Acórdão nº 15229/18.7T8PRT.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 19-01-2023

Data de Julgamento19 Janeiro 2023
Case OutcomeNEGADA
Classe processualREVISTA
Número Acordão15229/18.7T8PRT.P1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível



I – RELATÓRIO


Italper, Sociedade de Representações e Comércio de Têxteis, Lda., intentou acção de condenação sob a forma de processo comum contra a Texpro SPA., pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de € 46.280,86, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, alegando, para tanto, em resumo que,

- celebrou com a ré um contrato de agência pelo qual se obrigou a promover por conta da ré a celebração de contratos de compra e venda de mercadorias que esta comercializa - tecidos e malhas em PFD (prepared-for-dye), e também em algumas situações, as mesmas malhas e tecidos tingidos já em cores, recebendo desta, como contrapartida, uma retribuição correspondente a uma comissão sobre o preço dos artigos vendidos, a clientes por aquela angariados.

- logo no início da relação contratual a ré tomou conhecimento que a autora já representava outras empresas concorrentes, facto que foi aceite, nunca tendo sido imposta pela ré ou acordada entre as partes qualquer exclusividade;

- enquanto agente da ré, desenvolveu uma intensa actividade para a divulgação e implantação de produtos do departamento de telas para a indústria de confecção e também para revenda em determinados armazéns da especialidade, o que deu resultados de maneira estruturada e com um crescimento sustentado, ao longo dos últimos quatro anos;

- as vendas da ré com contratos angariados pela autora durante os mais de 4 anos, 51 meses, que vigorou o contrato geraram comissões no valor de € 196.642,66;

- as vendas da ré em território nacional de tecidos e malhas acabadas — que eram praticamente inexistentes — começando assim praticamente de zero aumentaram substancialmente, tendo a autora angariado clientes muito importantes;

- entretanto, recebeu uma carta da ré datada de 29.09.2017, que antecipadamente lhe foi remetida por fax, comunicando lhe a resolução do contrato de agência, com justa causa, sendo o único motivo invocado o facto de a ré ter tomado conhecimento que a autora representa e promove a venda de produtos da GENERTEC, que é sua concorrente directa;

- a invocação desta actividade concorrente através da representação da GENERTEC foi um pretexto que a ré arranjou para pôr termo ao contrato de agência, tentando arranjar algum fundamento que se enquadrasse em “justa causa”, para se furtar, desse modo, ao pagamento da indemnização de clientela.;

- a autora, depois de reagir por mail de 29 de Setembro, reenviado em 2 de Outubro, sem qualquer resposta nessa altura, em 4 de Abril de 2018, enviou à ré uma carta refutando os motivos invocados e solicitando o pagamento da indemnização de clientela que, por lei, lhe é devida;

- a autora angariou uma vasta de carteira de clientes para a ré, aumentando significativamente o seu volume de negócios com o mesmo;

- a ré beneficia largamente do trabalho desenvolvido pela autora pois, neste momento, tem como clientes os que foram angariados por esta;

- a autora deixou de receber comissões por todos os contratos negociados e concluídos após a cessação do contrato de agência com clientes por si angariados.

Contestou a ré impugnando a factualidade alegada e deduzindo pedido reconvencional, pede a condenação da autora no valor de € 69.787,73, correspondente a um dano de perda de lucro no período compreendido entre 01.07.2017 a 30.09.2017.

A autora replicou.

No despacho saneador o processo foi tido como isento de nulidades ou de excepções do conhecimento oficioso e, na mesma ocasião foi fixado o objecto do litigio e os temas da prova.


Seguiu o processo para julgamento, ao qual se veio a proceder com observância de todo o legal formalismo e, que culminou com a prolação de sentença que julgou,

- a acção parcialmente procedente provada e em consequência foi a ré condenada a pagar à autora a quantia de € 25.000,00 a titulo de indemnização de clientela, acrescida de juros de mora, á taxa legal, contados desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, absolvendo a ré do demais peticionado e,

- o pedido reconvencional improcedente e dele absolveu a autora.


Inconformada com o assim decidido, recorre a ré, vindo a Relação do Porto, em acórdão, a conceder parcial provimento à apelação e, em consequência:

1. Revogar a sentença no segmento em que se decidiu condenar Ré a pagar à Autora a quantia de € 25.000,00, a título de indemnização de clientela e,

- determinar, assim, a sua absolvição do pedido

2. Mantendo-se, no entanto, a absolvição da Autora quanto ao pedido reconvencional.


*


Agora, por sua vez, inconformada, vem a Autora ITALPER – SOCIEDADE DE REPRESENTAÇÕES E COMÉRCIO DE TEXTEIS, LDA., interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes


CONCLUSÕES:

I. A maioria das alterações introduzidas pela Relação relativamente à matéria de facto enferma de invalidade, ao qualificar como factos aquilo que são meras conclusões ou interpretações, como é o caso dos “factos” aditados sob os n.ºs 6-A, 6-B, 6-C, 6-D e 14-B.


II. Além disso, esses “factos” (bem como o 14-F), mostram-se mesmo contraditórios e inconciliáveis com outros factos, também provados, como por exemplo os enunciados sob os n.ºs 6., 6-E, 7, 8 e 15.


III. Por isso, deverão os “factos” 6-A, 6-B, 6-C e 6-D e 14-F ser eliminados, repondo-se o textooriginaldofacto6e repondo-se ofacto9(indevidamenteeliminado pela Relação).


IV. Além disso, o douto acórdão recorrido errou ao decidir que a Autora incorreu em “grosseira violação do princípio da boa ”, pelo facto de ter “passado a representar, também, uma outra empresa que comercializava produto similar e conflituante com o que promovia em nome do principal”.


V. Ora, se é certo que, “no silêncio do contrato”, se presume que o agente está obrigado à exclusividade, não o é menos que, neste caso concreto, tal presunção foi afastada, mediante prova de que a Autora — com o conhecimento da Ré — desde o início representou empresas concorrentes do principal.


VI. Aliás, a Autora juntou aos autos, com o seu requerimento de 25/11/2020, 101 (cento e uma) faturas da ADS relativas à venda, entre 2015 e 2017, de produtos têxteis pfd/pfp — exatamente da mesma natureza daqueles que a Ré comercializa, sendo que uma parte substancial dessas vendas foi feita aos mesmos clientes a quem a Ré também fornecia tecidos pfd/pfp (v.g., a Polopiquê, a Confetil, a GIVEC, a Puzzle Perfil, a Largo Oceano, a 6 Dias, a Carnady, a WTG, a Teciblanka) conforme resulta do confronto dessas 101 faturas com as faturas juntas com a PI (docs. 1 a 26).


VII. Com essa prova, ficou demonstrado que Autora e Ré afastaram desde início o dever de exclusividade por parte do agente, que ao longo dos anos sempre foi representando livremente empresas concorrentes da Ré, com conhecimento desta (cf. n.ºs 6, 7 e 8 dos Factos provados).


VIII. Para afastar essa conclusão, a Relação embrenhou-se numa bizarra distinção entre “empresas”, “actividades” e “produtos” concorrentes, sustentando que “o que o legislador prevê, nesta matéria, não é tanto a formulação genérica de empresas concorrentes, mas sim, de actividades concorrentes, produtos concorrentes”.


IX. Como é óbvio, empresas concorrentes são aquelas que oferecem produtos ou serviços concorrentes. São aquelas que, oferecendo ao público bens satisfazendo necessidades idênticas, podem desviar clientes umas das outras.


X. Não faz, pois, qualquer sentido dissociar o conceito de “empresas concorrentes” da existência de “produtos concorrentes” ou “actividades concorrentes”. Sem estes, aquelas não existem!


XI. De resto, a relação de concorrência entre empresas não é uma questão de “tudo ou nada”, mas sim de doses, que podem ser maiores ou menores.


XII. Por isso, para que haja concorrência entre duas empresas não tem que haver coincidência total entre as suas gamas de produtos ou serviços; bastando que haja uma coincidência parcial, ou seja, alguma zona de interseção entre essas gamas de produtos ou serviços.


XIII. Pois bem, ficou ficado provado inequivocamente que a CNC e a ADS fornecem — e foram fornecendo a clientes angariados pela Autora, ao longo dos anos — produtos da mesma natureza daqueles que a Ré fornece (tecidos “PFD”) e até aos mesmos clientes que eram fornecidos pela Ré.


XIV. Por isso, só negando as evidências é que a Relação pôde afirmar que “a autora estava impedida, no silêncio do contrato, de exercer, por conta própria ou conta de outrem, actividades concorrentes, no mesmo sector de actividade, com produtos similares aos que lhe incumbia promover por conta da ré”.


XV. A Autora sempre foi livre para representar as empresas (concorrentes da Ré) que quisesse representar, oferecendo aos seus clientes produtos pfd/pfp de várias proveniências, fosse da Ré, fosse da ADS, da CNC ou de outros fornecedores, em função dos prazos de entrega praticados por cada uma, dos preços oferecidos ou de outras condições ou caraterísticas específicas.


XVI. Sendo assim, a Relação errou quando decidiu que a Autora “faltou ao cumprimento das suas obrigações” perante a Ré, e que incorreu em “grosseira violação do princípio da boa ”.


XVII. Pelo contrário, quem violou a boa fé foi a Ré, quando — invocando um pretexto irrelevante, de vendas de um concorrente que representavam “uma gota de água no oceano — veio resolver um contrato ao abrigo do qual a Autora lhe tinha angariado uma volumosa carteira de clientes e encomendas.


XVIII. O acórdão recorrido violou, pois, o disposto nos arts. 607/3 e 662 do CPC e 30 e 33 do DL 178/86, de 3 de julho.


Assim, julgando-se procedente o recurso e revogando-se o acórdão recorrido, deverá confirmar-se na íntegra a decisão da primeira instância, condenando-se a Ré nos termos aí indicados. Assim se fazendo inteira

JUSTIÇA.


*


Contra-alegou a Recorrida TEXPRO SPA, pugnando pela improcedência do recurso e,
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