Acórdão nº 1589/19.6PKLSB.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 14-07-2021
Data de Julgamento | 14 Julho 2021 |
Case Outcome | PROVIDO |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 1589/19.6PKLSB.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça
I
Relatório
1. AA, mais detidamente identificada nos autos, foi condenada pelo Tribunal Judicial da Comarca …., Juízo Central Criminal ….. – Juiz ….., na pena de 9 anos de prisão pela prática de um crime de Homicídio Qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos Art.s 22, 23, 73, 131 e 132 n.º1 e 2 alíneas a) c) e j) do CP.
2. Inconformada, interpôs recurso para o Tribunal da Relação …….
O Tribunal da Relação ….., por Acórdão de 16/02/2021, reconheceu a existência do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto, vício que supriu, ao abrigo do disposto no art. 431, do CPP, procedendo à alteração do facto provado no ponto 80), do elenco dos factos provados. Porém, confirmou, em tudo o resto, o Acórdão proferido pela 1.ª Instância.
3. Ainda irresignada, interpôs recurso para este Supremo Tribunal de Justiça. Foram as seguintes as suas Conclusões, no Recurso interposto:
“1. A Recorrente foi condenada no Tribunal Judicial da Comarca ….., Juízo Central Criminal ….. – Juiz …., na pena de 9 anos de prisão pela prática de 1 crime de Homicídio Qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos Art.s 22º, 23º, 73º, 131 º e 132º nº 1 e 2 alíneas a) c) e j) todos do C.P., por não se conformar com tal veredicto interpôs recurso ordinário para o Tribunal da Relação ….., vindo este a dar provimento parcial ao mesmo, no que se refere á insuficiência da matéria de facto, mantendo, contudo, a qualificação jurídica dos factos praticados e o quantum da pena aplicada à Arguida.
2. Não pode a Recorrente concordar com tal decisão no que se refere à qualificação jurídica dos factos pelos quais foi condenada e quanto à medida da pena aplicada, considerando que quanto á qualificação jurídica foram violados os normativos constantes dos Art.s131º, 132º nº 1 e nº 2, 133º, 136º e quanto á determinação da medida da pena, foram violados os normativos constantes dos Art.s 40º nº 1 e 2, 71º, todos C.P.
3. O Tribunal Recorrido procedeu à errada interpretação e qualificação jurídica dos factos ao direito, entendendo que em face dos factos fixados, estamos perante a qualificação de um crime de infanticídio, e não o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, p. e p. pelo Art. 131º e 132º nº 1 e 2 alíneas a), c) e j) do CP.
4. Ao contrário dos fundamentos vertidos no Acórdão recorrido para fundamentar o afastamento do crime de infanticídio, ficou provado que a Recorrente entrou em trabalho de parto, ainda estava na tenda que partilhava com o seu companheiro, circunstancia reveladora que a mesma já se encontrava sob a influencia perturbadora do parto, considerando que toda a conduta, após a saída da …, já é considerada a prática de actos preparatórios do crime e, portanto, entende que, a mesma já se encontrava sob a influencia perturbadora do parto.
5. Ficou demonstrado pelo Relatório Pericial constante de fls. 811 dos autos que efectivamente a Arguida, tem limitações ao nível da capacidade de insight (limitação da capacidade de compreensão das suas motivações internas, comportamentos e consequências dos mesmos para si e para os outros) e apresenta distorções cognitivas, ao contrário do alegado pelo Tribunal Recorrido.
6. O Estado psicológico e comportamental da Arguida explanado no relatório pericial é inequívoco e demonstrativo de uma diminuição considerável da culpa, revelado não só pela ocultação da gravidez, pelo processo de negação desta e pela manutenção da sua condição de sem abrigo, culminando num parto na rua, á chuva e ao frio, e que em suma acabou por condicionar verdadeiramente a conduta da Recorrente, no momento do parto e posteriormente. Pelo que, não colhem os fundamentos de afastamento do crime de infanticídio, elencados pelo Tribunal Recorrido.
7. Assim, estão preenchidos os elementos objectivos e subjetivos do crime de Infanticídio, na sua forma tentada, a que alude o disposto nos Art. 22º e 23º e Art. 136º todos do Código Penal e ao não decidir desta forma, o Tribunal Recorrido fez uma errada interpretação e aplicação da Lei e por conseguinte violou o disposto nos Art. 131º, 132º nº1 e 2 als. a) c) e j) e 136º todos do CP, impondo-se decisão diversa que absolva a Recorrente do crime de homicídio qualificado na forma tentada e condenado a arguida por um crime de infanticídio, na sua forma tentada, nos termos do disposto no Art. 136º do CP.
Caso assim não se entenda,
8. Existe sempre uma forma diminuta da culpa, e que, por conseguinte, se pode, eventualmente, subsumir os factos provados a outra figura jurídica que com ela se coaduna, que é o crime de homicídio privilegiado p. e p. pelo Art. 133º do C.P, tendo sido também esta qualificação afastada pelo Tribunal Recorrido, cuja fundamentação se discorda.
9. É patente a situação de exigibilidade diminuída, de diminuição sensível da culpa, atendendo, ao que resulta do relatório pericial que evidencia a falta de insight moderado, falta moderada da capacidade da Arguida de avaliar as suas decisões e as suas consequências, a presença de locus de controlo externo e de distorções cognitivas que a mesma apresenta e a imaturidade emocional revelada pela Recorrente, colocou a mesma num processo de negação da gravidez, que no momento do parto, a colocou num estado de perturbação e desespero que a impediu de no momento do parto de tomar uma decisão adequada ao direito.
10. Não se pode olvidar o resultado do relatório pericial que refere expressamente a falta de preparação (imaturidade emocional) de Arguida para lidar com a gravidez, e falta moderada de capacidade para tomada de decisões que claramente toldaram a sua capacidade decisória de acordo com o direito.
11. Afigura-se-nos evidente a existência que o estado de perturbação emocional que a arguida vivenciou antes, durante e após o parto, na condição de sem abrigo, sem esperança de mudança de vida e nas circunstâncias em que teve o seu filho, foram momentos de grande desespero e medo que se coaduna com o tipo legal de homicídio privilegiado, n sua forma tentada, a que alude o Art. 133º do C.P.
12. Ao afastar a qualificação dos factos como homicídio privilegiado, entende a recorrente que o Tribunal Recorrido, fez uma incorrecta interpretação e aplicação do disposto nos Art. 131º, Art. 132º nº 1 e 2 als. a) c) e j) e Art. 133º todos do CP e por conseguinte violou os referidos normativos legais, impondo decisão diversa que absolva a recorrente de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e condenando a mesma por um crime de homicídio privilegiado, na sua forma tentada, nos termos do disposto no Art. 133º do CP.
Caso assim não se entenda,
13. Sempre se dirá que, não se vislumbram o preenchimento do tipo de crime de homicídio qualificado, uma vez que, não basta a existência de exemplos padrão constantes do Art. 132º do CP, mas que também se verifique uma especial censurabilidade e perversidade da Arguida no cometimento do crime.
O que, no caso dos autos, não se verifica!
14. A especial censurabilidade a que se reporta o crime de homicídio qualificado exige um completo domínio do agente para se determinar de acordo com a norma e para avaliar cabalmente a ilicitude do seu facto, o que no caso sub judice se revelam diminutos, até o próprio Tribunal Recorrido reconhece que a Recorrente revela imaturidade emocional, a viver na rua como sem abrigo, circunstâncias que são reveladoras e que necessariamente afastam a especial censurabilidade e perversidade da sua conduta.
15. Se tal não fosse suficiente para afastar a especial censurabilidade e perversidade, sempre existem factos resultantes do relatório pericial que revelam as limitações comportamentais e psicológicas da arguida, a imaturidade emocional, falta de insight moderado, distorções cognitivas e negação da gravidez, juntamente com o facto da arguida ser em abrigo, que certamente a colocou debaixo de perturbação que necessariamente se apoderou dela e pesou, inevitavelmente, no grau culpa com que a Arguida agiu.
Verificando-se claramente aqui também uma forma diminuta de culpa que afasta a especial censurabilidade e perversidade. Assim, o Tribunal Recorrido fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto nos Art. 131º, 132º nº 1 e 2 als. a) c) e j) todos do C. Penal e em consequência violou tais dispositivos legais, impondo-se decisão diversa que absolva a recorrente de um crime de homicídio qualificado na forma tentada e condenado a mesma por um crime de homicídio, na sua forma tentada, nos termos do disposto no Art. 131º do CP.
Caso assim não se entenda, sempre se dirá que,
16. É grande o inconformismo da ora aqui recorrente, pois foi condenada, como autora material, pela prática de um crime de homicídio qualificado, na forma tentada p. e p. pelo Art.131º e 132º nº 1 e 2 als. A) c) j) do C.P., na PENA DE 9 ANOS DE PRISÃO. O Tribunal Recorrido não teve em consideração e em consequência violou os normativos correspondentes à determinação da medida da pena nos termos do disposto nos Art. 40º 42º e 71º do C.P.
17. Existem inúmeras circunstâncias atenuantes a favor da arguida que permitem aplicação a esta de uma pena bastante mais justa, adequada e harmoniosa ao caso sub judice, e que se encontram vertidas no Art. 71 do C.P., assim verificamos que pese embora o dolo seja direto, o certo é que a ilicitude dos factos praticados é mediana e o seu modo de execução dos factos foi bastante limitado.
18. O Tribunal A Quo não teve em consideração, todas as condições pessoais e sociais vertidas do relatório social para determinação da sanção, e devidamente descritas nas motivações de recurso, mormente o facto da arguida viver na condição de sem abrigo, apenas sendo auxiliada por outros companheiros, também eles sem abrigo, e lhe facultaram um abrigo precário em tenda, socorrendo-se apenas do auxilio de instituições para se poder alimentar, nem considerou o facto da Arguida, ter ocultado...
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