Acórdão nº 15945/18.3T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 30-03-2023
Data de Julgamento | 30 Março 2023 |
Case Outcome | CONCEDIDA PARCIALMENTE |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 15945/18.3T8PRT.P1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
Relatório
AA instaurou ação declarativa, de condenação, com forma de processo comum, contra Liberty Seguros, SPA e pediu a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de € 773.347,00, com juros à taxa legal de 4% desde a sentença a proferir até efetiva liquidação.
Como fundamento, alegou factos tendentes a demonstrar que sofreu danos em consequência de acidente de viação ocorrido em 19.09.15, por culpa exclusiva do condutor do veículo de matrícula ..-..-SR, encontrando-se a responsabilidade civil emergente de acidente causado por tal veículo transferido para a ré por meio de contrato de seguro.
A ré contestou, aceitando os factos relativos à dinâmica do acidente e impugnando os factos relativos à extensão e montante dos danos.
Percorrida a tramitação adequada, no início da audiência final, o autor ampliou o pedido para a quantia de € 900.000,00, discriminando e quantificando danos sofridos.
A ampliação do pedido foi admitida.
Foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ré a pagar ao autor:
I) A importância global de € 636.780,20, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
II) Uma importância a liquidar em incidente prévio à execução da sentença, relativo a despesas médicas, com medicamentos, tratamentos de fisioterapia e custos acrescidos com a incorporação de velocidades automáticas no veículo de que o autor venha a necessitar, em consequência das lesões sofridas com o acidente, até aos 78 anos.
Inconformados com esta decisão dele interpuseram recurso o autor e a ré tendo o acórdão ora recorrido, decidido:
- julgar inadmissível a junção dos documentos apresentados pelo autor com as alegações de recurso e, em consequência, ordenar o seu desentranhamento dos autos;
- julgar improcedentes ambas as apelações e, em consequência confirmar a sentença recorrida.
Desta decisão interpôs a ré revista excecional que foi admitida pela formação a que alude o art. 671 nº3 do CPC, concluindo que:
“ 1. O presente recurso de revista excecional incidirá sobre a manutenção, inalterada, pelo douto acórdão do Tribunal da Relação do Porto, da condenação da recorrente no pagamento das quantias em a título de perda de capacidade de ganho, dano biológico e danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal de 4% desde a notificação da sentença e até integral pagamento.
2. Nos termos do disposto na alínea b) do nº 1 do art. 672 do C.P.C., e uma vez que o douto Acórdão da Relação manteve a decisão, quando a mesma, para contabilizar o quantum indemnizatório a atribuir ao recorrido, considerou os seus rendimentos fiscalmente não declarados, em confessada e flagrante fuga ao fisco.
3. Ao atribuir ao Autor uma indemnização, aliás avultada, tomando como base de cálculo o rendimento não declarado fiscalmente, relativamente ao qual o Autor não contribui, a título de tributação em sede de IRS ou Segurança Social, as decisões colocadas em crise dão uma estampa de legalidade a um comportamento prevaricador, lesivo de interesses públicos relevantes.
4. Reveste particular importância e relevância social já que é um “premiar” da conduta do Autor, sendo por isso necessário acautelar a sua aplicação de um modo justo, sendo por isso necessário ajuizar corretamente a questão dos rendimentos fiscalmente declarados versus omitidos.
5. Do mesmo modo, também para efeitos de determinação do mesmo quantum indemnizatório a atribuir ao lesado o tribunal utilizou como base de cálculo valores de retribuição brutos, ao invés de considerar os valores líquidos como a recorrente defendeu e defende.
6. Ao fazê-lo foi contra o decidido por jurisprudência já existente, isto também nos termos do disposto na alínea c) do nº 1 do art. 672.° do C.P.C, como é o exemplo do Acórdão cuja cópia se anexa como doc. 1, entre abundantes outros.
7. Concretamente, a decisão recorrida está em contradição com o douto Acórdão do STJ de 21/03/2019, proferido no proc. n.º 1069/09.8TVLSB,L2.S2, já transitado em julgado, cuja cópia se anexa como doc. 1, sendo este o acórdão fundamento.
8. Pelo exposto, requer-se que V. Exas. considerem justificada a interposição do presente recurso de Revista Excecional nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 672.° do CPC.
9. Caso assim não se considere, o que apenas se admite por mero dever de patrocínio, mas sem conceder, julga-se estar na presença de um caso cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, será claramente necessária para melhor aplicação do direito, nos termos do disposto na alínea a) do nº 1 do art. 672 do CPC.
10. De facto, situações como a dos presentes autos, surgem inúmeras vezes, e será imperioso que haja harmonia e coerência nas decisões adotadas, em nome dos princípios da legalidade e da segurança no direito.
11. Com efeito, defende a recorrente, que com a decisão mantida pela Relação do Porto, está-se a derrogar a lei civil, nomeadamente as normas da responsabilidade civil extracontratual.
12. Com efeito, defende a recorrente, que com a decisão mantida pela Relação do Porto, está-se a derrogar a lei civil, nomeadamente as normas da responsabilidade civil extracontratual.
13. Pelo que será o presente recurso de Revista Excecional, relevante e admissível, nos termos do disposto nas alíneas a), b) e c) do n° 1 do art. 672.° do C.P.C..
14. Uma vez que o presente recurso estará delimitado a questões de direito, o âmbito do presente recurso limitar-se-á à Determinação dos Danos Patrimoniais Futuros e à forma seguida para a alcançar, bem como ao quantum indemnizatório arbitrado a título de dano biológico e danos não patrimoniais.
15. Conforme defendeu a recorrente nas suas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, e ao contrário do que entendeu quer o tribunal de primeira instância quer aquele Alto Tribunal, ressalvando o devido respeito por ambos, que é muito, é com base na retribuição líquida e não ilíquida que deveria ser calculada a indemnização por perdas salariais e perda futura de ganho, conforme tem entendido a jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores.
16. Tal entendimento é, de resto, o que melhor se compatibiliza com a regra do n.º 2 do artigo 566º do Código Civil que consagra a teoria da diferença.
17. Isto porque resultando da lesão um dano patrimonial, também não é menos certo que o lesado deixará de se ver obrigado ao cumprimento de um conjunto de deveres que gerariam uma diminuição dos seus proventos reais, nomeadamente no que toca a impostos, despesas de deslocação e vários outros gastos que a efetiva prestação do trabalho implica.
18. Além disso, a indemnização deverá repor o lesado na situação em que se encontraria se não ocorresse o acidente, o que implica que lhe seja atribuída compensação que corresponda à efetiva perda patrimonial.
19. Acresce que – provavelmente, com maior relevo – não se poderá deixar de ter em conta que a indemnização judicialmente atribuída ao lesado para compensação do seu dano (incluindo o da perda futura de ganho por incapacidade) não está sujeita a qualquer tributação fiscal, por inexistir qualquer norma que a preveja, mas antes disposição que expressamente a exclui.
20. E, mesmo nos casos em que se verifica a tributação de indemnizações (e não e essa a situação sobre a qual nos debruçamos), diz-nos o artigo 9 nº 1 alínea b) que incidira apenas sobre aquelas que se “destinem a ressarcir os benefícios líquidos deixados de obter em consequência da lesão”.
21. Não passando o lesado a condição de sujeito ativo de impostos ou outros encargos que seriam sempre devidos ao estado não fosse o acidente e não estando a indemnização sujeita a impostos, não pode, também, ver a sua indemnização calculada com base nessas parcelas que seria sempre retida e entregues ao estado e das quais nunca usufruiria.
22. Assim, ao valor do salário, deverão ser deduzidos os encargos: 11% para a Segurança Social e o IRS, na ordem dos 30%.
23. A título de perdas salariais, na douta sentença recorrida, foi considerado para cálculo das perdas salariais o valor líquido de vencimento atual de €687,20 e o anterior ao sinistro o de €1.145,33.
24. Determinando que a diferença entre estes, de € 458,13 x 14 meses x 37 anos confere ao Autor uma indemnização na importância global de € 237.311,34.
25. Ora, se atentarmos aos documentos juntos pelo A. com a sua PI, constata-se que em momento anterior ao sinistro o A. recebeu líquido €964,25 (já com o pagamento de subsídio de Natal em duodécimos), €838,16 (já com o pagamento de subsídio de Natal em duodécimos), € 913,43 (já com o pagamento de subsídio de Natal em duodécimos), e € 895,79 (já com o pagamento de subsídio de Natal em duodécimos).
26. Junta ainda para prova dos seus rendimentos atuais dois recibos, cujo montante líquido recebido, sem duodécimos de subsídio de Natal, totaliza € 707,46 e € 664,95.
27. Se atentarmos aos suprarreferidos documentos juntos pelo Autor e calcularmos a média do salário líquido recebido pelo Autor antes do sinistro encontramos o montante de € 822,29.
28. Se efetuarmos uma média do salário líquido recebido pelo Autor após o sinistro encontramos o montante de € 686,20.
29. O que permite concluir por uma diferença salarial líquida de €136,09 e não de €458,13 conforme conclui, em erro no nosso entendimento, a sentença recorrida.
30. Pelo que, por mera hipótese académica, se efetuássemos os cálculos tal e qual resultaram da sentença recorrida, teríamos €136,09 x 14m x 37a = €70.494,62.
31. Todavia, entende a recorrente que não é devida essa quantia, pois que a douta sentença recorrida teve em conta para aquele cálculo 37 anos, ou seja, a esperança média de vida.
32. Contudo, deveria antes ter tido por base a idade limite da reforma na função pública, pois só assim se consegue encontrar qual o montante correspondente à...
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