Acórdão nº 1537/16.5T8STR-B.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 02-10-2018
Data de Julgamento | 02 Outubro 2018 |
Número Acordão | 1537/16.5T8STR-B.E1 |
Ano | 2018 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Processo n.º 1537/16.5T8STR-B.E1
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
Apelante: CC, SA (ré).
Apelado: BB (autor).
Tribunal do Trabalho de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J 2.
1. Na audiência de preliminar partes que que teve lugar nestes autos em 15 de março de 2017, foi proferido, além de outros que não estão aqui em causa, o seguinte despacho: “A ré veio deduzir reconvenção peticionando:
- A compensação do crédito no valor de € 6 041,42, acrescida de penalização de 50%, que detém sobre o autor, referente a valores devidos pela falta de emissão dos recibos respeitantes a honorários pagos pelos serviços prestados de 2012 a março de 2013;
- A compensação do valor das mensalidades vencidas e vincendas, seguros, impostos e outros encargos, com início em novembro de 2015, respeitante ao contrato de locação financeira da viatura a que o autor se refere na petição inicial e que este não cumpriu;
- A titulo subsidiário, a compensação da quantia de € 15.131,56 pela utilização da viatura durante a vigência do contrato de trabalho, porquanto aquela utilização não era componente da retribuição;
- A compensação da quantia de € 787,65 referente ao período de 45 dias da sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição e antiguidade aplicada ao autor, pelo que requer a compensação pelo referido valor.
O autor contestou o teor da mesma, peticionando pela sua improcedência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir sobre a admissibilidade do pedido reconvencional.
Dispõe o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo de Trabalho que “ sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 98.º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, ou na alínea p) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.”
Deverá concluir-se que a admissibilidade da reconvenção em processo de trabalho está dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, os quais se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a par de outros de carácter processual ou adjetivo, referentes à forma do processo e competência do tribunal.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 30.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho e 126.º, al. o) da Lei n.º 62/2013, de 26/08, é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional, não apenas quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, mas ainda quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à ação uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência, salvo no caso de compensação, em que a conexão é dispensada.
O sentido da expressão ‘facto jurídico que serve de fundamento à ação’ deve ser entendido como referindo-se à causa de pedir, ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão.
As relações de conexão, para que operem, devem estabelecer-se entre as questões reconvencionais e a ação, ou seja quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.
Vejamos, então:
No que concerne aos pedidos de compensação do crédito no valor de € 6 041,42, acrescida de penalização de 50%, que detém sobre o autor, referente a valores devidos pela falta de emissão dos recibos respeitantes a honorários pagos pelos serviços prestados de 2012 a março de 2013 e de compensação do valor das mensalidades vencidas e vincendas, seguros, impostos e outros encargos, com início em novembro de 2015, respeitante ao contrato de locação financeira da viatura a que o autor se refere na petição inicial e que este não cumpriu e do pedido subsidiário de compensação da quantia de € 15.131,56 pela utilização da viatura durante a vigência do contrato de trabalho, constata-se que a respetiva causa de pedir assenta em factos consubstanciadores de relações contratuais que não constituem relações contratuais laborais.
A questão referida objeto do pedido reconvencional não se enquadra, assim, em nenhuma das situações previstas no citado artigo 30.º
Não opera, assim, a extensão da competência material do tribunal do trabalho que, por força dos pressupostos ali previstos, lhe atribui competência para o conhecimento de determinadas questões para as quais poderia ele carecer de tal competência. Necessário é, contudo, que se verifiquem os requisitos nela previstos, a saber: a) que entre a ação e a reconvenção exista uma relação de conexão, ou seja, quando o pedido reconvencional esteja relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, complementaridade ou dependência; b) ou que o réu se proponha obter a compensação.
Como se refere no Acórdão do STJ de 22.11.06 (in www.dgsi.pt, Acórdãos do STJ, Proc. 06S1822), a relação de acessoriedade e a relação de dependência pressupõem que haja um pedido principal (uma relação principal). Tanto o pedido acessório, como o dependente estão objetivamente subordinados a esse pedido (principal). A diferença está na intensidade do nexo de subordinação. O pedido dependente não subsiste se desligado da relação principal.
A relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um "complemento" do pedido formulado na ação. Não há subordinação, mas interligação. A discussão daquele pedido "completa" a relação jurídica (ou relações jurídicas) subjacente(s) à ação. Se estiverem em causa diferentes direitos de crédito - na ação e na reconvenção - é relativamente a tais relações de crédito, objetiva e subjetivamente consideradas, que se tem que aferir se existe a apontada complementaridade.
No caso, o autor pretende a condenação da ré a pagar-lhe créditos laborais em dívida.
Ora, não existe, entre os pedidos formulados na ação e na reconvenção, e respetivas causas de pedir, qualquer relação de conexão, não sendo o pedido reconvencional acessório, complementar ou dependente de qualquer um dos pedidos formulados pelo autor.
Relativamente ao pedido de compensação da quantia de € 787,65 dir-se-á que por a mesma resultar de sanção aplicada em processo disciplinar que culminou com o despedimento, também não se verificam os referidos elementos de conexão, em face do que a seguir se dirá acerca da admissibilidade do pedido relacionado com a apreciação da ilicitude do despedimento.
No que concerne à pretensa compensação:
A “compensação” é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como subrogado dela, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito libertando-se do seu débito, por uma espécie de ação direta.
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 9/9/2010 (P. n.º 652/07.0TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj), já decidiu, em termos que acompanhamos, que “quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e tornar essa compensação efetiva através de uma declaração deste último”.
Ora, o recurso à compensação, postula o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo.
No que concerne à compensação pedida a título subsidiário, para o caso de existir o crédito da outra parte, parece resultar claro que o legislador proibiu expressamente a declaração de compensação feita sob condição, cominando a declaração de compensação feita sob condição de ineficácia – cf. artigo 848.º n.º 2 do Código Civil.
Deste modo, a reconvenção para compensação eventual, relativa a um crédito eventual, apresentada pela empregadora não é admissível.
Deste modo, sendo esta compensação insuscetível de se poder fazer valer na ação, também a ré se não pode dela aproveitar.
Em face disto, não operando a extensão da competência deste Juízo, carece, o mesmo, de competência material para o conhecimento segmento do pedido reconvencional, pelo que a reconvenção deduzida pela ré é inadmissível.
A inadmissibilidade da reconvenção constitui uma exceção dilatória inominada (v. Lebre de...
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora
I – RELATÓRIO
Apelante: CC, SA (ré).
Apelado: BB (autor).
Tribunal do Trabalho de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J 2.
1. Na audiência de preliminar partes que que teve lugar nestes autos em 15 de março de 2017, foi proferido, além de outros que não estão aqui em causa, o seguinte despacho: “A ré veio deduzir reconvenção peticionando:
- A compensação do crédito no valor de € 6 041,42, acrescida de penalização de 50%, que detém sobre o autor, referente a valores devidos pela falta de emissão dos recibos respeitantes a honorários pagos pelos serviços prestados de 2012 a março de 2013;
- A compensação do valor das mensalidades vencidas e vincendas, seguros, impostos e outros encargos, com início em novembro de 2015, respeitante ao contrato de locação financeira da viatura a que o autor se refere na petição inicial e que este não cumpriu;
- A titulo subsidiário, a compensação da quantia de € 15.131,56 pela utilização da viatura durante a vigência do contrato de trabalho, porquanto aquela utilização não era componente da retribuição;
- A compensação da quantia de € 787,65 referente ao período de 45 dias da sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição e antiguidade aplicada ao autor, pelo que requer a compensação pelo referido valor.
O autor contestou o teor da mesma, peticionando pela sua improcedência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir sobre a admissibilidade do pedido reconvencional.
Dispõe o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo de Trabalho que “ sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 98.º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, ou na alínea p) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.”
Deverá concluir-se que a admissibilidade da reconvenção em processo de trabalho está dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, os quais se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a par de outros de carácter processual ou adjetivo, referentes à forma do processo e competência do tribunal.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 30.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho e 126.º, al. o) da Lei n.º 62/2013, de 26/08, é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional, não apenas quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, mas ainda quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à ação uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência, salvo no caso de compensação, em que a conexão é dispensada.
O sentido da expressão ‘facto jurídico que serve de fundamento à ação’ deve ser entendido como referindo-se à causa de pedir, ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão.
As relações de conexão, para que operem, devem estabelecer-se entre as questões reconvencionais e a ação, ou seja quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.
Vejamos, então:
No que concerne aos pedidos de compensação do crédito no valor de € 6 041,42, acrescida de penalização de 50%, que detém sobre o autor, referente a valores devidos pela falta de emissão dos recibos respeitantes a honorários pagos pelos serviços prestados de 2012 a março de 2013 e de compensação do valor das mensalidades vencidas e vincendas, seguros, impostos e outros encargos, com início em novembro de 2015, respeitante ao contrato de locação financeira da viatura a que o autor se refere na petição inicial e que este não cumpriu e do pedido subsidiário de compensação da quantia de € 15.131,56 pela utilização da viatura durante a vigência do contrato de trabalho, constata-se que a respetiva causa de pedir assenta em factos consubstanciadores de relações contratuais que não constituem relações contratuais laborais.
A questão referida objeto do pedido reconvencional não se enquadra, assim, em nenhuma das situações previstas no citado artigo 30.º
Não opera, assim, a extensão da competência material do tribunal do trabalho que, por força dos pressupostos ali previstos, lhe atribui competência para o conhecimento de determinadas questões para as quais poderia ele carecer de tal competência. Necessário é, contudo, que se verifiquem os requisitos nela previstos, a saber: a) que entre a ação e a reconvenção exista uma relação de conexão, ou seja, quando o pedido reconvencional esteja relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, complementaridade ou dependência; b) ou que o réu se proponha obter a compensação.
Como se refere no Acórdão do STJ de 22.11.06 (in www.dgsi.pt, Acórdãos do STJ, Proc. 06S1822), a relação de acessoriedade e a relação de dependência pressupõem que haja um pedido principal (uma relação principal). Tanto o pedido acessório, como o dependente estão objetivamente subordinados a esse pedido (principal). A diferença está na intensidade do nexo de subordinação. O pedido dependente não subsiste se desligado da relação principal.
A relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um "complemento" do pedido formulado na ação. Não há subordinação, mas interligação. A discussão daquele pedido "completa" a relação jurídica (ou relações jurídicas) subjacente(s) à ação. Se estiverem em causa diferentes direitos de crédito - na ação e na reconvenção - é relativamente a tais relações de crédito, objetiva e subjetivamente consideradas, que se tem que aferir se existe a apontada complementaridade.
No caso, o autor pretende a condenação da ré a pagar-lhe créditos laborais em dívida.
Ora, não existe, entre os pedidos formulados na ação e na reconvenção, e respetivas causas de pedir, qualquer relação de conexão, não sendo o pedido reconvencional acessório, complementar ou dependente de qualquer um dos pedidos formulados pelo autor.
Relativamente ao pedido de compensação da quantia de € 787,65 dir-se-á que por a mesma resultar de sanção aplicada em processo disciplinar que culminou com o despedimento, também não se verificam os referidos elementos de conexão, em face do que a seguir se dirá acerca da admissibilidade do pedido relacionado com a apreciação da ilicitude do despedimento.
No que concerne à pretensa compensação:
A “compensação” é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como subrogado dela, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito libertando-se do seu débito, por uma espécie de ação direta.
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 9/9/2010 (P. n.º 652/07.0TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj), já decidiu, em termos que acompanhamos, que “quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e tornar essa compensação efetiva através de uma declaração deste último”.
Ora, o recurso à compensação, postula o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo.
No que concerne à compensação pedida a título subsidiário, para o caso de existir o crédito da outra parte, parece resultar claro que o legislador proibiu expressamente a declaração de compensação feita sob condição, cominando a declaração de compensação feita sob condição de ineficácia – cf. artigo 848.º n.º 2 do Código Civil.
Deste modo, a reconvenção para compensação eventual, relativa a um crédito eventual, apresentada pela empregadora não é admissível.
Deste modo, sendo esta compensação insuscetível de se poder fazer valer na ação, também a ré se não pode dela aproveitar.
Em face disto, não operando a extensão da competência deste Juízo, carece, o mesmo, de competência material para o conhecimento segmento do pedido reconvencional, pelo que a reconvenção deduzida pela ré é inadmissível.
A inadmissibilidade da reconvenção constitui uma exceção dilatória inominada (v. Lebre de...
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