Acórdão nº 159/04-2 de Tribunal da Relação de Évora, 02-03-2004
Data de Julgamento | 02 Março 2004 |
Número Acordão | 159/04-2 |
Ano | 2004 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Processo nº 159/04
Acordam, em audiência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
A Delegação do I.D.I.C.T. de Évora levantou auto de notícia a R. ... por infracção aos art. 10º nº2 e nº6 do DL nº 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 398/91, de 16/10 em virtude de:
- ter sido prestado, e registado manualmente, trabalho suplementar nos dias 27 de Setembro e 8 de Novembro de 2001, e não ter sido transposto, esse registo manual, para o registo informático, pelo que, não foram acumuladas as horas de trabalho suplementar prestadas naqueles dias, às restantes horas efectuadas - contra-ordenação p. e p. pelo art. 10°, n°2 DL n° 421/83 de 2-12 (coima de € 17.092 a 59.855, 75)
- ter procedido ao envio de 12 relações mensais, relativamente ao 1 ° semestre enviadas por três vezes, e a um único envio, relativo ao 2° semestre, contendo 6 relações mensais, as quais correspondem ao período de Dezembro de 2000 a Novembro de 2001 e não ao período de Janeiro a Dezembro de 2001, faltando nesta relação, as horas de trabalho suplementar registadas manualmente e não transpostas para o sistema informático, bem como os períodos de trabalho suplementar inferiores a uma hora - contra-ordenação p. e p. pelo art. 10°, n°6 DL n° 421/83 de 2-12 (coima de €17092 a 59.855, 75).
O auto de notícia foi confirmado em 18/2/2002, pelo Inspector Delegado da Delegação Regional de Évora do I.D.I.C.T., tendo sido instruído o respectivo processo de contra-ordenação, no termo do qual foi proferida decisão, que considerou que a arguida cometeu duas contra-ordenações previstas respectivamente no art. 10º nº2 e nº6 do DL nº 421/83, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL nº 398/91, de 16/10, imputáveis a título de dolo e reincidência, e aplicada em concreto a coima única no montante de € 35.000.
A arguida interpôs recurso de impugnação judicial desta decisão para o Tribunal do Trabalho de Évora, que negou provimento ao recurso.
Inconformada com a decisão daquele tribunal que confirmou a decisão do I.D.I.C.T., a arguida interpôs o presente recurso, tendo nas suas motivações formulado as seguintes conclusões:
1. A decisão recorrida, não obstante ter dado como reproduzida a proposta da Senhora Instrutora, bem como a menção de tal proposta fazer parte integrante da decisão, não é fundamentada, não é alusiva às normas infringidas, não descreve os factos imputados à arguida e os meios de prova obtidos.
2. A omissão de referência a tais elementos gera a nulidade da decisão por violação do disposto nos artigo 58° n.° l do D.L. 433/82 de 27 de Outubro. Sendo que a sua omissão gera nulidade - cfr. 379° n.° 1 al. a) do C.P.P. aplicável “ex vi” artigo 41° n.° 1 do D.L. 433/82.
3. Ou a sua inexistência por omissão dos elementos aludidos em a) - Sentença do Tribunal do Trabalho de Aveiro proc. 1/00 que correu termos pela 2ª Secção daquele Tribunal.
4. A figura da “proposta de decisão” tinha sede legal no artigo 55° do Decreto-Lei n° 491/85, de 26 de Novembro, diploma que foi expressamente revogado pelo artigo 2° do Decreto preambular da Lei n° 116/99, pelo que se encontra expressamente revogada a figura da “proposta de decisão”. Assim sendo, a remissão da decisão para uma figura juridicamente inexistente no processo equivale à remissão para um vazio legal, não cumprindo, como tal, as exigências legais estabelecidas no artigo 58° n°1 do Decreto-Lei n° 433/82, e o artigo 58° do Decreto-Lei n° 433/82, interpretado no sentido em que estão reunidos os seus pressupostos com a mera remissão para a proposta de decisão, figura que não existe na lei, é claramente inconstitucional, por violação do artigo 32°, n°10 da CRP.
5. Nem é sustentável, como tem feito alguma jurisprudência, que a decisão se encontre devidamente fundamentada ao abrigo do artigo 125° n°1 do CPA.
6. Efectivamente, o CPA não é aplicável ao processo contra-ordenacional, desde logo porque a previsão da lei de Autorização o impede, pois esta foi concedida para o Governo legislar sobre a matéria da alínea u) do n°1 do actual artigo 165° da CRP, e não para a alínea d) da mesma disposição.
7. Por outro lado, o regime das Contra-Ordenações não remete para o CPA como legislação subsidiariamente aplicável, mas sim para o Código de Processo Penal. Assim, também por isto não é fundamentada a decisão do Sr. Delegado do IDICT.
8. Só uma interpretação restritiva do artigo 125° do CPA, no sentido de que o mesmo se não aplica em processo de contra-ordenação, está conforme com a Constituição. O mesmo é dizer que o artigo 125° do CPA, interpretado no sentido da sua aplicação em processo de contra-ordenação, na medida em que viola o direito de defesa do arguido, garantido pelo artigo 32°, n°10 da Constituição, é materialmente inconstitucional.
9. No presente processo, quem confirmou os Autos de Notícia e quem aplicou a coima foi a mesma pessoa física: o Senhor Delegado do IDICT de Évora - ....-, como facilmente se verifica das assinaturas apostas no Confirmo e na Decisão.
10. Ao confirmar o Auto de Notícia e ao outorgar, simultaneamente, a decisão recorrida, o Senhor Delegado supra referida violou expressamente o disposto nos artigos 39°, n.°1, al. c) e 40° do Código de Processo Penal e, ainda, o preceituado no artigo 41°, n.° 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações Laborais (Dec-Lei n.° 433/82), tornando a sua decisão, também por este motivo, uma decisão nula.
11. O legislador ordinário, ao dispor, no n.° 1 do artigo 41° do RGIMOS, que deverão aplicar-se os preceitos reguladores do processo criminal devidamente adaptados, limitou-se a verter, no direito das contra-ordenações a ideia e os princípios estruturantes no plano constitucional. O que, aliás, o n.° 2 do mesmo preceito vem ainda reforçar ao prescrever que, no processo de aplicação da coima e das sanções acessórias, as autoridades administrativas gozam dos mesmos direitos e estão submetidas aos mesmos deveres das entidades competentes para o processo criminal.
12. Daí que as normas contidas nos artigos 39°, n.° 1, alínea c), e 40° do CPP devam ser interpretadas em conformidade com a Constituição no sentido da sua aplicação em processo de contra-ordenação. Elas serão, por isso mesmo, inconstitucionais, por violação do artigo 32°, n° 10, da CRP, quando interpretadas restritivamente no sentido da sua inaplicabilidade em processo de contra-ordenação.
13. Mesmo que assim não sucedesse, sempre seria anulável a decisão, porquanto viola escancaradamente o disposto no artigo 44°, alínea d) do CPA, uma vez que o acto de confirmo é notoriamente, por manifestar a vontade do Sr. Delegado, o seu entendimento sobre os factos constantes do Auto de Notícia, um parecer sobre a questão a resolver, e a al. d) do art. 44° do CPA impede que quem tiver dado parecer sobre a questão a resolver possa praticar o acto administrativo decisório.
14. O Sr. Delegado estava, também por isso, impedido de decidir por ter dado o seu parecer - confirmação do auto de noticia. A decisão recorrida é, pois, nestes termos, anulável.
15. O Arguido fez todas as necessárias comunicações à Inspecção Geral de Trabalho.
Efectivamente,
16. O Arguido enviou em Março, Maio e Julho, 2001 e Janeiro de 2002, para o IDICT a relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar nos dois semestres de 2001. De facto,
17. Em Março de 2001, o Arguido enviou ao IDICT de Évora a relação nominal dos trabalhadores que prestaram trabalho suplementar nos meses de Janeiro e Fevereiro de 2001, cfr. documentação junta ao Auto de Notícia pela Sra. Inspectora.
18. Em Maio de 2001, enviou para a mesma Delegação do IDICT as tabelas referentes aos meses de Março a Abril do mesmo ano, cfr. docs. juntos aos autos; em Julho de 2001, as tabelas de Maio a Junho do mesmo ano, cfr. docs. juntos aos autos, e, em Janeiro de 2002, o ora contestante remeteu as listagens referentes aos meses de Julho a Dezembro de 2001, cfr. docs juntos aos autos.
19.Não se procedeu, assim, de facto, ao envio de apenas(...) duas relações semestrais... No entanto, tal não integra a previsão de qualquer ilícito contra-ordenacional!!!! Efectivamente,
20. Dispõe o n° 6 do artigo 10° do Decreto-Lei 421/83 de 2 de Dezembro que: "Nos meses de Janeiro e Julho de cada ano a entidade empregadora deve enviar à Inspecção-Geral do Trabalho relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar durante o semestre anterior (..)”, e o R.... enviou, de facto, para a IGT, a referida relação. No entanto,
21.Dado o seu enorme volume de correspondência, o banco arguido, rodeando-se da todas as cautelas de forma a não desrespeitar quaisquer disposições legais, enviou bimensalmente as tabelas em questão, no que diz respeito ao trabalho suplementar prestado no 1 ° semestre de 2001. Não obstante, tal conduta não é punível, até porque ao proceder ao envio bimensal das listagens dos trabalhadores o arguido foi ainda mais diligente do que, por Lei, estava obrigado, não podendo ser condenado por isso!!!
Acresce que,
22. Notificado para apresentar - de novo - a relação nominal dos trabalhadores que efectuaram trabalho suplementar durante o 1° e 2° semestre de 2001, procedeu o arguido - de novo - ao envio dos referidos mapas, cfr.docs.2 a 31, já juntos aos autos, pelo que, não cometeu o Arguido a infracção de que vem acusado nos presentes autos, antes actuando com toda diligência que lhe era exigível.
23.Nenhuma infracção foi cometida, antes toda a postura do Arguido foi de total diligência, sendo que a existência de negligência é um pressuposto da existência de infracção, não existindo, por consequência, infracção sem conduta negligente.
24. Assim sendo, o R. ... arguido não cometeu a infracção de que vem acusado, não podendo ser considerado negligente, nem muito menos, como pretende a Senhora Inspectora autuante, autor de um comportamento doloso!!!!!!
Acresce...
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