Acórdão nº 16126/17.9T8SNT.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 05-02-2019
Data de Julgamento | 05 Fevereiro 2019 |
Número Acordão | 16126/17.9T8SNT.L1-7 |
Ano | 2019 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO:
I - S.A.R.L, intentou a presente ação de prestação de contas contra JJ e CS, Lda., alegando, em suma, que é uma sociedade de direito luxemburguês, que tem como atividade a prestação de serviços de consultadoria, assessoria técnica e formação de agentes desportivos.
Por sua vez, o 1.º réu era, à data dos factos, presidente do clube de futebol profissional cabo-verdiano denominado “BFC”.
Era também, desde 2008, agente desportivo inscrito na F.I.F.A., representando jogadores em processos de transferências entre clubes.
Por sua vez, a 2.ª ré é uma sociedade por quotas que tem por objeto a compra e venda de materiais de construção.
No início do mês de janeiro de 2010, o 1º réu, juntamente com JC, também agente F.I.F.A., propuseram à autora uma parceria desportiva, com a finalidade da entrada desta no mundo dos negócios propiciados pelo futebol.
Para a prossecução e desenvolvimento da referida parceria, o 1.º réu propôs à autora a candidatura a um concurso público lançado pelo Ministério da Juventude e do Desporto de CV..., que tinha por objetivo dinamizar e generalizar a atividade física desportiva naquele país, através da formação de futuros “homens-atletas”, sendo que, à candidatura vencedora, seria atribuído um fundo (subsídio) anual de USD 2.200.000, durante dois anos.
Para dar credibilidade a tal iniciativa, foi entregue à autora uma missiva alegadamente remetida pelo “Ministério da Juventude e dos Desportos – República de CV...”, dirigida ao 1.º réu, na qualidade de presidente do “BFC”.
Com o mesmo intuito, foi-lhe entregue uma missiva dirigida ao 1.º réu, na referida qualidade, pela Federação CV... de Futebol.
Após algumas insistências e contactos, a autora aceitou a proposta da dita parceria e, consequentemente, candidatar-se ao concurso que lhe tinha sido anunciado.
Assim, e tendo em vista a prossecução e implementação do aludido projeto desportivo, «mandatou o 1.º réu, dando-lhe poderes para, em seu nome e representação, encetar contactos e negociações com toda e qualquer organização e organismo em CV..., no sentido de formalizar a aludida candidatura.
No entanto, ficou o 1.º réu obrigado, conforme acordado com a autora, a não celebrar nenhum contrato sem o conhecimento desta, enviando-lge seguidamente cópia daqueles que tivessem sido outorgados.
Mais ficou acordado que o 1.º réu deveria imediatamente prestar contas das quantias pagas e/ou recebidas no âmbito dos negócios realizados»[1].
Foi neste contexto que o 1.º réu elaborou uma carta conjunta dirigida ao Ministério da Juventude e dos Desportos de CV..., a formalizar a candidatura da autora àquele concurso.
Em outubro de 2013, o 1.º réu, através de um terceiro, conhecido comum, enviou à autora mais duas missivas de uma suposta responsável daquele Ministério, informando-a que a candidatura conjunta, apresentada por si e pelo “BFC”, representado pelo 1.º réu, tinha ganho aquele concurso, e que, por isso, seria necessário proceder ao pagamento da quantia de $USD 120.000,00 a título de caução, cuja devolução seria efetuada depois de formalizados todos os trâmites legais, sob pena de referida verba de USD 2.200.000,00 anuais não lhes ser disponibilizada.
Nessa ocasião:
- foi indicada a conta bancária para a qual a autora deveria transferir a referida quantia de USD 120.000,00;
- a autora foi também informada que o subsidio de USD 2.200.000,00, atribuído a candidatura vencedora, já se encontrava disponível no “FHB”, de HONOLULU, e que aquele valor seria pago em duas tranches iguais, uma logo após a efetivação do deposito/caução, no valor de USD 120.000,00, e outra até 15 de dezembro de 2010.
No dia 3 de novembro de 2010, a autora, convencida da credibilidade da candidatura realizada, seguindo as instruções do 1.º réu, procedeu à transferência da quantia de USD 120.000,00 para a conta n.º 0000, do BANCO, titulada pela 2.ª ré.
Sucede que, a autora veio a descobrir que não obstante ter procedido à transferência da quantia de USD 120.000,00, nos termos acabados de referir, a primeira tranche do subsidio/fundo (no valor de USD 1.100.000,00$) não foi disponibilizada no prazo de 5 dias, nem em qualquer outra ocasião, o mesmo tendo sucedido relativamente à segunda tranche, no mesmo valor.
A partir daquela mesma data a autora não mais conseguiu estabelecer contacto com o 1.º réu, o qual, assim, não lhe prestou qualquer informação, fosse a que título fosse, nem lhe devolveu a quantia de USD 120.000,00.
Perante tal situação, a autora desenvolveu diligências com vista a aferir da veracidade formal e material das missivas alegadamente emitidas pelo Ministério da Juventude e dos Desportos e pela Federação CV... de Futebol, na sequência do que ficou a saber que aquelas entidades não emitiram qualquer missiva, e que foi ludibriado pelo 1.º réu, que utilizou a referida quantia de USD 120.000,00 em seu proveito próprio, ou seja, para pagamento de uma dívida que teria contraído junto da 2.ª ré, a qual recebeu tal montante na sua conta bancária por indicação daquele.
A 2.ª ré, dadas as suas relações e influência em CV..., estava incumbida de agilizar o recebimento daquele subsídio, «tendo sido acordado entre todos que os RÉUS atuariam de forma conjunta e concertada tendo em vista os indicados fins.
A autora ficou sem os referidos USD 120.000,00 e ignora o destino dado aos mesmos.»
Por isso, entende a autora que ambos os réus devem «prestar contas no sentido de informar qual o destino dado a tal quantia.
Daí que a AUTORA tenha direito de exigir a ambos os RÉUS a prestação e contas em juízo.»
A autora conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos e nos demais de direito,
Deve a presente acção ser recebida e, em consequência, citados os réus para, no prazo legal, apresentarem as contas, sob a forma de conta corrente, com especificação das receitas e despesas, menção do respectivo saldo, e sempre com junção dos competentes documentos justificativos, relativamente a transferência bancária aludida no artº 32 do presente articulado, bem como serem condenados solidariamente a pagar à autora a quantia que resultar do julgamento das contas, tudo com as demais consequências legais».
*
Ambos os réus contestaram, defendendo-se:
- o 1.º réu, por impugnação;
- a 2.ª ré, por exceção e por impugnação.
*
O juiz a quo, ex officio, e após cumprimento do disposto no art. 3.º, n.º 3, do C.P.C., por despacho de fls. 125-127, datado de 19 de junho de 2018, julgou verificada a exceção dilatória consistente na nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, com fundamento na contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Afirma-se nesse despacho, depois de, sumariamente, se descrever o alegado pela autora na petição inicial:
«Feita esta sumula da alegação que sustenta a causa de pedir, como questão prévia, dir-se-á que se afigura difícil conceber a prestação de contas de uma caução, tendo presente que, por lado, a prestação de contas tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios (artigo 941.º do CPC) e, por outro lado, a caução destina-se sempre a servir como garantia de algo (a sua prestação em numerário não gera receitas e nem despesas).
Acresce que, da exposição supra extrai-se que a causa de pedir assenta num alegado ilícito, consubstanciado na criação de uma encenação com vista a obter da autora a quantia de USD 120.000,00 (alegadamente a título de caução a prestar num concurso público), perpetrada pelo 1º réu e...
I – RELATÓRIO:
I - S.A.R.L, intentou a presente ação de prestação de contas contra JJ e CS, Lda., alegando, em suma, que é uma sociedade de direito luxemburguês, que tem como atividade a prestação de serviços de consultadoria, assessoria técnica e formação de agentes desportivos.
Por sua vez, o 1.º réu era, à data dos factos, presidente do clube de futebol profissional cabo-verdiano denominado “BFC”.
Era também, desde 2008, agente desportivo inscrito na F.I.F.A., representando jogadores em processos de transferências entre clubes.
Por sua vez, a 2.ª ré é uma sociedade por quotas que tem por objeto a compra e venda de materiais de construção.
No início do mês de janeiro de 2010, o 1º réu, juntamente com JC, também agente F.I.F.A., propuseram à autora uma parceria desportiva, com a finalidade da entrada desta no mundo dos negócios propiciados pelo futebol.
Para a prossecução e desenvolvimento da referida parceria, o 1.º réu propôs à autora a candidatura a um concurso público lançado pelo Ministério da Juventude e do Desporto de CV..., que tinha por objetivo dinamizar e generalizar a atividade física desportiva naquele país, através da formação de futuros “homens-atletas”, sendo que, à candidatura vencedora, seria atribuído um fundo (subsídio) anual de USD 2.200.000, durante dois anos.
Para dar credibilidade a tal iniciativa, foi entregue à autora uma missiva alegadamente remetida pelo “Ministério da Juventude e dos Desportos – República de CV...”, dirigida ao 1.º réu, na qualidade de presidente do “BFC”.
Com o mesmo intuito, foi-lhe entregue uma missiva dirigida ao 1.º réu, na referida qualidade, pela Federação CV... de Futebol.
Após algumas insistências e contactos, a autora aceitou a proposta da dita parceria e, consequentemente, candidatar-se ao concurso que lhe tinha sido anunciado.
Assim, e tendo em vista a prossecução e implementação do aludido projeto desportivo, «mandatou o 1.º réu, dando-lhe poderes para, em seu nome e representação, encetar contactos e negociações com toda e qualquer organização e organismo em CV..., no sentido de formalizar a aludida candidatura.
No entanto, ficou o 1.º réu obrigado, conforme acordado com a autora, a não celebrar nenhum contrato sem o conhecimento desta, enviando-lge seguidamente cópia daqueles que tivessem sido outorgados.
Mais ficou acordado que o 1.º réu deveria imediatamente prestar contas das quantias pagas e/ou recebidas no âmbito dos negócios realizados»[1].
Foi neste contexto que o 1.º réu elaborou uma carta conjunta dirigida ao Ministério da Juventude e dos Desportos de CV..., a formalizar a candidatura da autora àquele concurso.
Em outubro de 2013, o 1.º réu, através de um terceiro, conhecido comum, enviou à autora mais duas missivas de uma suposta responsável daquele Ministério, informando-a que a candidatura conjunta, apresentada por si e pelo “BFC”, representado pelo 1.º réu, tinha ganho aquele concurso, e que, por isso, seria necessário proceder ao pagamento da quantia de $USD 120.000,00 a título de caução, cuja devolução seria efetuada depois de formalizados todos os trâmites legais, sob pena de referida verba de USD 2.200.000,00 anuais não lhes ser disponibilizada.
Nessa ocasião:
- foi indicada a conta bancária para a qual a autora deveria transferir a referida quantia de USD 120.000,00;
- a autora foi também informada que o subsidio de USD 2.200.000,00, atribuído a candidatura vencedora, já se encontrava disponível no “FHB”, de HONOLULU, e que aquele valor seria pago em duas tranches iguais, uma logo após a efetivação do deposito/caução, no valor de USD 120.000,00, e outra até 15 de dezembro de 2010.
No dia 3 de novembro de 2010, a autora, convencida da credibilidade da candidatura realizada, seguindo as instruções do 1.º réu, procedeu à transferência da quantia de USD 120.000,00 para a conta n.º 0000, do BANCO, titulada pela 2.ª ré.
Sucede que, a autora veio a descobrir que não obstante ter procedido à transferência da quantia de USD 120.000,00, nos termos acabados de referir, a primeira tranche do subsidio/fundo (no valor de USD 1.100.000,00$) não foi disponibilizada no prazo de 5 dias, nem em qualquer outra ocasião, o mesmo tendo sucedido relativamente à segunda tranche, no mesmo valor.
A partir daquela mesma data a autora não mais conseguiu estabelecer contacto com o 1.º réu, o qual, assim, não lhe prestou qualquer informação, fosse a que título fosse, nem lhe devolveu a quantia de USD 120.000,00.
Perante tal situação, a autora desenvolveu diligências com vista a aferir da veracidade formal e material das missivas alegadamente emitidas pelo Ministério da Juventude e dos Desportos e pela Federação CV... de Futebol, na sequência do que ficou a saber que aquelas entidades não emitiram qualquer missiva, e que foi ludibriado pelo 1.º réu, que utilizou a referida quantia de USD 120.000,00 em seu proveito próprio, ou seja, para pagamento de uma dívida que teria contraído junto da 2.ª ré, a qual recebeu tal montante na sua conta bancária por indicação daquele.
A 2.ª ré, dadas as suas relações e influência em CV..., estava incumbida de agilizar o recebimento daquele subsídio, «tendo sido acordado entre todos que os RÉUS atuariam de forma conjunta e concertada tendo em vista os indicados fins.
A autora ficou sem os referidos USD 120.000,00 e ignora o destino dado aos mesmos.»
Por isso, entende a autora que ambos os réus devem «prestar contas no sentido de informar qual o destino dado a tal quantia.
Daí que a AUTORA tenha direito de exigir a ambos os RÉUS a prestação e contas em juízo.»
A autora conclui assim a petição inicial:
«Nestes termos e nos demais de direito,
Deve a presente acção ser recebida e, em consequência, citados os réus para, no prazo legal, apresentarem as contas, sob a forma de conta corrente, com especificação das receitas e despesas, menção do respectivo saldo, e sempre com junção dos competentes documentos justificativos, relativamente a transferência bancária aludida no artº 32 do presente articulado, bem como serem condenados solidariamente a pagar à autora a quantia que resultar do julgamento das contas, tudo com as demais consequências legais».
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Ambos os réus contestaram, defendendo-se:
- o 1.º réu, por impugnação;
- a 2.ª ré, por exceção e por impugnação.
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O juiz a quo, ex officio, e após cumprimento do disposto no art. 3.º, n.º 3, do C.P.C., por despacho de fls. 125-127, datado de 19 de junho de 2018, julgou verificada a exceção dilatória consistente na nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial, com fundamento na contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Afirma-se nesse despacho, depois de, sumariamente, se descrever o alegado pela autora na petição inicial:
«Feita esta sumula da alegação que sustenta a causa de pedir, como questão prévia, dir-se-á que se afigura difícil conceber a prestação de contas de uma caução, tendo presente que, por lado, a prestação de contas tem por objeto o apuramento e aprovação das receitas obtidas e das despesas realizadas por quem administra bens alheios (artigo 941.º do CPC) e, por outro lado, a caução destina-se sempre a servir como garantia de algo (a sua prestação em numerário não gera receitas e nem despesas).
Acresce que, da exposição supra extrai-se que a causa de pedir assenta num alegado ilícito, consubstanciado na criação de uma encenação com vista a obter da autora a quantia de USD 120.000,00 (alegadamente a título de caução a prestar num concurso público), perpetrada pelo 1º réu e...
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