Acórdão nº 1528/10.0TJVNF-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 24-10-2011
Data de Julgamento | 24 Outubro 2011 |
Número Acordão | 1528/10.0TJVNF-A.P1 |
Ano | 2011 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Processo n.º 1528/10.0TJVNF-A.P1
Recorrente/Exequente – B…, S.A
Recorrida/Executada/Oponente – C…, Lda.
1 - Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância
A sociedade executada, agora recorrida, veio deduzir oposição à execução e à penhora, nos autos em que é exequente o Banco recorrente. Fundamentando a oposição invocou, por excepção, a prescrição do direito de acção, baseando-se no disposto no artigo 70.º da LULL. Sem prescindir, invocou a inexistência de causa de pedir, ou seja, a ineptidão do requerimento executivo, dado que da letra não consta a menção “transacção comercial” e naquele requerimento não são alegados factos que possam consubstanciar a existência de transacções comerciais. Por fim, e ainda sem prescindir, acrescenta que são falsos os factos alegados no requerimento executivo, dado que a exequente conhece que nunca houve qualquer relação comercial entre as executadas, referente à letra de câmbio dada à execução.
Admitida a oposição, a exequente contestou. Em relação à “alegada prescrição”, diz-se legítima portadora da letra, aceite e endossada à oponente, e que a dívida assumida pelas devedoras, identificadas no título executivo, mantém-se válida e subsistente, constituindo a letra um documento particular assinado, entre outros, pela oponente, o qual importa a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias. Acrescenta, sem prescindir, que alega expressamente no requerimento executivo, as relações comerciais que subjazem à presente execução. Finalmente, refere que não constituem fundamento de oposição à penhora os factos alegados pela opoente, porquanto o incidente de oposição à penhora constitui um meio de reacção à penhora, ilegalmente efectuada, o que aqui não sucedeu.
Depois dos articulados acabados de referir, o processo foi concluso e as partes foram notificadas da possibilidade de imediato conhecimento do mérito no saneador; depois, nessa ocasião, foi proferida decisão final (saneador/sentença), que assim concluiu: “… julgo a oposição à execução procedente e, consequentemente, determino a extinção da execução, quanto à executada, ora oponente. Custas a cargo do exequente – artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil”.
1.2 – Do recurso
Inconformado com o decidido, o exequente veio apelar a esta Relação. Formula as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso foi interposto do douto despacho saneador / sentença proferido pela Mª. Juiz “a quo”, a fls., do processo, que julgou procedente a oposição à execução intentada por C…, Lda.
2 - Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a M.ª Juiz "a quo" não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.
3 - O artigo 46.º, nº 1 do Código de Processo Civil (doravante CPC), na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 329-A/95, referia, taxativamente na alínea c), quais os títulos que podiam servir de base à execução: as letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas, e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis.
4 - A entrada em vigor do referido diploma legal alterou o teor da referida alínea do artigo 46.º do CPC para a seguinte formulação: “à execução apenas podem servir de base: c) os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º, ou de obrigação de entrega de coisa móveis ou de prestação de facto”.
5 - A reforma do mencionado normativo legal teve como desiderato, como se retira do seu preâmbulo, o alargamento do conjunto de títulos que poderiam servir de base à acção executiva.
6 - Assim, a única distinção entre os títulos cambiários e um outro qualquer documento particular assinado pelo devedor reside no facto de os primeiros constituírem uma obrigação cambiária de carácter abstracto, ou seja, desprendem-se da causa que lhes deu origem.
7 - Face ao exposto e atenta a redacção actual do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), é lídimo e pacífico entendimento, na doutrina e jurisprudência que o título cambiário prescrito continua a valer como título executivo, pois mantém a qualidade de documento particular assinado pelo devedor, desde que, no entanto, se faça expressa referência à relação material que lhe subjazeu, uma vez que a abstracção do título se perde com a prescrição.
8 - O Recorrente é legítimo portador de uma Letra de Câmbio, no valor de Eur. 7.600,00 (sete mil e seiscentos euros), sacada pela sociedade D…, Lda., aceite pela Executada, E…, Lda. e, posteriormente, endossada à, aqui recorrida, C…, Lda.
9 - Na sequência das operações cambiárias referidas, a oponente, ora recorrida, C…, Lda. procedeu ao endosso da referida letra de câmbio ao Banco Recorrente.
10 - Essa operação cambiária materializou-se numa operação bancária de desconto de letra de câmbio, mediante a qual o Banco satisfez a necessidade de financiamento invocada pela sociedade Recorrida.
11 - O desconto bancário de letra pode ser reconduzido a uma espécie de contrato de mútuo com garantia, através do qual uma qualquer Instituição Bancária antecipa os montantes inscritos no título cambiário, que, para o efeito, lhe é endossado.
12 - Ora, como resulta da análise do requerimento executivo apresentado, o exequente, ora recorrente, refere expressamente o negócio causal que esteve na base do negócio cambiário, porquanto, no mencionado articulado, refere-se: “a pedido da Executada “C…, Lda.”, a referida letra foi descontada pelo, ora, Exequente B…, S.A., conforme se comprova pela proposta de desconto (Doc. n.º 4) e respectivo extracto bancário (Doc. n.º 5) que ora se juntam para os devidos e legais efeitos.” (Cfr. requerimento executivo apresentado).
13 - O Banco Recorrente, a pedido da C…, Lda. abriu uma conta de depósitos à ordem, com o número …………, sendo que a mesma era por ela, livremente, movimentada e nesta eram lançados a créditos todos os depósitos nela efectuados e a débito todos os pagamentos através dela processados.
14 - Por meio de proposta de desconto assinada pela recorrida, o Banco recorrente creditou o montante titulado na letra de câmbio, na supra-referida conta de depósitos à ordem, conforme se alcança do extracto de conta junto com o requerimento executivo.
15 - Como facilmente se alcança do requerimento executivo apresentado e dos documentos que o acompanham, o Banco apelante, para além da expressa invocação da relação material subjacente ao negócio cambiário, faz prova da operação bancária efectuada, através da proposta de desconto assinada pela recorrida e pelo extracto de conta, do qual resulta inequivocamente a antecipação à recorrida do montante inscrito no título cambiário, que esta usou na totalidade e em proveito próprio.
16 - A executada, ora recorrida, através do endosso da Letra e concomitante operação de desconto, assumiu a obrigação do pagamento da quantia aposta na mesma, o que manifesta o expresso reconhecimento da obrigação assumida pessoalmente e o nexo entre a operação de desconto e o endosso do título de crédito é evidente.
17 - Veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 0426397: “I- O desconto bancário não consiste apenas na entrega a um Banco do título cambiário. II- Para além da entrega, é preciso atender à proposta de...
Recorrente/Exequente – B…, S.A
Recorrida/Executada/Oponente – C…, Lda.
1 - Relatório
1.1 – Os autos na 1.ª instância
A sociedade executada, agora recorrida, veio deduzir oposição à execução e à penhora, nos autos em que é exequente o Banco recorrente. Fundamentando a oposição invocou, por excepção, a prescrição do direito de acção, baseando-se no disposto no artigo 70.º da LULL. Sem prescindir, invocou a inexistência de causa de pedir, ou seja, a ineptidão do requerimento executivo, dado que da letra não consta a menção “transacção comercial” e naquele requerimento não são alegados factos que possam consubstanciar a existência de transacções comerciais. Por fim, e ainda sem prescindir, acrescenta que são falsos os factos alegados no requerimento executivo, dado que a exequente conhece que nunca houve qualquer relação comercial entre as executadas, referente à letra de câmbio dada à execução.
Admitida a oposição, a exequente contestou. Em relação à “alegada prescrição”, diz-se legítima portadora da letra, aceite e endossada à oponente, e que a dívida assumida pelas devedoras, identificadas no título executivo, mantém-se válida e subsistente, constituindo a letra um documento particular assinado, entre outros, pela oponente, o qual importa a constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias. Acrescenta, sem prescindir, que alega expressamente no requerimento executivo, as relações comerciais que subjazem à presente execução. Finalmente, refere que não constituem fundamento de oposição à penhora os factos alegados pela opoente, porquanto o incidente de oposição à penhora constitui um meio de reacção à penhora, ilegalmente efectuada, o que aqui não sucedeu.
Depois dos articulados acabados de referir, o processo foi concluso e as partes foram notificadas da possibilidade de imediato conhecimento do mérito no saneador; depois, nessa ocasião, foi proferida decisão final (saneador/sentença), que assim concluiu: “… julgo a oposição à execução procedente e, consequentemente, determino a extinção da execução, quanto à executada, ora oponente. Custas a cargo do exequente – artigo 446.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil”.
1.2 – Do recurso
Inconformado com o decidido, o exequente veio apelar a esta Relação. Formula as seguintes conclusões:
1 - O presente recurso foi interposto do douto despacho saneador / sentença proferido pela Mª. Juiz “a quo”, a fls., do processo, que julgou procedente a oposição à execução intentada por C…, Lda.
2 - Decidindo como decidiu, salvo o devido respeito, a M.ª Juiz "a quo" não fez correcta interpretação dos factos nem adequada aplicação do direito.
3 - O artigo 46.º, nº 1 do Código de Processo Civil (doravante CPC), na redacção anterior à introduzida pelo Decreto-Lei 329-A/95, referia, taxativamente na alínea c), quais os títulos que podiam servir de base à execução: as letras, livranças, cheques, extractos de factura, vales, facturas conferidas, e quaisquer outros escritos particulares, assinados pelo devedor, dos quais conste a obrigação de pagamento de quantias determinadas ou de entrega de coisas fungíveis.
4 - A entrada em vigor do referido diploma legal alterou o teor da referida alínea do artigo 46.º do CPC para a seguinte formulação: “à execução apenas podem servir de base: c) os documentos particulares assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável nos termos do artigo 805.º, ou de obrigação de entrega de coisa móveis ou de prestação de facto”.
5 - A reforma do mencionado normativo legal teve como desiderato, como se retira do seu preâmbulo, o alargamento do conjunto de títulos que poderiam servir de base à acção executiva.
6 - Assim, a única distinção entre os títulos cambiários e um outro qualquer documento particular assinado pelo devedor reside no facto de os primeiros constituírem uma obrigação cambiária de carácter abstracto, ou seja, desprendem-se da causa que lhes deu origem.
7 - Face ao exposto e atenta a redacção actual do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), é lídimo e pacífico entendimento, na doutrina e jurisprudência que o título cambiário prescrito continua a valer como título executivo, pois mantém a qualidade de documento particular assinado pelo devedor, desde que, no entanto, se faça expressa referência à relação material que lhe subjazeu, uma vez que a abstracção do título se perde com a prescrição.
8 - O Recorrente é legítimo portador de uma Letra de Câmbio, no valor de Eur. 7.600,00 (sete mil e seiscentos euros), sacada pela sociedade D…, Lda., aceite pela Executada, E…, Lda. e, posteriormente, endossada à, aqui recorrida, C…, Lda.
9 - Na sequência das operações cambiárias referidas, a oponente, ora recorrida, C…, Lda. procedeu ao endosso da referida letra de câmbio ao Banco Recorrente.
10 - Essa operação cambiária materializou-se numa operação bancária de desconto de letra de câmbio, mediante a qual o Banco satisfez a necessidade de financiamento invocada pela sociedade Recorrida.
11 - O desconto bancário de letra pode ser reconduzido a uma espécie de contrato de mútuo com garantia, através do qual uma qualquer Instituição Bancária antecipa os montantes inscritos no título cambiário, que, para o efeito, lhe é endossado.
12 - Ora, como resulta da análise do requerimento executivo apresentado, o exequente, ora recorrente, refere expressamente o negócio causal que esteve na base do negócio cambiário, porquanto, no mencionado articulado, refere-se: “a pedido da Executada “C…, Lda.”, a referida letra foi descontada pelo, ora, Exequente B…, S.A., conforme se comprova pela proposta de desconto (Doc. n.º 4) e respectivo extracto bancário (Doc. n.º 5) que ora se juntam para os devidos e legais efeitos.” (Cfr. requerimento executivo apresentado).
13 - O Banco Recorrente, a pedido da C…, Lda. abriu uma conta de depósitos à ordem, com o número …………, sendo que a mesma era por ela, livremente, movimentada e nesta eram lançados a créditos todos os depósitos nela efectuados e a débito todos os pagamentos através dela processados.
14 - Por meio de proposta de desconto assinada pela recorrida, o Banco recorrente creditou o montante titulado na letra de câmbio, na supra-referida conta de depósitos à ordem, conforme se alcança do extracto de conta junto com o requerimento executivo.
15 - Como facilmente se alcança do requerimento executivo apresentado e dos documentos que o acompanham, o Banco apelante, para além da expressa invocação da relação material subjacente ao negócio cambiário, faz prova da operação bancária efectuada, através da proposta de desconto assinada pela recorrida e pelo extracto de conta, do qual resulta inequivocamente a antecipação à recorrida do montante inscrito no título cambiário, que esta usou na totalidade e em proveito próprio.
16 - A executada, ora recorrida, através do endosso da Letra e concomitante operação de desconto, assumiu a obrigação do pagamento da quantia aposta na mesma, o que manifesta o expresso reconhecimento da obrigação assumida pessoalmente e o nexo entre a operação de desconto e o endosso do título de crédito é evidente.
17 - Veja-se a este respeito o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 25 de Janeiro de 2005, proferido no processo n.º 0426397: “I- O desconto bancário não consiste apenas na entrega a um Banco do título cambiário. II- Para além da entrega, é preciso atender à proposta de...
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