Acórdão nº 1546/19.2T8SRE.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 18-05-2020
Data de Julgamento | 18 Maio 2020 |
Número Acordão | 1546/19.2T8SRE.C1 |
Ano | 2020 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra |
I – RELATÓRIO
O Condomínio do Edifício b..., Blocos A, B e C, instaura a presente ação executiva para pagamento de quantia certa sob a forma ordinária contra I... – Empreendimentos Imobiliários, S.A., com base na Ata da Assembleia de Condomínio nº 15, realizada no dia 3 de novembro de 2018, alegando, em síntese: pelo menos desde 2014 que a executada não procede ao regular funcionamento das quotizações devidas e inerentes às despesas correntes do Edifício; como resulta da referida Ata, em tal data a executada era devedora da quantia de 14.337,74 €, contabilizadas até outubro de 2018; a tal valor acrescem quotizações, aprovadas em assembleia e contabilizadas até julho de 2019, no valor de 451,71 €.
O juiz a quo proferiu despacho de indeferimento liminar, aqui sob impugnação, com fundamento em que a ata da reunião de assembleia de condomínio não tem a força de título executivo para pagamento das quantias sob cobrança, e ainda em que, a haver titulo válido, a liquidação apresentada é totalmente incompreensível, sendo inexplicável como alcançam o valor de 5.168,10 €.
Inconformada com tal decisão, a Exequente dela interpõe recurso de apelação, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões, que aqui reproduzimos por súmula[1]:
...
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 657º do CPC cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se a Ata nº 15 de 3 de novembro de 2018 constitui titulo executivo bastante para as quantias sob cobrança.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
O despacho recorrido indeferiu liminarmente a execução com fundamento em que a Ata de reunião da assembleia de condomínio não tem a necessária força de título executivo, baseando-se nas seguintes considerações:
“(…)
Deste modo, a acta que constitui, à face da lei, título executivo, é a acta da reunião da assembleia de condóminos que documente a deliberação da qual nasce a obrigação de pagamento da contribuição por parte do condómino e estipule o prazo e o modo de pagamento e não já a que declare, tão só, o montante da dívida, desacompanhada dos elementos que contenham a fixação da quota-parte devida a título de contribuição de condomínio.
Com efeito, o elenco legal dos títulos executivos é típico e taxativo, não admitindo interpretações extensivas, e a excepcional força executiva atribuída por lei à acta da reunião da assembleia de condóminos circunscreve-se àquelas despesas que se encontram taxativamente previstas no art.º 6.º/1 do DL.268/94 o qual apenas se reporta às despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns, bem como ao pagamento de serviços comuns que não devam ser suportadas pelo condomínio (por outras palavras: são encargos colectivamente suportados pelo conjunto de todos os condóminos, mas a pagar individualmente por cada um deles na proporção da quota-parte que o valor da respectiva fracção representa do valor total do prédio). Deste modo, só quanto a estas obrigações pode a acta constituir título executivo, e não quanto a quaisquer outros montantes objecto de deliberação facultativa dos condóminos mas não protegidos pela lei com força executiva.
Assim:
Não constitui título executivo a acta que documente deliberações sobre aplicação de penas pecuniárias ao abrigo do art.º 1434.º CC. (…)
Não constitui título executivo a acta que documente deliberações a impor apenas sobre um determinado condómino (sem o seu acordo) o pagamento de determinadas despesas ou serviços, nomeadamente de cobrança de dívidas e de honorários de Mandatários ou Agentes de Execução.
(…)
*
No caso concreto:
A acta apresentada como título executivo com o requerimento executivo (RE) apenas fazem mera referência às alegadas dívidas da condómina aqui Executada/Embargante anteriores a essa acta.
Estas deliberações não criam qualquer obrigação jurídica para a condómina, pelo que não fica a mesma, por força destas deliberações, vinculada a qualquer pagamento ao condomínio [seria algo semelhante a reconhecer força executiva não a um reconhecimento de dívida pelo devedor (art.º 458.º CC) mas, ao contrário, a um mero reconhecimento de crédito pelo próprio credor. Nas palavras do Professor ALBERTO DOS REIS (“Código de Processo Civil Anotado”, Volume III, 4.ª Edição, página 437): “De que valeria alguém declarar em documento particular que determinada pessoa ficava obrigada a pagar-lhe certa quantia? Como ninguém pode criar, por simples acto seu, título de obrigação a seu favor, é claro que a declaração referida nenhum valor teria como fonte de obrigação; não passava de mera afirmação ou pretensão, sem efeito vinculativo em relação ao pretenso devedor.”].
Por outro lado, a nosso ver, o que a lei pretende ao atribuir força executiva à acta da reunião da assembleia de condóminos é possibilitar ao condomínio um meio célere e logo executivo para obter o cumprimento das suas deliberações quanto ao pagamento dos montantes das quotas-partes a cargo de cada um dos condóminos da aprovada quantia colectiva global necessária para executar as suas competências de administração das partes comuns e não para, sem recurso à acção declarativa, obter o pagamento de indemnizações ou despesas, deliberadas pelo condomínio contra o condómino relapso, por incumprimento da obrigação de pagamento das quotas-partes.
Deste modo, também não existe título executivo que permita a cobrança de multas, penalizações, honorários e outras quantias sancionatórias.
Em conclusão, a nosso ver, a acta da reunião da assembleia de condóminos apresentada não tem a necessária força de título executivo para cobrança coactiva das quantias peticionadas à luz do art.º 6.º/1 do DL 268/94, de 25/10.”
Insurge-se a Apelante contra o decidido com a alegação de que a doutrina e a jurisprudência se têm dividido quanto à definição das deliberações da assembleia de condóminos passíveis de servir como titulo executivo: enquanto uns somente atribuem força executiva às Atas em que se proceda à liquidação dos valores em dívida de condóminos concretos outros defendem serem títulos executivos as Atas que definem a fixação dos montantes das contribuições devidas ao condomínio em cada ano pelos condóminos. E daí conclui que a divergência tem vindo a convergir a favor da 2º tese, à qual adere, invocando a seu favor o a tal respeito afirmado por Henrique Delgado de Carvalho: “Consideramos como melhor doutrina a primeira das soluções apontadas, porque a fonte da obrigação pecuniária do condómino relapso é a própria assembleia de condóminos, vertida em ata, que aprova e fixa o valor a pagar de imediato e para o futuro, correspondente à sua quota parte nas contribuições e nas despesas comuns. Mais invoca ainda a seu favor uma série de acórdãos que se pronunciam no sentido de que a força executiva de uma ata de assembleia de condóminos não depende da liquidação do montante concretamente em dívida, bastando que os dados da ata e dos demais documentos que a completam permitam determinar esse valor.
De tal alegação se extrai que a Apelante não atingiu o sentido das razões que estão na base do indeferimento liminar, assim como, não terá entendido o alcance quer da doutrina, quer da jurisprudência que invoca.
Desde logo a opinião expressa por Henrique Delgado de Carvalho, citada pela Apelante, vai precisamente no sentido da...
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