Acórdão nº 16/14.0TVLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 10-04-2018

Data de Julgamento10 Abril 2018
Case OutcomeNEGADA A REVISTA
Classe processualREVISTA
Número Acordão16/14.0TVLSB.L1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça[1]:

I.

AA, S.A. instaurou esta acção declarativa contra BB, S.A..

Pediu:

a) A declaração de nulidade da modificação unilateral do contrato operada pela ré, ordenando-se que esta proceda ao pagamento integral das rendas que se venham a vencer nos termos plasmados no contrato.

b) A condenação da ré a pagar à autora a quantia devida no âmbito do contrato, no valor de € 97.540,81, acrescida dos juros vincendos, à taxa supletiva legal até integral pagamento.

c) A condenação da ré a pagar à autora o montante que fique por liquidar respeitante às rendas que se vençam entre a presente data e o trânsito em julgado da decisão do litígio e que se venham a fixar em execução de sentença.

d) A condenação da ré no reforço da garantia bancária constituída a favor da autora no montante de € 173.016,43.

Como fundamento, alegou que é uma sociedade que se dedica à actividade comercial de supermercados e serviço de apoio e que, em 05/12/2007, celebrou com a ré um contrato de utilização da loja nº 0…. do centro comercial designado ....

O contrato foi celebrado pelo prazo de 15 anos, com início em 5/11/2008, caducando no seu termo.

A loja objecto do contrato destina-se exclusivamente ao exercício, pela ré, da actividade de supermercado e respectivos serviços de apoio incluindo um estabelecimento industrial de padaria e cafetaria.

Entre outras obrigações do contrato a ré comprometeu-se a pagar uma remuneração mensal fixa de € 23.074,55, acrescido de IVA, susceptível de actualização anual e uma parcela variável correspondente à diferença entre 3% da facturação bruta mensal verificada na loja e aquela remuneração.

Ficou também obrigada a comparticipar nas despesas e encargos comuns com o funcionamento e promoção do ..., mediante o pagamento de quantia correspondente à permilagem da loja, cujo valor, no primeiro ano, foi de € 12.970, 54, a que acresceria IVA.

A ré obrigou-se a entregar à autora, até à data da entrega da loja e pelo prazo de vigência do contrato, uma garantia bancária à primeira solicitação, no valor de 4 meses de remuneração mensal devida, acrescido de IVA, bem como do montante de 4 meses da comparticipação prevista para as referidas despesas e encargos.

A autora ficou autorizada a executar a garantia em caso de mora da ré (mais de 30 dias) relativamente a qualquer obrigação da sua responsabilidade emergente do contrato.

Não obstante as negociações entre as partes sobre o quantum da remuneração devida, a ré comunicou à autora, em 12/12/2012, que decidira reduzir o valor da renda e encargos para o montante de € 21.346,50.

Em virtude da persistência da ré no pagamento de apenas cerca de 60% da remuneração devida, a autora accionou a garantia bancária.

A ré, na contestação, defendeu-se por excepção, sustentando existência de erro sobre a base do negócio e a modificação do contrato por alteração anómala das circunstâncias, deduziu reconvenção e impugnou o alegado pela autora.

Quanto às excepções arguidas sustentou que o contrato foi negociado, prevendo que a remuneração variável mensal, correspondente a 3% do valor de facturação, pressupunha que o valor das vendas da ré sem IVA, ultrapassasse o montante anual de € 9.230.300,00.

Acreditando na competência técnica da autora e de que esta dispunha de estudos de viabilidade económica e que se tratava de um projecto votado ao sucesso, por empresa integrada em poderoso grupo imobiliário internacional e representando um investimento de mais de 70 milhões de euros, a ré anuiu na celebração do contrato naquelas condições.

Não obstante, o projecto não se afirmou como de sucesso, a climatização central não funciona cabalmente, a concepção e funcionamento afectam a capacidade atractiva do centro, o que se repercute na rendibilidade fraca da loja da ré e demais lojas do Centro Comercial.

Caso a ré tivesse conhecimento do impacto negativo destes factores sobre as qualidades do Centro Comercial, bem como da incapacidade da autora em gerir de forma adequada o Centro por forma a transformá-lo num empreendimento votado ao sucesso, a ré jamais teria aceite a retribuição acordada, nem o montante acordado para a sua comparticipação nos encargos comuns, verificando-se uma situação de erro sobre a base do negócio – art. 252º, nº 2, do CC.

Admitia a ré, à data da celebração do contrato, que a loja em causa, acompanhando a média de crescimento das lojas abertas pela ré nos anos anteriores a 2007, com idêntica configuração e integradas em centros comerciais, crescesse 10% nos primeiros 12 meses de operação e 5% no ano seguinte, estimando atingir, ao fim de 3 anos completos de exploração, um valor de vendas líquidas sem IVA, superior a € 8.500.000,00.

Certo é que, atenta a crise económica que assolou o País, afectando a rendibilidade das famílias, o desiderato da ré nunca foi atingido sendo que as vendas foram sempre de valor inferior ao previsto, assinalando-se perdas de 18% do volume de vendas de 2010 e de 2012.

Muitas das lojas existentes no Centro foram sendo encerradas.

Acresce, que foram abertos nas imediações do ... mais dois Centros Comerciais (Hipermercado ... e ...) que agravaram ainda mais a situação, atenta a concorrência.

Assim, nos termos do art. 437º do CC, face à perda continuada de vendas que se verifica desde 2010 para valores significativamente mais baixos que os admitidos pelas partes à data da celebração do contrato, assiste à ré o direito à modificação do contrato celebrado segundo juízos de equidade.

Importa repor o equilíbrio entre as prestações de cada uma das partes já que a manutenção e execução do contrato, ofenderia o princípio da boa-fé.

Em reconvenção, defendeu que, perante a verificação dos pressupostos do art. 437 CC, a modificação do contrato através da redução das retribuições inicialmente acordadas, com efeitos a Janeiro de 2013, estipulando-se o valor de € 14.231,00 para a retribuição fixa e de € 7.115,50 para a contribuição nos encargos comuns, perfazendo o valor de € 21.346,50.

Acresce, que a autora accionou indevida e ilicitamente a garantia bancária, porquanto inexistia incumprimento contratual por parte da ré.

Assim, deve a autora indemnizar a ré dos prejuízos sofridos correspondentes ao capital recebido, acrescido dos juros de mora vencidos, à taxa comercial, desde a data daquele accionamento até integral e efectivo pagamento.

A autora replicou concluindo pela improcedência das excepções e reconvenção e pela procedência da acção.

Teve lugar a audiência prévia no âmbito da qual foi proferido despacho saneador, admitida a reconvenção, tendo a autora sido absolvida da instância relativamente ao pedido de condenação no pagamento de juros de mora vencidos desde a data de accionamento da garantia bancária até à data de apresentação da contestação/reconvenção, sem prejuízo de ser apreciado o pedido de condenação no pagamento de juros vincendos.

Após julgamento foi proferida sentença que, julgando a acção procedente e improcedente a reconvenção, condenou:

1. A ré a pagar à autora as quantias de:

a) € 97.540,81 (noventa e sete mil, quinhentos e quarenta euros e oitenta e um cêntimos);

b) € 336.082,48 (trezentos e trinta e seis mil, oitenta e dois euros e quarenta e oito cêntimos), correspondente às rendas vencidas até 05.05.2016;

c) O montante respeitante às rendas que se vençam entre 06.05.2016 e o trânsito em julgado da presente sentença, a fixar em incidente de liquidação;

d) Juros de mora sobre as quantias aludidas em 1., desde a data do vencimento de cada uma das facturas até 31.12.2013, à taxa de 7,50%, 7,25% desde 01.07.2013 até 30.06.2014, 7,15% desde 01.07.2014 até 31.12.2014, 7,05% desde 01.01.2015 até 30.06.2016, 7% desde 01.07.2016 até à presente data, e às taxas legais desde a presente data até efectivo e integral pagamento

2. A ré a reforçar a garantia bancária constituída a favor da A. AA – …, S.A., no montante de € 173.016,43.

Discordando desta decisão, a ré interpôs recurso de apelação, que a Relação julgou improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Ainda inconformada, a ré vem pedir revista, tendo formulado as seguintes conclusões:

(…)

24. No caso vertente, entende o recorrente que devem ser aditados à factualídade relevante para a decisão do mérito da causa na medida em que se trata de factos substantivamente relevantes no quadro dos fundamentos da defesa invocados pelo Recorrente nos seus articulados, e foram revelados no decurso do julgamento, tratando-se de factos probatórios e de factos concretizadores dos factos invocados pelo recorrente nos seus articulados, os pontos concretos de facto que descreveu, na apelação, da seguinte forma:

a) O centro comercial ... perdeu, de forma continuada, entre 2010 e 2015, cerca de um milhão de visitantes;

b) A loja explorada pela recorrente apresentou entre 2009 e 2015 perda continuada do número de visitantes;

c) O centro comercial perdeu, de forma continuada, entre 2010 e 2015 volume anual de vendas, o qual em 2015 era catorze milhões de euros inferior ao volume total de vendas de 2010";

d) A loja explorada pela ré no centro comercial ... evidencia entre 2010 e 2015 perda continuada do número de transacções;

e) A loja explorada pela ré apresenta desde 2008 a 2015 resultados operacionais negativos;

f) Assiste-se desde 2010 a um encerramento crescente de lojas no centro comercial ..., atingindo em Janeiro de 2016 o número total de 38 lojas encerradas;

g) O contrato de utilização de loja em centro comercial celebrado com a ré foi, no quadro de todos os contratos celebrados com lojistas do centro comercial ..., o contrato com período de vigência mais duradouro, tendo o mesmo a duração de quinze anos, sendo que a generalidade dos restantes contratos foram celebrados por seis anos;

h) A autora, através da empresa gestora do centro comercial ..., no ano de 2014, negociou com mais de 60 lojistas a renovação ou a...

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