Acórdão nº 160/12.8BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 23-05-2024

Data de Julgamento23 Maio 2024
Número Acordão160/12.8BELLE
Ano2024
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em conferência, os juízes desembargadores da Secção Administrativa, subsecção de Contratos Públicos, do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

G........, Lda., (doravante Recorrente ou A.) instaurou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, a presente ação administrativa comum contra o Município de Silves, (doravante Recorrido, R. ou ED), visando a condenação de R. no pagamento de todos os prejuízos patrimoniais e não patrimoniais que se vierem a calcular em execução de sentença e que resultaram do incumprimento pelo R. do contrato de “Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves – Escavações Arqueológicas” e conduziram à rescisão contratual.

Por sentença proferida em 27 de janeiro de 2015, o referido Tribunal julgou a presente ação improcedente, indeferindo o pedido.

Inconformada, a A./Recorrenteinterpôs recurso jurisdicional para este Tribunal Central Administrativo Sul dessa decisão, concluindo nos seguintes termos:

“I - Como questão prévia há que perceber que estamos no âmbito de um contrato público de aquisição de serviços, sendo a Recorrente uma prestadora de serviços no âmbito de uma empreitada de obras públicas adjudicada ao empreiteiro E......../A........, nos termos do Decreto-Lei n.° 197/99, de 8 de Junho. À Alegante foi adjudicado um procedimento para prestação dos serviços constantes do objecto do C.E. (art.l°) junto aos autos, no entanto, toda a sentença ora recorrida se desenvolve como se entre Alegante e Alegado tivesse sido estabelecido um contrato de empreitada de obras públicas, o que não pode proceder.
II - Trata-se de um contrato de prestação de serviços especializados, de carácter técnico/científico, trabalhos de rigor, nos quais há que ter em consideração a salvaguarda do património histórico e cultural em causa. Uma escavação arqueológica é um trabalho científico que requer pormenor (dada a sua especificidade, sendo executado manualmente).
III - Resultou sobejamente provado por toda a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento, bem como pela prova documental carreada para os autos que o Município de Silves foi omisso no mais elementar cumprimento dos seus poderes e deveres enquanto entidade administrativa adjudicante, pois tanto a prestação de serviços como a empreitada, eram geridas, coordenadas e fiscalizadas pelo Alegado, (artigo 302° do CCP)
IV - A Alegante denunciou o contrato com justa causa, a qual tem imanente não apenas a actuação do Alegado como a omissão aos seus poderes e deveres, o qual deveria ter coordenado, fiscalizado e articulado os trabalhos do empreiteiro com os da prestadora de serviços, ora Alegante, porquanto resultou provado que a prestação de serviços da Autora seria executada em articulação com a empreitada adjudicada pelo Alegado à empresa T........, S.A. - Empreitada da Reabilitação Urbana do Centro Histórico de Silves (cfr doc n° 2 junto com a contestação) em primeira linha e posteriormente devido à rescisão do contrato da empresa T........, S.A.com o Alegado, “as escavações arqueológicas deveriam decorrer em simultâneo com a empreitada adjudicada pelo Réu ao consórcio constituído pelas empresas A........, Lda. e E........, SA. (por acordo), conforme resulta da matéria provada.
V - Devia o Recorrido ter agido de acordo com o artigo 302.° do CCP, nos termos do qual são poderes do contraente público: “a) Dirigir o modo de execução das prestações; b) Fiscalizar o modo de execução do contrato ”, o que o Alegado não logrou fazer.
VI - A prestação de serviços não começou bem. Depois piorou, porquanto o empreiteiro e o dono de obra, ora Recorrido, por questões que se prendiam com a realidade da cidade de Silves e com a própria empreitada, procederam a diversos ajustes e alterações ao projecto e “essas alterações ao projecto provocaram constantes atrasos e retrocessos no trabalho da mesma,”, ou seja, resultou claramente provado que a actuação e também a falta dela por parte da entidade administrativa, foi causa directa dos constantes atrasos e retrocessos nos serviços prestados pela Alegante.
VII - Mas também não podemos esquecer as alterações ao projecto, sendo que resultou provado que “A alteração de metodologia originou uma mudança na composição da equipa, que as obras começaram com três frentes de trabalho e depois passou a uma frente e que em cada frente de trabalho é, no mínimo, necessário um arqueólogo; no caso da necrópole foi necessário acrescer um antropólogo; no mais, em trabalho de campo, são necessários técnicos de arqueologia e trabalhadores indiferenciados mas o seu número não foi apurado; no trabalho de gabinete, é necessário um trabalhador para lavar as cerâmicas, um arqueólogo para etiquetagem, registo e inventário dos achados arqueológicos e um técnico especializado em desenho de peças e tintagens” e daqui resultou para além duma maior morosidade também um maior custo em termos de meios, nomeadamente humanos a utilizar pela Recorrente.
VIII - Houve uma imprevisão, que ainda que não seja imputável ao Município, ora Alegado, também não pode ser imputável à Recorrente. Vemos no C.C.P. que da consagração do instituto da alteração das circunstâncias resulta que há que haver “indemnização de imprevisão”. A “indemnização de imprevisão” está associada a uma alteração totalmente imprevisível, alheia à vontade de qualquer uma das partes e essencial à reposição do equilíbrio do contrato. Desonerando parcialmente neste caso o Recorrido — ou seja, fazendo com que a Recorrente partilhe o prejuízo adveniente da alteração das circunstâncias, mas não sozinha. Sendo certo que a imprevisão permite a manutenção do contrato após a revisão/actualização das cláusulas directamente responsáveis pelo desequilíbrio, o que o Recorrido nunca quis fazer.
IX - A Alegante, no decurso das circunstâncias provocadas e da actuação omissiva do Município tentou por várias vezes resolver a situação, de modo a não resolver o contrato, tendo inclusive pedido a actualização do preço por m3 de escavação, pois via a sua equipa parada por não ter frentes de obra . A Alegante queria fazer!!!
X- O Município, enquanto órgão, gestor, coordenador e fiscalizador dos dois trabalhos (prestação de serviços e empreitada ) foi omisso nos poderes e deveres a que estava obrigado, apesar de ter sido por várias vezes instado pela Alegante a tomar uma posição, o que nunca fez.
XI - O empreiteiro falhava constantemente e o Município continuou sem nada fazer, mas sabia perfeitamente quais os efeitos que a Alegante iria sofrer, tendo agido em abuso de direito. Nem em sede de acção judicial o ora Recorrido admitiu que o empreiteiro não cumpriu o plano de trabalhos, sendo no entanto certo que resultou como facto não provado que “o plano de trabalhos foi respeitado pela empreiteira
XII - Em 6 de Julho de 2011 a Alegante tinha concluído no total dez ruas e meia, Travessa do Hospital, Rua da Arrochela, Rua Nova da Boavista, Rua da Misericórdia, Rua do Pelourinho troço Norte, Rua do Pelourinho troço Sul , Travessa do Pelourinho Poente, Travessa da Arrochela, Largo da Mata ( Largo do Hospital) ,Rua Nova dos Carmos, Rua Gregório Mascarenhas Neto troço sul para que o empreiteiro desenvolvesse a empreitada, não havendo possibilidade de se abrirem novas frentes de obra por facto não imputável à Recorrente.
XIII - A partir de Junho de 2011, a Recorrente apenas tinha como única frente de trabalho activa, a Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto, bem sabendo o Recorrido isso, no entanto, não se inibiu de licenciar nessa mesma rua, obras de remodelação na moradia do n°7, impossibilitando os trabalhos arqueológicos.
XIV - A Recorrente alertou várias vezes o Município no sentido desde tomar uma posição, o que este nunca fez, em clara violação dos seus poderes e deveres de fiscalização e coordenação.
XVI - Quando o empreiteiro começou a falhar, o Município continuou sem nada fazer, mas sabia perfeitamente quais os efeitos que a Alegante iria sofrer.
XVII- O Município agiu deliberadamente e em claro abuso de direito, bem sabendo que o fazia, ao licenciar a remodelação da moradia. Sabia de antemão que se a Aurora concluísse os trabalhos arqueológicos na Rua Gregório Nunes Mascarenhas Neto (Norte), única frente de trabalho activa, libertando-a para o empreiteiro prosseguir a obra, este não iria concluir a empreitada nesta rua por não ter capacidade para tal, visto ainda ter por concluir seis ruas e meia com valas abertas.
XVIII - Certo é que o Apelado nada fez para resolver a situação da paralisação completa da obra, não tendo a Apelante outra alternativa senão resolver o contrato, com justa causa.
XIX - Salvo o devido respeito por melhor opinião, o Tribunal a quo decidindo conforme fez não deu cumprimento ao legalmente estabelecido, não tendo para o efeito procedido a uma correcta interpretação e aplicação dos princípios constitucionais consagrados nos artigos 3.°, 13.°, 22.°, 266.° e 268.° da C.R.P.
XX - Fez ainda uma incorrecta aplicação das normas previstas nos artigos 302.° e 314.° do CCP;
XXI - Verificando-se assim:
a) erro de julgamento, através da reapreciação da prova gravada para determinação dos factos que efectivamente deveriam ou não ter sido dados como provados: alíneas a), b) e c), do n.° 1 do artigo 640.° do C.P.C;
b) Ainda, nulidade da sentença pelo facto dos fundamentos estarem em oposição com a decisão: alínea c), do n.° 1 do artigo 615.° do C.P.C.
Deve, pois, ser concedido provimento ao presente recurso e revogado o aresto em recurso, com as legais consequências.
Assim será cumprido o Direito e feita a já costumada
JUSTIÇA!”

O Recorrido apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

“ 1.ª A Recorrente requer a reapreciação da prova gravada.
2.ª No entanto, a Recorrente não especifica os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, nem os concretos meios probatórios, nem a...

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