Acórdão nº 162/18.0T9STR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 04-06-2024
| Data de Julgamento | 04 Junho 2024 |
| Número Acordão | 162/18.0T9STR.E1 |
| Ano | 2024 |
| Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA, NA 2ª SUBSECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
RELATÓRIO
Nos presentes autos, provenientes do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1, veio a arguida, A, interpor recurso da sentença que nestes autos foi proferida (tendo sido adiada a sua leitura no próprio dia designado através de despacho com a referência Citius nº 94996829 de 28/11/23 para 19/12/2023), através da qual a mesma foi condenada nos seguintes termos e juntamente com outros dois arguidos :
1. CONDENAR a arguida S, LDA. pela prática de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 7.º, n.º 1, e 88.º, n.º 1 e n.º 2 do Regime Geral das Infrações Tributárias, na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz o total de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros).
2. CONDENAR o arguido J pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 6.º, e 88.º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 125 (cento e vinte e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros).
3. CONDENAR a arguida A pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de frustração de créditos, previsto e punido pelos artigos 6.º, e 88.º, n.º 1 e n.º 2, do Regime Geral das Infrações Tributárias, e artigos 26.º e 28.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 8,00 (oito euros), o que perfaz o total de € 680,00 (seiscentos e oitenta euros).
4. JULGAR PROCEDENTE o Pedido de Indemnização Civil deduzido pelo demandante Estado Português – Ministério das Finanças – Autoridade Tributária e Aduaneira e, em consequência, CONDENAR os Demandados S, LDA., J, e A no pagamento solidário do valor global de € 26.324,34 (vinte e seis mil trezentos e vinte e quatro euros e trinta e quatro cêntimos).
Não se conformando com a decisão como se disse, a arguida A veio interpor recurso da sentença, no qual apresentou as seguintes conclusões:
a) A sentença “a quo” é nula por valoração de prova proibida (art.º 126.º, nº 3 do CPP);
b) Os presentes autos nascem de comunicação feita pela entidade bancária ao abrigo do art.º 43.º da Lei nº 83/2017, de 18 de agosto - Comunicação a que as entidades bancárias se encontram obrigadas como medida de combate ao branqueamento de capitais e ao financiamento do terrorismo.
c) Sendo essa comunicação obrigatória apenas perante a prática desses crimes, circunstância em que a lei limita expressamente o dever de segredo das entidades bancárias.
d) A Exma. Juiz do Tribunal “a quo”, referindo-se ao dever de comunicação previsto no art.º 43.º da Lei nº 83/2017, bem como ao art.º 44.º do mesmo diploma, que estabelece os termos em que devem ser feitas as comunicações, conclui que, “aaludidaobrigatoriedadedecomunicaçãodeoperaçõessuspeitasporpartedasentidadesfinanceirasnãoserestringeaumcatálogodetiposlegais:branqueamentodecapitaiseterrorismo”. O que, como demonstrado nos pontos 12.º a 23.º das Alegações não encontra qualquer base de sustentação na Lei nº 83/2017, nem nas Diretivas Europeias que a referida Lei transpõe, consubstanciando uma verdadeira subversão da lei e interpretação contra legem.
e) Dispõe o art.º 1.º, nº 1 da Diretiva 2015/849/UEA que, “a presente diretiva visa prevenir a utilização do sistema financeiro para efeitos de branqueamento de capitais e de financiamento do terrorismo”.
f) A aceitar-se o entendimento, algo rebuscado, diga-se, da Exma. Juiz do Tribunal “a quo” - no sentido de o dever de comunicação estabelecido no art.º 43.º da Lei nº 83/2017 não se limitar a um catálogo de crimes legais - esvaziar-se-ia por completo o dever de segredo das instituições bancárias relativamente a informações bancárias dos clientes (art.º 78.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro).
g) O dever de comunicação do art.º 43.º apenas existe em situação de possível branqueamento de capitais, não podendo ser “usado” para se iniciar investigação de frustração de créditos, em causa nos autos, cujo tipo não encontra qualquer correspondência com a definição de branqueamento constante na Diretiva 2015/849/EU (V. art.º 1.º, nº 3).
h) O branqueamento pressupõe sempre a existência de um crime anterior, estando sempre relacionado com fundos ou bens que advenham de atividade criminosa, como, inclusive, resulta do art.º 43.º da Lei nº 83/2017. A comunicação do art.º 43.º pressupõe a prática de dois crimes relacionados, um primeiro crime que gera proventos e um segundo que os visa “esconder”.
i) Ora, daqui se infere de forma inequívoca que o próprio banco procedeu mal, pois, de acordo, com a própria declaração junta a fls. 5, bem como de acordo com os factos em causa dos autos, os valores alegadamente depositados em conta titulada pela arguida Anabela Reis eram provenientes de transações comerciais, de acordo com a própria descrição da matéria de facto constante dos autos, e assim, provenientes de transação lícita e de nenhuma atividade criminosa.
j) Posto isto, é apodítico que não existia nenhum dever de comunicação por parte da entidade bancária ao abrigo do mencionado art.º 43.º, e que a comunicação efetuada consubstancia violação do dever de sigilo (art.º 78.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro), o que, inclusive consubstancia infração criminal (art.º 84.º do DL nº 298/92, de 31 de dezembro).
k) Assim, contrariamente ao entendimento do Tribunal “a quo”, não se encontra legitimado o afastamento do dever de segredo bancário por imperativos de investigação criminal, pois, o art.º 43.º da Lei nº 83/2017, não legitima tal afastamento, assim como também não o legitima o art.º 79.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro, o qual estabelece as exceções ao referido dever de segredo.
l) Não se encontra legitimado o afastamento do dever de segredo bancário por imperativos de investigação criminal, pois, o art.º 43.º da Lei nº 83/2017, não legitima tal afastamento, assim como também não o legitima o art.º 79.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro.
m) No caso dos autos não estão em causa suspeitas conexionadas com situações de branqueamento de capitais (e muito menos financiamento ao terrorismo), como supra demonstrado, pois os alegados movimentos bancários em causa nos autos sempre viriam de transações comerciais lícitas.
n) E não sendo levada a cabo qualquer investigação quanto ao crime de branqueamento de capitais, abrindo-se inquérito somente pelo crime de frustração de créditos, apenas sendo tal comunicação em derrogação do dever de segredo bancário admitida nos termos do art.º 43.º, impunha-se a não consideração de tal comunicação após se concluir pela inexistência de branqueamento de capitais.
o) Como tal, impõe-se considerar que o processo de obtenção de prova não seguiu o procedimento legal. Tendo tais provas - certidão extraída de procedimento de averiguação que se iniciou com comunicação da entidade bancária - fls. 1 a 7 - sido obtidas mediante intromissão na vida privada da arguida, em violação do art.º 26.º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa (doravante CRP).
p) A falta de licitude da atuação da instituição financeira de quebra do sigilo bancário em desobediência da lei, determinou a violação do direito ao segredo à reserva da vida privada da arguida. Motivo pelo qual, estamos perante prova de valoração proibida, nos termos do art.º 126, nº 3 do CPP, que comina como consequência a nulidade. O que deveria ter sido declarado pelo Tribunal “a quo”.
q) A Sentença “a quo” nos moldes em que foi proferida, considerando a forma como se iniciaram os presentes autos, constitui uma violação dos arts.º 78.º e 79.º do DL nº 298/92 de 31 de dezembro, bem como do art.º 26.º, nº 1 da CRP.
r) A invalidade da referida prova obtida em violação do direito à reserva da vida privada (art.º 26.º, nº 1 da CRP) determina, em aplicação da “teoria dos frutos da árvore envenenada”, a invalidade dos atos que dela dependerem (art.º 122.º, nº 1 do CPP) - Impondo-se, a não valoração de tal prova e consequente a declaração de nulidade da mesma, impõe-se, também em consequência, a absolvição da arguida por ausência de qualquer outra prova que indicie a prática dos factos em causa nos autos.
s) A MM.ª Juiz “a quo”, numa evidente tentativa de justificar o injustificável, admite na sentença recorrida a possibilidade de o conhecimento da eventual prática de crime de frustração de créditos como conhecimento fortuito, o que não se reveste de qualquer senso, pois, tal conhecimento advém de comunicação que não era permitida para tal ilícito criminal sob pena de violação do dever de sigilo bancário, e os conhecimentos fortuitos serão, por sua vez, “os conhecimentos obtidos de forma lateral e sem relacionamento com a investigação em curso” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29-04-2010, proc. nº 128/05.0JDLSB-A.S1). Pelo que, não faz qualquer sentido chamar à colação os conhecimentos fortuitos, pois a investigação surge relativamente ao crime de frustração de créditos, não se tomou conhecimento desse crime já após iniciado inquérito relativamente a qualquer outro crime.
t) A sentença “a quo” mostra-se também ferida de nulidade por considerar enquanto elemento probatório extratos bancários da H, Lda., que não é arguida nos autos, conforme demonstrado nos artigos 56.º a 61.º das Alegações, pois, não estando verificada nenhuma das normas excecionais em que se admite a quebra do dever de sigilo, verifica-se, à semelhança do que sucedeu com a conta bancária da arguida A, violação do dever de sigilo, e consequente, violação do direito ao segredo à reserva da vida privada. Corporizando, portanto, prova de valoração proibida e, por conseguinte, nula...
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