Acórdão nº 1551/19.9T9PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 21-10-2020

Data de Julgamento21 Outubro 2020
Case OutcomeREJITADO QUNTO À MATÉRIA DE FACTO E NEGADO PROVIMENTO QUANTO AO DEMAIS
Classe processualRECURDO PENAL
Número Acordão1551/19.9T9PRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I – RELATÓRIO


1. Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central …, datado de 18-11-2019, depositado na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se:

A – condenar o arguido AA:

- pela prática um crime de trafico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com à referência à tabela I-A, com a agravante da reincidência dos artigos 75º e 76º, ambos do Código Penal, na pena de dez anos de prisão;

- pela prática um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, com a agravante da reincidência dos artigos 75º e 76º, ambos do Código Penal, na pena de quatro anos de prisão;

- Em cúmulo jurídico de tais penas, condená-lo na pena única de onze anos de prisão.


B – condenar a arguida BB:

- pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A, na pena de seis anos de prisão;

- pela prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368-A nºs. 1, 2 e 3 do Código Penal, na pena de três anos de prisão;

- Em cúmulo jurídico de tais penas parcelares, condená-la na pena única de sete anos de prisão;

C – condenar o arguido CC, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A, com a agravante da reincidência dos artigos 75º, e 76º, ambos do Código Penal, na pena de sete anos de prisão;

D – condenar a arguida DD, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. h), do Dec-lei nº 15/93, de 22/01, com referência à tabela I-A, na pena de cinco anos e quatro meses de prisão.

Mais se decidiu,:

– no que aos objetos, produtos e vantagens do crime respeita, nos termos dos artigos 35º, 36º do DL 15/93, de 22/01, e 110º do Código Penal, declarar perdido a favor do Estado todo o produto estupefaciente apreendido, com o produto de corte, e ordenada a sua destruição, nos termos do art.º 62º, nº 6 do DL 15/93, de 22.01 e art.º 109º, do Código Penal;

– no que respeita aos restantes bens que se mostram apreendidos, uma vez que são produto do crime, foram utilizados na prática do crime ou foram adquiridos com as vendas do produto estupefaciente ou serem provenientes da mesma (os telemóveis J3 (2016) IMEI 35…25/77, contendo cartão SIM da Vodafone associado ao nº 91…64 e J5 SAMSUNG, IMEI’s 35…84 e 35…82, com o cartão SIM da Vodafone a que corresponde o n.º 91…70, preservativo(s), pelicula aderente, embalagens plásticas “Milka”, embalagem de batatas fritas MCENNEDY, vários pedaços de pelicula aderente, pedaço de fita adesiva amarela, envelope de cor branca, saco de nylon com a inscrição EE, vários pedaços de papel de alumínio, guardanapo de papel, caixas de cartão vazias: de chá “Auchan”; de pensos higiénicos “Carefree” almofada de espuma caso tenha subsistido à sua abertura ou o que desta restar, e quantias monetárias no valor de 11.640 €, declará-los perdidos a favor do Estado, nos termos do nº1, do artigo 35º do Dec-lei nº 15/93, de 22/01 e artigo 109º do Código Penal;

– condenar o arguido AA a pagar o valor de cinco mil euros ao Estado, por este valor resultar de vantagem que, através da infração, tiverem sido diretamente adquiridos pelos agentes, para si ou para outrem, nos termos do artigo 36º, do Dec-lei nº 15/93, de 22/.01.


2. Inconformados com a sobredita decisão, interpuseram os arguidos BB, CC, DD e AA, recurso para o Tribunal da Relação do Porto.


3. Por acórdão de18-03-2020, o Tribunal da Relação deliberou:

– «rejeitar o recurso interposto pelo arguido CC na parte respeitante à impugnação da matéria de facto e questões associadas, negando-lhe provimento no demais questionado pelo mesmo e aqui apreciado, com a inerente confirmação do decidido nessa parte; e,

– negar provimento aos recursos interpostos pelos arguidos AA, BB e DD, em consequência do que, e na parte aqui questionada pelos sobreditos recorrentes, decidem igualmente confirmar o acórdão recorrido.»


4. Inconformado, recorre perante o Supremo Tribunal de Justiça o arguido AA, rematando a respectiva motivação comas conclusões seguintes (transcrição):


CONCLUSÕES

1.- O Tribunal não conseguiu impôr-se à pressão e à revelia de quaisquer considerações de direito, exigia nos vários pelourinhos – os interessados e os desinteressados – as cabeças dos arguidos.

2.- O recorrente exerce este seu direito sem prejuízo do disposto no artº 409 (proibição de “reformatio in pejus”), isto é, sem possibilidade de modificação do já decidido em prejuízo do Arguido.

3.- Desde logo nos fixamos numa questão que se levantou na primeira sessão (propriamente dita) do julgamento (porquanto a primeira foi meramente preparatória dos actos e agendamento de sessões) quando o signatário desta peça questiona a uma das arguidas (BB) se esta sabia de quem era efectivamente o dinheiro (e naturalmente de quem era o produto estupefaciente em causa) quando foi interrompido na sua inquirição pela Exmª Srª Dra Juiz Presidente que proferiu de imediato a seguinte expressão: “De quem seria!” – isto sem que sequer tenha existido a audição de uma única testemunha e em interrupção daquele acto processual.

4.- Um dos pilares basilares que norteia a magistratura e a judicatura é o princípio da imparcialidade, e desta expressão resulta que imparcialidade não existiu, porquanto o Tribunal já possui um juízo pré feito anterior sequer à produção de prova.

5.- O princípio da imparcialidade do juiz repudia o exercício de funções judiciais no processo por quem tenha ou se possa objetivamente recear que tenha uma ideia pré-concebida sobre a responsabilidade penal do arguido, ideia essa espelhada ab initio por aquela antevisora e premonitória expressão: “De quem seria!”

6.- Está o processo viciado por violação desse mesmo princípio da imparcialidade, nesse sentido, os Acórdãos do STJ de 10 de abril de 2014, bem ainda os Acs. do TC 219/89, 114/95, 935/96, 528/97, 29/99, 357/99, 129/2007, 147/2011 e 444/2012; e a numerosa jurisprudência do STJ recenseada por Henriques GASPAR, CPP Comentado 133 ss. e 148 ss.

7.- Por outro lado tal falta de imparcialidade é manifestamente inconstitucional por atentar contra o Art. 203º CRP, o princípio do Estado de Direito (Art. 1.º CRP), resulta violado o princípio da presunção da inocência do arguido (Art. 32.º nº 2 da CRP), violação das garantias da defesa do arguido (Art. 32.º nº 1), como também o principio constitucional do acesso ao direito (Art. 20.º nº 1 da CRP), porquanto o julgamento já se encontrava realizado e o acórdão proferido antes de ter iniciado (violando assim, de igual modo, o princípio de que todos tem direito a um processo justo e equitativo plasmado no Art. 20.º nº 4 da CRP e no Art. 6.º da CEDH).

8.- O Estado Português já foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem no Acórdão do caso 4687/11 por violação do Art. 6.º n.º 1 da CEDH (direito a um processo equitativo e imparcial).

9.- A interpretação do Art. 127.º CPP (livre convicção) no sentido de poder contemplar a utilização de presunção indiciária e arbitrária é inconstitucional por violação do princípio da presunção de inocência (Art. 32.º da CRP).

10.- Verifica-se erro notório na apreciação da prova (alínea c) do n.º 2 do art.º 410 do CPP), a qual, viciado pela falta de imparcialidade, porquanto não decorre de qualquer meio de prova no processo (documental) nem da prova testemunhal e confessional que o arguido AA não estivesse sob coacção quando pediu a BB para guardar o estupefaciente, pois que esteve mais de duas horas a implorar (chegando quase a chorar) e depois que esta anuiu teve que realizar um telefonema a alguém para dar conta dessa mesma anuência.

11.- Não decorre de qualquer meio de prova no processo (documental) nem da prova testemunhal e confessional que o arguido AA tenha prometido à arguida BB contrapartida monetária ou outra pelo facto de esta ter consigo a guarda do estupefaciente.

12.- Não decorre de qualquer meio de prova ou da própria prova que o arguido AA era o proprietário das importâncias pecuniárias nem tão pouco do estupefaciente que pediu a BB para guardar.

13.- Não existe qualquer prova de que AAtenha procedido a venda de droga dentro do E P de …, nem tão pouco que tenha entrado com droga por si ou por interposta pessoa dentro do E P de … e que a tenha posteriormente vendido. Nem em 04.07.2018 ou em data anterior ou em data posterior.

14.- Não existe prova de que AA tenha auferido as importâncias de 2.000,00€, 9.140,00€, 500,00€ e de 5.000,00€ por força do tráfico de estupefaciente, uma vez que o próprio Inspector FF refere que a heroína possui um valor de 450,00€/grama dentro do EP e (sem que qualquer prova se faça) o Tribunal sem qualquer suporte de prova dá como provado que tais importâncias se reportam a venda de 60gramas de estupefaciente, sem que se tenha provado que tal produto tenha entrado no EP, existe pois clamorosa violação do principio in dubeo pro reo ínsito no Art. 32.º nº 2 da CRP..

15.- Decorre da prova produzida em sede de julgamento pelo Sr Inspector FF que 60 gramas de heroína dentro do E P possuem um valor de 27.000,00€, o que não se logrou de todo encontrar nem na conta bancária nem possui qualquer espelho nas transferências e depósitos para a conta de BB.

16.- A arguida DD é interceptada pela PJ em 16.12.2018 pelo que os montantes que caíram na conta de BB (entre finais de Julho e Setembro) não podem pois por isso ser conexionados com aquele facto.

17.- Nenhuma das testemunhas de acusação refere que o arguido AA se dedica à venda de estupefaciente (quer dentro quer fora do EP), todas as testemunhas de acusação referem que os valores em causa se reportam a valores de jogos de...

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