Acórdão nº 161/05.2TBVLG.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-09-2009

Data de Julgamento22 Setembro 2009
Case OutcomeNEGADA REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão161/05.2TBVLG.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

AA e sua mulher BB intentaram acção, com processo ordinário, contra “P... Q..., P..., C..., L... C..., Limitada e CC e sua mulher DD, pedindo a sua condenação a encerrarem o estabelecimento “L... C...” enquanto não se conformasse com as exigências legais; desactivassem todo o sistema de fabrico, venda de pão e toda a refrigeração; a indemniza-los, desde o início da laboração – 7/12/2002 – e até ao encerramento, pelos danos não patrimoniais, em quantia a liquidar em fase executiva.

Só a 1.ª Ré contestou excepcionando a sua ilegitimidade, e impugnando os factos, além de, em reconvenção, pedir o reconhecimento da legalidade da sua actividade industrial.

No Círculo Judicial de Gondomar a acção foi julgada parcialmente procedente e a 1.ª Ré condenada a abster-se da prática de actos causadores de ruídos e vibrações e a indemnizar os Autores em quantia ilíquida.

Os últimos Réus foram absolvidos dos pedidos.

A 1.ª Ré apelou para a Relação do Porto que julgou o recurso parcialmente procedente e só condenou a Ré a abster-se de utilizar o sistema de fabrico de pão – incluindo os fornos – de refrigeração e arcas que causem ruídos perturbadores do descanso dos Autores. No mais manteve a sentença apelada.

A Ré pede revista assim concluindo as suas alegações:

- As condenações da Recorrente assentam no alegado facto, julgado provado, dela exercer a actividade de fabrico de pão no rés-do-chão do prédio identificado na petição a qual produz ruídos e vibrações na fracção dos Recorridos, situada no mesmo prédio e no piso imediatamente acima daquele rés-do-chão, e, consequentemente, causar incómodos e desassossego às pessoas que habitam esta última fracção.
- Provou-se, contudo, em audiência de discussão e julgamento que a Recorrente, muito antes desta audiência, já tinha desactivado o referido fabrico de pão e até o fabrico de outros bens.
- O modo como os factos foram julgados provados na douta sentença e no douto acórdão recorridos revela que as instâncias julgaram os factos como se aqueles fabricos não tivessem sido desactivados. Ora, a desactivação destes fabricos implicava alterações aos factos julgados provados no despacho saneador – alíneas F, H, I, J da matéria assente –, porque a fonte produtora desses fenómenos tinha sido eliminada.
- Por seu lado, os factos julgados provados em audiência de discussão e julgamento – quesitos 1º a 10º, inclusive, 12.º a 15.º, inclusive, e 21.º, 22.º e 29.º da base instrutória –, também foram julgados como se o fabrico se mantivesse. E no que respeita ao apuramento da existência de ruídos e vibrações, bem como às consequências, anteriores e actuais, psicossomáticas sobre as pessoas residentes na fracção dos Recorridos, essa prova foi feita através de testemunhas.
- Ora, a prova da situação concreta e actual, no que respeita à provocação de ruídos e vibrações no estabelecimento da Recorrente e (eventualmente) propagáveis à fracção dos Recorridos, deveria ser feita em audiência de julgamento, através de prova pericial a oferecer pelos Recorridos ou requisitada pelo Tribunal, pela qual fosse feita a medição dos ruídos e vibrações eventualmente remanescentes, afim de se determinar se esses eventuais ruídos e vibrações estavam ou não dentro dos parâmetros permitidos por lei, pois essa prova não pode ser feita por testemunhas nem por exame directo do Tribunal (por inspecção).
- Por seu lado, a prova dos danos psicossomáticos alegados pelos Recorridos também deveria ser feita por peritos da especialidade, e não apenas por prova testemunhal, porque nem as testemunhas nem o Tribunal têm conhecimentos para apurar a existência e a causa desses eventuais danos.
- Os meios de prova produzidos não são pois idóneos para se determinar com segurança se a actividade da Recorrida violava ou viola normas de protecção de interesses dos Recorridos, nem para determinar se estes sofreram danos psicossomáticos e, caso os tenham sofrido, se foram causados pela actividade da Recorrente.
- Nesta medida, o douto acórdão recorrido violou o disposto nos art.ºs 342.º, 1, 388.º e 390.º do CC e art.ºs 663.º, 668.º, 1, b) e 712.º, 2 e 3 do CPC, devendo ser anulado com base no disposto nos art.ºs 721.º, 2 e 722.º, 2 do CPC.
- Por outro lado, as doutas decisões recorridas são nulas porque não especificam as normas legais em que se fundam, visto que o disposto nos invocados art.ºs 483.º, 494.º e 496.º do CC, em si, não proíbem a actividade de fabrico de pão que a Recorrente exercia, que é uma actividade legal. A actividade concreta que a Recorrente exercia só podia ser proibida, nesse específico local, se violasse normas “qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios”, “in casu” dos Recorridos (art.º 483.º, 1 do CC).
- Ora as decisões recorridas não indicam tal norma nem modo como ela foi, ou ainda é, violada.
- Desta omissão decorre a nulidade das decisões recorridas, por força do disposto nos art.ºs 668.º, 1, b) e 721.º, 2 do CPC.
- Se assim se não entender, sempre essas decisões deverão ser revogadas por falta de fundamento legal.

Não foram oferecidas contra-alegações.

As instâncias deram por assentes os seguintes factos:

A) Os AA. são donos da fracção autónoma – estão na sua posse, habitam-no, pernoitam, tomam as suas refeições, recebem os seus amigos e a correspondência – designada pela letra “F”, habitação tipo T2, ao nível do lº andar esquerdo, sita na Rua ..., nº ..., com a área total de 138,28 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Valongo nº ...; fracção que adquiriram a J... & A... I..., Lda., por escritura de compra e venda, em Agosto de 2002; e cuja inscrição de propriedade está feita a seu favor na Conservatória competente pela inscrição G-1 (alínea A, B, C e D da matéria de facto provada).
B) A R. é cessionária da exploração do estabelecimento vocacionado para a indústria hoteleira sito ao nível do R/C, piso 2, voltado para a R. .... o, com acesso pelo nº ..., destinado a padaria, pão quente com fabrico próprio e denominado “L... C...” (alínea E da matéria de facto provada).
C) Os equipamentos de refrigeração e arcas e de fabrico de pão e pastelaria (amassadeira, batedeira e fornos) existentes no referido estabelecimento à data da PI produzem ruídos, sendo certo que, à data da realização de audiência de julgamento, em 15/10/2007, tais ruídos haviam diminuído em virtude da R. já haver retirado do estabelecimento a amassadeira e a batedeira (resposta ao quesito 1º da base instrutória).
D) Que se propagam para o interior da habitação dos AA. (resposta ao quesito 3° da base instrutória).
E) Tais ruídos são audíveis na fracção dos AA. (resposta ao quesito 4º da base instrutória).
F) Por vezes os equipamentos mantêm-se em laboração dia e noite (resposta ao quesito 5º da base instrutória).
G) Durante a noite, os ruídos tornam-se mais difíceis de suportar (resposta ao quesito 6º da base instrutória).
H) Os factos supra referidos verificaram-se desde Dezembro de 2002, tendo diminuído quando a R. retirou do estabelecimento a amassadeira e a batedeira. (resposta ao quesito 7º da base instrutória).
I) Por vezes o fabrico de pão e bolos funciona durante a noite. (resposta ao quesito 8º da base instrutória).
J) Os ruídos produzidos impedem os AA. e os seus filhos de descansarem convenientemente. (resposta ao quesito 9º da base instrutória).
L) A A. mulher encontra-se cada vez mais ansiosa e nervosa (resposta ao quesito 10º da base instrutória).
M) A A ficou de baixa durante os últimos três meses de gravidez. (resposta ao quesito 12º da base instrutória).
N) A 19 de Maio de 2004, a A. mulher deu à luz o seu filho (resposta ao quesito 13º da base instrutória).
O) Com 38 semanas (resposta ao quesito 14º da base instrutória).
P) A A. mulher encontra-se a amamentar (resposta ao quesito 15º da base instrutória).
Q) A A. tinha, quando trabalhou, um horário de trabalho compreendido entre as 7h e as 15h. (resposta ao quesito 21º da base instrutória).
R) A A. tinha noites em que não conseguia descansar. (resposta, ao quesito 22º da base instrutória)
S) O filho mais velho dos AA. acordava de noite com os ruídos. (resposta ao quesito 29º da base instrutória)
T) De um estudo realizado pela Direcção Regional do Ambiente e do Ordenamento do Território Norte, nos dias 17 e 20 de Julho de 2003, resultou que a incomodidade sonora proveniente do estabelecimento é de 9,8 db entre as 22.00 e as 7.00h (alínea F da matéria de facto provada).
U) A R. a partir do dia 13/08/03 encerrou o estabelecimento comercial para realização de obras de melhoramento e isolamento sonoro, tendo reaberto novamente o estabelecimento em 13/09/03 (alínea G da, matéria de facto provada).
V) Em 27 e 28 de Setembro de 2003, foi realizado um novo estudo de ruído ambiente pela empresa L... – L... de...

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