Acórdão nº 154/15.1YFLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 23-12-2015

Data de Julgamento23 Dezembro 2015
Case OutcomeINDEFERIDO
Classe processualHABEAS CORPUS
Número Acordão154/15.1YFLSB.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam em audiência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça :

P.º n.º 154/15.1YFLSB.S1

AA, actualmente detido no Estabelecimento Prisional Regional de … , vem , pelo seu próprio punho , ao abrigo dos artºs 31º, nºs 1 e 2 da CRP e o 222º, nºs 1 e 2 do CPP, requerer Habeas Corpus em benefício do cidadão BB, ,que se encontra preso há mais de 29 anos, desde 1986 e actualmente no Estabelecimento Prisional de … .

Começa por suscitar a seguinte questão prévia:

Atendendo ao teor do “ Habeas Corpus “, e à problemática jurídico-penal subjacente, é preferível que a decisão a proferir seja tomada pelo plenário do Supremo Tribunal de Justiça.

Alega, de seguida , que :

1- O cidadão BB cumpre, de forma sucessiva, 3 penas de prisão, a saber:

a) 10 a 20 anos indeterminada, aplicada pelo antigo Tribunal Judicial de Braga.

b) 2 a 9 anos indeterminada, aplicada pelo antigo Tribunal Judicial de Braga (977/95.6TBBRG).

c) 6 anos de prisão efectiva, aplicada pelo tribunal Judicial de Paços de Ferreira (Proc. 497/02.4TAPFR).

2- Ou seja, um total de 35 anos de prisão, e dos quais já cumpriu mais de 29 anos.

3- A primeira pena (10 a 20) já foi extinta, cumpriu os 20 anos.

4- Durante o cumprimento dessa pena, saiu numa precária, fez asneira e apanhou a 2ª pena, a de 2 a 9 anos.

5- E na prisão, sucumbido pela pobreza, foi a “borrega” ou a “mula” do traficante, que da pobreza miserável dele se aproveitou, e foi apanhado com droga. Mais, 6 anos de prisão efectiva.

6- Ou seja, nesta última, já não foi inimputável, e com o devido respeito pelas anteriores decisões, se ele era inimputável e “lhe foi” aplicada a medida de internamento, porque razão ele cumpre pena na ala do E.P. Paços de Ferreira, com os imputáveis? Estranho!!

7- Enquanto eu próprio estive recluso no E.P. de Paços de Ferreira, ele cumpria (e cumpre) a pena na mesma ala que eu, ou seja, internado nunca esteve, pois ele é o recluso mais antigo do E.P.

8- Sairam, desde 1986 até 1999, alguns perdões e amnistias, mas, sabe-se lá porquê, nenhum desconto lhe foi efectuado, mesmo os crimes dele serem furtos.

9- Diz a lei, no seu artigo 41º, nº 2 do Código Penal que “o limite máximo da pena de prisão é de 25 anos nos casos previstos na lei”.

10 – O nº 3 do mesmo artigo vai mais longe: “em caso algum pode ser excedido o limite máximo referido no número anterior”.

11 – Em caso algum, ou o Sr. BB será diferente?

12- Além disso, ao cumprir penas sucessivas, o nº 3 do art. 63º do Código Penal diz que a liberdade condicional é obrigatória para penas superiores a 6 anos, como é o caso, ainda que o recluso se tenha ausentado ilegitimamente do E.P., conforme Ac. nº 3/2006, do S.T.J., de 23 de Novembro de 2005, como também é o caso.

13 – Foi-lhe revogada a precária, mas o que o T.E.P. do Porto não fez foi a liquidação da soma das penas, e indicar-lhe a data dos cinco sextos da soma das penas.

14 – E por um princípio de igualdade, se todos os presos a cumprir penas superiores a 6 anos têm os 5/6 da pena, o BB também tem que ter.

15 – O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, em 1996, no caso “Silva Rocha C. Portugal” queixa nº 18165/91 pronunciou-se sobre o limite minímo da medida de internamento, e também nos dois casos “Magalhães Pereira C. Portugal” nas queixas 44872/98, de 26-2-2002; e 15996/02, de 20-12-2005.

16 – Também um Ac. do T. R. Porto de 14 de Abril de 2013 diz “A afetação à unidade de saúde mental não prisional é estranha à revisão obrigatória”.

17 – Importa dizer que o E.P. Paços de Ferreira não é – nem nunca foi – unidade de saúde mental ou psiquiatrica.

18 – Como refere também, de forma espetacular, o Acordão do Tribunal da Relação do Porto proferido a 22 de Janeiro de 2014, no proc. 1466/11.9TXPRT-G.P1, e que, aqui se junta cópia em doc. 2, seguinte: “por outro lado, não podemos ainda de deixar de considerar, ser hoje [um] dado adquirido que, a partir de um certo limite, a privação de liberdade prejudica a recuperação do delinquente para a sociedade, impedindo a sua recuperação e ressocialização. Não sendo despiciendo notar que esse limite foi entre nós situado nos 25 anos (cfr. nº 2 do art. 77º do Código Penal) que é precisamente o período do tempo ao longo do qual o arguido esteve preso ininterruptamente.”

19 – Ora, no caso acima assinalado, aquele recluso cumpria sucessivamente, 4 penas de prisão sucessivas:

a) 17 anos

b) 12 anos e 3 meses

c) 5 anos e 4 meses

d) 3 anos

Total: 37 anos e 7 meses que começou a cumprir a 20 de Maio de 1988.

20- Já o BB, cumpre menos tempo, ou seja 35 anos, de 3 penas, e iniciou o cumprimento em 1986 (quase 2 anos antes) e já leva cumpridos mais de 29 anos de prisão.

21- Assim, a dimensão normativa contida no nº 3 ao Artº 63º do Código Penal, quando interpretada no sentido de não ser colocado em liberdade condicional o condenado que cumpre 3 penas de prisão que totalizam 35 anos, de forma sucessiva, ainda que duas penas tenham sido “medidas de internamento” - que cumpriu em prisão, tendo já atingido os cinco sextos da soma das penas, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios do estado de direito democrático, dignidade da pessoa humana, igualdade, protecção da confiança jurídica, ressocialização, ínsitos nos artigos 1º, 2º, 13º, 20º, 30º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

22- A aritmética diz-nos que 35 anos são 420 meses de prisão, os cinco sextos são 29,1666 anos.

23- Estando o cidadão BB preso desde 14 de Outubro de 1986, os 29 anos estão cabalmente preenchidos, se o equivalente aos “ ,1666” for um mês e 6 dias [1], tenho para mim, que se atingiu o limite máximo de prisão e deverá ser decretada a libertação imediata do cidadão BB, pelos 5/6 da soma das penas que cumpre sucessivamente, e desde sempre, no E.P. Paços de Ferreira, sujeitando-se às condicionantes do regime de liberdade condicional previsto no Artº 64º, nº1 do Código Penal.

24- Com o devido respeito, que é muito, face a uma situação destas, que é difícil de se ver, e totalmente indesejável, a verdade é que são tempos agora modernos, com uma justiça modernizada, que deve pôr termo a estas “longuíssimas prisões”.

O cidadão, recluso, BB é um recluso extremamente pobre, quase não tem família e nada lhe resta nesta vida a não ser um outro ou outro amigo que ele conheceu na prisão.

Por todo o exposto, vem requerer a liberdade imediata do recluso BB, detido no E.P. Paços de Ferreira desde 14 de Outubro de 1986, por ter atingido os cinco sextos da soma das penas que cumpre sucessivamente.

A Exm.ª Sr.ª Juiz prestou a informação prevista no art.º 223 .º n.º 1 , do CPP .

I . Colhidos os legais vistos , convocada a Secção Criminal , notificados o M.º P.º e o defensor , cumpre decidir em audiência de julgamento .

A questão da competência para decisão do “ habeas corpus “ instaurado, não se soluciona segundo a preferência do requerente , mas segundo regras préfixadas por lei , a que deve obedecer-se , particularmente o art.º 11.º n.º 4 al. C) , expresso em atribuir competência às Secções do STJ para conhecer dos pedidos de “ habeas corpus “ , excluindo o seu n.º 3 a competência material e funcional para o efeito do Pleno daquelas Secções , do mesmo modo que o art.º 223.º n.º 2 , do CPP , ao mencionar que se for constatado a partir da informação prestada pelo juiz que a prisão se mantém , o Presidente do STJ , convocará a Secção Criminal , à qual incumbe emitir pronúncia no âmbito do seu n.º 4 .

A providência é instaurada em nome e no interesse de um cidadão privado da sua liberdade por um outro , tal como consentido por lei no art.º 31.º n.º 2 ,...

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