Acórdão nº 16021/19.7T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-09-2020
Data de Julgamento | 24 Setembro 2020 |
Número Acordão | 16021/19.7T8PRT.P1 |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Acompanhamento de Maior-16021/19.7T8PRT.P1
………………………………
………………………………
………………………………
I. Relatório
No presente processo especial de acompanhamento de maior em que figuram como:
- REQUERENTE: B…, casada, residente na Rua …, n.º …, 1.º Direito, ….-…, Matosinhos; e
- REQUERIDA: C…, viúva, residente na Rua …, n.º …, 1.º Direito, ….-…, Porto
formulou a requerente o seguinte pedido:
-“I) MEDIANTE O SUPRIMENTO DA AUTORIZAÇÃO DA REQUERIDA, DECRETAR O ACOMPANHAMENTO DA MESMA E DEFINIR AS MEDIDAS DE ACOMPANHAMENTO ADEQUADAS;
II) DESIGNAR O NETO DESTA, D…, RESIDENTE NA RUA …, N.º …, 1.º DIREITO, ….-…, MATOSINHOS COMO SEU ACOMPANHANTE;
III) DESIGNAR A REQUERENTE E E…, AMBAS ACIMA MELHOR IDENTIFICADAS, COMO MEMBROS DO CONSELHO DE FAMÍLIA.”
Alegou para o efeito e em síntese que a requerida que é sua mãe, pela sua idade (79 anos), doença (doença de Parkinson) e circunstâncias em que se encontra (a residir com outra filha que alegadamente a pressiona a afastar da requerente e família) “não determina a sua vontade nem tem autonomia para requerer ela própria, de forma livre e consciente, o seu acompanhamento, nem a Requerente tem possibilidade de obter a sua autorização por lhe estar vedado o acesso normal e regular à sua Mãe”, pelo que entende que deveria ser suprida a autorização da requerida e determinado o seu acompanhamento.
Alegou para o efeito e em síntese, que não se encontra em estado de fragilidade, nem sequer com o pensamento comprometido, não carecendo de proteção pois encontra-se nas suas plenas faculdades e capaz de exercer os seus direitos e de cuidar dos seus bens de modo consciente e livre pelo que não se encontrando verificados os pressupostos para o suprimento da autorização, exigidos no artigo 141.º do CC deverá ser absolvida da instância.
Impugnou de forma motivada os factos da petição.
Em outra mensagem, a irmã da Requerente, após ter levado a mãe a uma consulta no Hospital …, referiu que “o médico falou em demência”.
Foi a Requerente quem levou pela primeira vez a Requerida ao médico referido no artigo 3.º da Contestação, sendo que, nessa primeira consulta, que ocorreu por altura do Carnaval …, a Requerida não se conseguia lembrar dos nomes dos netos.
Foram receitados à Requerida diversos ansiolíticos e antidepressivos — Valium, Victan, Lorenin e Triticum — para serem tomados diariamente.
A Requerida, enquanto casada, nunca foi habituada a tomar decisões, submetendo-se sempre à sua vontade do marido, que tudo geria e dirigia. Agora viúva, a sua atitude é naturalmente a de se submeter a quem vê como o “dono da casa” onde se encontra.
A Requerida está neste momento e desde há meses impedida de receber visitas da Requerente e dos filhos desta, considerando por isso que a única forma de se poder avaliar se a situação da Requerida lhe permitiria dar autorização, livre e conscientemente, para o acompanhamento, e se se verificam os pressupostos para o seu suprimento judicial, será através da audição pessoal desta, prevista nos artigos 897.º, n.º2, e 898.º do Código de Processo Civil.
Termina por requerer a audição pessoal e direta da Requerida, a realizar no Tribunal, para efeitos de suprimento judicial da autorização.
Mais refere que a Requerida não deu o seu consentimento e, consequentemente, a Requerente não tinha, como não tem, legitimidade para instaurar a ação, independentemente do consentimento da Requerida. Constituindo a autorização do acompanhando um dos requisitos da legitimidade da Requerente (artigo 141º nº 1 do CC), a sua falta leva à ilegitimidade da parte, configurando a exceção dilatória a que alude o artigo 577º, alínea e) do CPC, a qual obsta o Tribunal ao conhecimento do mérito da causa, (artigo 576.º, n.º 2 do CPC) impossibilitando o prosseguimento da ação, sob pena de se submeter a aqui Requerida, contra a sua vontade, aos efeitos de uma decisão judicial, seja ela qual for – de procedência ou improcedência – decorrentes de um processo cuja existência não admite.
Considerou, ainda, que não se mostrando suprida a ilegitimidade da requerente impõe-se a extinção dos autos ao abrigo do disposto no artigo 277.º, e) do CPC.
“Cumpre, pois, decidir importando, desde já, esclarecer que nenhuma outra diligência processual cumpre realizar, sendo que os autos contém já os elementos necessários para a decisão da questão do suprimento do consentimento”.
[…]
“Resulta assim inequívoco que não estavam – como não estão atualmente – preenchidos os pressupostos para o suprimento de autorização do beneficiário, pelo que carecendo a requerente B… de legitimidade para intentar a presente ação se decide absolver a requerida C… da instância, art, 278.º, n.º 1, alínea e), conjugado com os art.s 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º, aplicáveis ex vi do artigo 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Custas a cargo da requerente.
Valor da ação: €30.000,01”.
………………………………
………………………………
………………………………
Termina por pedir que se julgue procedente o recurso e, consequentemente, se anule a sentença recorrida, ordenando-se o...
*
*
SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):*
………………………………
………………………………
………………………………
---
Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)I. Relatório
No presente processo especial de acompanhamento de maior em que figuram como:
- REQUERENTE: B…, casada, residente na Rua …, n.º …, 1.º Direito, ….-…, Matosinhos; e
- REQUERIDA: C…, viúva, residente na Rua …, n.º …, 1.º Direito, ….-…, Porto
formulou a requerente o seguinte pedido:
-“I) MEDIANTE O SUPRIMENTO DA AUTORIZAÇÃO DA REQUERIDA, DECRETAR O ACOMPANHAMENTO DA MESMA E DEFINIR AS MEDIDAS DE ACOMPANHAMENTO ADEQUADAS;
II) DESIGNAR O NETO DESTA, D…, RESIDENTE NA RUA …, N.º …, 1.º DIREITO, ….-…, MATOSINHOS COMO SEU ACOMPANHANTE;
III) DESIGNAR A REQUERENTE E E…, AMBAS ACIMA MELHOR IDENTIFICADAS, COMO MEMBROS DO CONSELHO DE FAMÍLIA.”
Alegou para o efeito e em síntese que a requerida que é sua mãe, pela sua idade (79 anos), doença (doença de Parkinson) e circunstâncias em que se encontra (a residir com outra filha que alegadamente a pressiona a afastar da requerente e família) “não determina a sua vontade nem tem autonomia para requerer ela própria, de forma livre e consciente, o seu acompanhamento, nem a Requerente tem possibilidade de obter a sua autorização por lhe estar vedado o acesso normal e regular à sua Mãe”, pelo que entende que deveria ser suprida a autorização da requerida e determinado o seu acompanhamento.
-
Proferiu-se despacho que dispensou a publicidade inicial do processo e determinou a citação da requerida por funcionário judicial.-
Após uma primeira tentativa de citação, por citação pessoal, através de funcionário judicial, mas sem sucesso, em 20 de agosto de 2019 a requerida acabou por ser citada por funcionário judicial (certidão de citação junta a fls. 25 no processo físico).-
A requerida apresentou contestação.Alegou para o efeito e em síntese, que não se encontra em estado de fragilidade, nem sequer com o pensamento comprometido, não carecendo de proteção pois encontra-se nas suas plenas faculdades e capaz de exercer os seus direitos e de cuidar dos seus bens de modo consciente e livre pelo que não se encontrando verificados os pressupostos para o suprimento da autorização, exigidos no artigo 141.º do CC deverá ser absolvida da instância.
Impugnou de forma motivada os factos da petição.
-
Proferiu-se despacho que concedeu à requerente o direito de resposta à matéria das exceções.-
A requerente alegou para o efeito que ambas as filhas sempre a consideraram facilmente manipulável, tendo inclusivamente a filha E… referido à Requerente, através de mensagem, que “a Mãe diz o que os outros querem ouvir”.Em outra mensagem, a irmã da Requerente, após ter levado a mãe a uma consulta no Hospital …, referiu que “o médico falou em demência”.
Foi a Requerente quem levou pela primeira vez a Requerida ao médico referido no artigo 3.º da Contestação, sendo que, nessa primeira consulta, que ocorreu por altura do Carnaval …, a Requerida não se conseguia lembrar dos nomes dos netos.
Foram receitados à Requerida diversos ansiolíticos e antidepressivos — Valium, Victan, Lorenin e Triticum — para serem tomados diariamente.
A Requerida, enquanto casada, nunca foi habituada a tomar decisões, submetendo-se sempre à sua vontade do marido, que tudo geria e dirigia. Agora viúva, a sua atitude é naturalmente a de se submeter a quem vê como o “dono da casa” onde se encontra.
A Requerida está neste momento e desde há meses impedida de receber visitas da Requerente e dos filhos desta, considerando por isso que a única forma de se poder avaliar se a situação da Requerida lhe permitiria dar autorização, livre e conscientemente, para o acompanhamento, e se se verificam os pressupostos para o seu suprimento judicial, será através da audição pessoal desta, prevista nos artigos 897.º, n.º2, e 898.º do Código de Processo Civil.
Termina por requerer a audição pessoal e direta da Requerida, a realizar no Tribunal, para efeitos de suprimento judicial da autorização.
-
Foi ordenada a realização de perícia médico legal e solicitado ao Sr. Perito que esclarecesse concretamente se em 24 julho de 2019 – data da proposição da presente ação – a requerida tinha ou não capacidade para, de forma livre e consciente, decidir da necessidade de lhe ser aplicada uma medida de acompanhamento.-
O relatório pericial não foi objeto de reclamação.-
A requerente veio referir que alegou na petição inicial que a requerida se afastou de si e da sua família dando a entender que estaria a ser influenciada ou pressionada pela outra filha e que tendo o exame pericial sido realizado na presença dessa filha “(…) poderá ter comprometido a liberdade da examinanda, tendo sido notório para a Requerente que a Requerida trazia indicações de respostas a dar, que não eram verdadeiras, como as de utilização de transportes públicos, realização de tarefas domésticas e autonomia em assuntos financeiros, além de que omitiu a indicação de medicamentos que toma diariamente como Lorenin e Triticum (anti-depressivo)” pelo que requer que a audição pessoal e direta da requerida seja efetuada sem a presença das filhas.-
A requerida veio deduzir oposição, impugnando o teor das afirmações proferidas pela requerente, alegando, ainda, que o pedido de audição da requerida não tem sustentação legal nem processual.Mais refere que a Requerida não deu o seu consentimento e, consequentemente, a Requerente não tinha, como não tem, legitimidade para instaurar a ação, independentemente do consentimento da Requerida. Constituindo a autorização do acompanhando um dos requisitos da legitimidade da Requerente (artigo 141º nº 1 do CC), a sua falta leva à ilegitimidade da parte, configurando a exceção dilatória a que alude o artigo 577º, alínea e) do CPC, a qual obsta o Tribunal ao conhecimento do mérito da causa, (artigo 576.º, n.º 2 do CPC) impossibilitando o prosseguimento da ação, sob pena de se submeter a aqui Requerida, contra a sua vontade, aos efeitos de uma decisão judicial, seja ela qual for – de procedência ou improcedência – decorrentes de um processo cuja existência não admite.
Considerou, ainda, que não se mostrando suprida a ilegitimidade da requerente impõe-se a extinção dos autos ao abrigo do disposto no artigo 277.º, e) do CPC.
-
Proferiu-se o despacho e sentença com as decisões que se transcrevem:“Cumpre, pois, decidir importando, desde já, esclarecer que nenhuma outra diligência processual cumpre realizar, sendo que os autos contém já os elementos necessários para a decisão da questão do suprimento do consentimento”.
[…]
“Resulta assim inequívoco que não estavam – como não estão atualmente – preenchidos os pressupostos para o suprimento de autorização do beneficiário, pelo que carecendo a requerente B… de legitimidade para intentar a presente ação se decide absolver a requerida C… da instância, art, 278.º, n.º 1, alínea e), conjugado com os art.s 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e) e 578.º, aplicáveis ex vi do artigo 549.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Custas a cargo da requerente.
Valor da ação: €30.000,01”.
-
A requerente veio interpor recurso da sentença.-
Nas alegações que apresentou a apelante formulou as seguintes conclusões:………………………………
………………………………
………………………………
Termina por pedir que se julgue procedente o recurso e, consequentemente, se anule a sentença recorrida, ordenando-se o...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO