Acórdão nº 161/17.0T8MDL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-12-2017

Data de Julgamento18 Dezembro 2017
Número Acordão161/17.0T8MDL.G1
Ano2017
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I- RELATÓRIO.

Recorrente: Miguel
Recorridos: José e mulher, Maria.
*
José, e mulher Maria instauraram o presente procedimento cautelar de ratificação de embargo extrajudicial de obra nova contra Miguel, pedindo que se:

a- decrete a ratificação do embargo extrajudicial de obra nova efetuado pelo requerente em 07/04/2017;
b- decrete a inversão do contencioso, com dispensa do ónus da propositura da ação principal;
c- condene o requerido a proceder à demolição da obra e à colocação do solo do prédio no exato estado em que se encontrava antes do início da obra.

Para tanto alegam, em síntese, serem donos do prédio sito no Lugar H., freguesia e concelho de Mirandela, constituído por terra composta por olival com arrumos agrícolas, com a área de 5.280 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o art. 1504 e descrito na Conservatória do Registo Predial desse concelho sob o n.º ..., e com aquisição aí inscrita a favor dos requerentes pela ap. n.º 510, de 2017/03/27;
Os requerentes adquiriram aquele prédio por compra a M. P., por escritura de 16/03/2017, prédio esse que tinha sido doado verbalmente, em 1993, à identificada M. P. e marido por M. A.;
Por si e antepossuidores, os requerentes, há mais de 25 anos que têm retido e fruído aquele prédio, à vista de toda a gente e com o conhecimento da generalidade dos vizinhos, inclusive do requerido, e sem oposição de ninguém, convencidos que exerciam direito próprio e ignorando que lesavam direito alheio;
Esse prédio tem a configuração que se encontra delineada a cor vermelha no levantamento topográfico de fls. 23;
Em 07/04/2007, quando se deslocou a esse prédio, o requerente-marido constatou que o requerido entrou, por arrombamento, no mesmo, tendo para o efeito fraturado a fechadura do portão da entrada, portão esse que, mais tarde, retirou do local;
Nesse dia, o requerido fraturou também as fechaduras da edificação existente no prédio e substituiu-as por outras e ocupou a entrada do mesmo com um veículo automóvel;
O requerido procedeu à abertura de uma vala que atravessa o prédio, em toda a sua extensão nascente/poente;
Nesse dia, pelas 14h30m, o requerente-marido procedeu ao embargo extrajudicial daquela obra na pessoa do requerido, comunicando-lhe que devia parar imediatamente com a mesma;
Acontece que o requerido continuou a obra, tendo já descarregado, no local, blocos de cimento e outros materiais destinados a edificar um muro em toda a extensão da vala, como aquele deixou dito.

O requerido deduziu oposição invocando a exceção dilatória da ilegitimidade passiva, sustentando que o prédio onde estava a ser construída a vala é propriedade de “W., S.A.”, que o adquiriu, por compra, celebrada por escritura pública ao requerido e sua mulher, Fátima, encontrando-se esse prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ..., onde aí se encontra inscrito em nome daquela sociedade pela ap. 3138, de 12/04/2016;
Mais sustenta que existindo dois registos sobre o mesmo prédio ou prédios coincidentes, prevalece o direito de propriedade inscrito no registo em primeiro lugar;
Conclui que dado não ser proprietário do prédio em causa, não tem interesse direto em contradizer;

Impugnou parte da factualidade aduzida pelos requerentes.

Conclui que por via da procedência da exceção dilatória da ilegitimidade passiva se absolva aquele dos pedidos (sublinhado nosso).
Subsidiariamente, que se indefira os pedidos.

Notificados os requerentes para, querendo, responderem à exceção invocada, aqueles fizeram-no, concluindo pela improcedência da enunciada exceção dilatória.

Realizada audiência final, foi proferida sentença, julgando o presente procedimento cautelar procedente, mas indeferindo-se a requerida inversão do contencioso, constando aquela sentença da seguinte parte dispositiva:

1- decretar a presente providência cautelar de embargo judicial de obra nova;
2- em consequência, ratificar judicialmente o embargo extrajudicial realizado pelo Requerente José , no dia 7 de Abril de 2017, relativo às obras que se encontram a decorrer no prédio inscrito na matriz predial rústica da freguesia de Mirandela, sob o artigo 1504, o prédio constituído por terra composta por olival com arrumos agrícolas, com área de 5.280,00 m2, sito no Lugar H., freguesia e concelho de Mirandela, a confrontar a norte com M. A., sul e poente com Prédios Urbanos e nascente Rua H. ordenadas pelo Requerido Miguel, decretando-se a suspensão das obras que não estejam concluídas, na parte em que ocupa a extensão do prédio dos Requerentes conforme levantamento topográfico junto a fls. 23,
3- condena-se o Requerido a proceder à demolição da obra e à colocação do solo do prédio no exacto estado em que se encontrava antes do início da obra, nomeadamente destruindo o muro entretanto construído.
4- Indeferir a inversão do contencioso decidindo-se não dispensar os Requerentes do ónus de propositura da acção principal, nos termos do disposto no artº 369º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Inconformado com o assim decido, veio o recorrente interpor recurso daquela sentença, tendo apresentado as seguintes conclusões:

I- O Recorrente é parte ilegítima nos autos do procedimento cautelar de ratificação de embargo de obra nova, porquanto o prédio onde foi construída a vala não é propriedade dos Recorridos, encontrando-se inscrito na matriz predial rústica da Freguesia de Mirandela sob o artigo 1474 e descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial e de Automóveis sob numero ..., da referida freguesia e registado pela Ap. 3138, de 12.04.2016, a favor da sociedade “W., S.A.”, sendo esta a dona da obra e não o Recorrente.
II- O identificado prédio encontra-se autonomizado fisicamente e materialmente do prédio identificado no n.º 1º dos factos indiciariamente provados, pelo menos, desde 13.01.2012, mediante adequado levantamento topográfico e procedimento de justificação notarial que instruiu o registo da aquisição do direito de propriedade, por usucapião, efetuado pelo Recorrente e sua mulher Fátima naquela data, mais de cinco anos antes, portanto, do registo da aquisição do imóvel, por usucapião e compra e venda, feita pela M. P. aos Recorridos.
III- Pelo que não podia o Tribunal “a quo” ter decidido como decidiu, julgando improcedente a exceção de ilegitimidade passiva e, em consequência, ter mandado prosseguir a presente ação contra o Recorrente, na medida em que este não é proprietário do terreno e, consequentemente, não é dono da obra.
IV- Ademais, a entender-se que o Recorrente é parte legítima nos presentes autos, o Tribunal “a quo”, por aplicação do princípio da adequação formal e do dever de gestão processual (cf. art. 6.º e 547.º do C.P.C.), devia ter convidado os Recorridos a suscitar a intervenção no procedimento cautelar da sociedade comercial “W., S.A”, enquanto titular do direito de propriedade decorrente do registo e o cônjuge do Recorrente Fátima, na medida em que, tendo sido proprietária e alienante do bem, ambos são titulares de um interesse juridicamente relevante.
V- Só a intervenção simultânea do Recorrente, da sua mulher e da sociedade comercial “W., S.A” na providência cautelar e na ação que se lhe seguir, assegurará que a decisão produza o seu efeito útil normal.
VI- Estamos, assim, perante um litisconsórcio necessário passivo, cuja preterição constitui exceção dilatória, de conhecimento oficioso, que tem como consequência a absolvição do Recorrente da instância.
VII- Ao preterir o litisconsórcio necessário passivo, o Tribunal “a quo” violou o disposto nos artigos 30.º n.ºs 1 e 2, 34.º, n.ºs 1 e 3 e 33.º, n.º 2, todos do C.P.C.
VIII- O Tribunal “a quo” não se pronunciou quanto à matéria alegada pelo Recorrente, designadamente nos artigos 6.º a 10.º da contestação, cuja prova foi feita por documento autêntico (cf. docs. n.ºs 1 a 4 juntos com a contestação e certidão de fls. 56 a 58 dos autos), ou seja, quanto ao direito de propriedade do terreno onde estava a ser construída a vala e posteriormente o muro, cuja prova foi feita por documentos autênticos, desrespeitando assim a força probatória plena dos referidos documentos.
IX- Se o Tribunal “a quo” se tivesse pronunciado quanto ao registo de aquisição da propriedade, por usucapião, efetuado a favor do Recorrente em 13.01.2012 e o registo da aquisição, por compra e venda, efetuado em 12.04.2016, a favor da sociedade comercial “W., S.A”, teria concluído pela existência de dois registos anteriores ao dos Recorridos (27.03.2017) que, em termos de prevalência e prioridade, não podiam ser afetados por um registo posterior e, consequentemente, teria concluído que a vala e o muro estavam a ser construídos em terrenos não pertencentes aos Recorridos.
X- Ao não se pronunciar sobre factos trazidos ao processo pelo Recorrente, sobre os quais devia ter-se pronunciado, Tribunal “a quo” decidiu em sentido contrário àquele que devia ter decidido, em violação do disposto nos n.ºs 4 e 5 do art.º 607.º do C.P.C., porquanto, a análise dos referidos documentos impunha o reconhecimento do direito de propriedade sobre o imóvel da sociedade “W., S.A.”, conforme reconhece a sentença recorrida na parte em que se escreveu quenão resultou prova suficiente para que Tribunal de forma segura possa tomar desde já uma posição quando à titularidade do prédio em causa nos autos”, mas apenas valoriza para efeitos do indeferimento do pedido de inversão do contencioso.
XI- Deste modo, o embargo extrajudicial de obra nova não teria sido ratificado por não estarem verificados os pressupostos legais para o seu decretamento, nos termos do disposto no art.º 1305.º do Código Civil, na medida em que a vala e o muro não foram construídos na propriedade dos Recorridos, não se verificando, consequentemente, a violação de um direito ou perigo de violação do seu direito de propriedade.
XII- A sentença recorrida...

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