela Requerentes;
- Acresce que as circunstâncias em que as Requerentes fundaram a sua decisão de constituir as citadas garantias – a “base do negócio” – sofreram uma alteração anormal, resultante da modificação da dívida da E... para com a Requerida nos termos e condições operados pelo Plano de Recuperação, o que confere às Requerentes o direito de resolverem o contrato, no caso específico da constituição das garantias que prestaram, por alteração anormal de circunstâncias;
- Mesmo que se entenda que, não obstante a modificação da obrigação garantida pelas hipotecas e consignação de rendimentos nos termos que resultam do PER, a requerida está legitimada a reclamar e a exigir das Requerentes, como garantes, o cumprimento das obrigações decorrentes do Contrato de Abertura de Crédito celebrado entre a Requerida e a E..., a Requerida não pode reclamar e exigir a quantia de 791.242,41, como reclamou e exigiu, mas o montante de € 367.585,16, a pagar nos prazos e formas previstas no Plano de Recuperação da E..., e que as fracções autónomas identificadas no artigo 120.º do requerimento inicial são suficientes para garantirem o bom e pontual cumprimento dessa obrigação;
- Inexiste incumprimento da obrigação por parte da E... e exigibilidade do pagamento da dívida, pois não há incumprimento da E... dos termos e condições do pagamento da dívida, montante, prazos e formas, tal como estão previstas no PER;
- Relativamente ao requisito da justo receio de lesão grave e dificilmente reparável invocaram as requerentes, em súmula, não disporem de meios financeiros para prestar caução de modo a suspender a execução que se pretende travar.
Citada a Requerida, deduziu ela oposição, alegando que o crédito em discussão nas relações entre requerida e requerentes não sofreu qualquer alteração, face ao teor do artigo 217.º, n.º 4 do CIRE, aplicável por força do estatuído no artigo 17.º-A, n.º 3, do mesmo diploma legal.
Invoca ainda a existência de abuso de direito por parte das requerentes quando se referem à alteração superveniente das circunstâncias do contrato face ao teor da redacção do contrato nessa matéria, o qual prevê que “(...) a hipoteca é feita por tempo indeterminado, e subsistirá enquanto se mantiverem quaisquer das responsabilidades que assegura”.
Por fim, suscita o incidente de litigância de má-fé por parte das requerentes pela dedução de pretensão cuja falta de fundamento dolosamente não ignoram, nos termos do artigo 543.º do C.P.C., pedindo a condenação das Requerentes em “indemnização condigna”.
Procedeu-se à realização da audiência final, após o que foi proferida decisão que julgou improcedente a providência cautelar instaurada pelas requerentes, bem como o pedido de condenação por litigância de má fé contra elas formulado.
2. Não se conformando com o decidido, interpuseram as Requerentes recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
1ª – Vem o presente Recurso interposto da douta sentença da 1ª Instância que julgou improcedente o Procedimento Cautelar Comum Não Especificado deduzido pelas Requerentes, aqui Apelantes.
2ª - Na audiência final, ambas as Partes convieram que não havia matéria de facto controvertida, pelo que a Meritíssima Sra. Dra. Juíza a quo considerou, e bem, que a matéria de facto alegada no RI ficou assente por acordo das partes.
3ª – A decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada, no sentido da sua ampliação, por forma a nela ser incluída como provada a factualidade constante dos artºs 14º, parte final, 31º, 43º, 44º, 73º, 74º, 75º, 89º a 93º, 96º, 98º a 100º, 129º, 138º, 149º a 153º e 180º a 186º do RI.
4ª - Do processo constam todos os meios de prova – documentos de fls. 28 a 83 e 89 a 134 e acta da audiência final de 17.08.2018 que antecede a sentença recorrida da qual consta o acordo das partes quanto a considerarem incontrovertida e provada toda a matéria de facto vertida no RI – que impõem que esses factos sejam integrados na matéria de facto provada.
5ª - A sentença incorre num insanável salto ilógico, porque, se, de uma banda, considera “que o beneficiário de uma hipoteca constituída a favor de terceiro só pode accionar a sua garantia depois de demonstrado o incumprimento do devedor”, e se, de outra banda, não foi demonstrado esse incumprimento, não se pode concluir pela improcedência do requerido pelas Apelantes.
6ª - A sentença recorrida decidiu com apoio em posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais publicadas sem que haja feito a devida exegese jurídica e necessária tarefa de hermenêutica da norma do nº 4 do artº 217 do CIRE.
7ª - Se esse trabalho de busca de uma interpretação crítica, detalhada e rigorosa tivesse sido feita, facilmente se verificaria que nenhuma, mas nenhuma, das situações tratadas nas posições doutrinárias e decisões jurisprudenciais citadas tem identidade com a que é objecto do presente procedimento cautelar.
8ª - Cremos até que a Meritíssima Sra. Dra. Juíza a quo terá deixado escapar uma excelente oportunidade para, independentemente de qual viesse a ser o sentido da sua decisão, aportar um contributo e deixar jurisprudência sobre esta questão, cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é (no caso, teria sido) claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito.
9ª - Da busca jurisprudencial feita, e estamos convictos de ter sido rigorosa e profunda, não foi encontrado nenhum caso idêntico ao sub judice; e a única, mesmo a única, referência relevante encontrada a propósito foi no Acórdão da Relação de Guimarães, de 15.09.2016, Proc. 307/15.2T8PRG.G1, de resto num caso de prestação de aval em dívida bancária, que elabora no seguinte argumento:
“No que diz respeito à garantia real de hipoteca de terceiros dada ao crédito da apelante, há que ter em conta que este crédito é sobre a revitalizante e não sobre os terceiros garantes. Estes, por força da garantia, apenas garantem o crédito que existir.pt/jtrg aquando do incumprimento. E só pode ser
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