Acórdão nº 1518/20.4T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 06-05-2024
Data de Julgamento | 06 Maio 2024 |
Número Acordão | 1518/20.4T8AVR.P1 |
Ano | 2024 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
Acordam os Juízes da 3.ª Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto, sendo
Relatora: Anabela Morais
Primeira Adjunta: Desembargadora Eugénia Maria Moura Marinho da Cunha
Segundo Adjunto: Desembargador Manuel Fernandes
I_ Relatório
O Autor AA intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum contra a Ré Companhia de Seguros Tranquilidade, ora A..., SA, pedindo a condenação desta no pagamento da quantia de €104.684,00, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que:
_ No dia 21 de Dezembro de 2019, foi atropelado pelo veículo de marca Audi, matrícula ..-RC-.., propriedade de BB e conduzido, no momento do acidente, pela sua filha, CC.
_ O acidente ocorreu por culpa do condutor do veículo Audi, encontrando-se a responsabilidade civil pelos danos emergentes de acidente de viação com intervenção deste veículo transferida para a ré, por contrato de seguro titulado pela apólice ....
_ Em consequência do acidente, sofreu lesões.
_ Perante as dores no joelho que não cessaram após o atendimento no serviço de urgência, precisou de consultas médicas, tendo pago a quantia de €60.00 em consulta de ortopedia, em 17/12/2019; e a quantia de €45,00, em consulta de medicina geral e familiar, em 29/01/2020.
_ Na queda, ficaram danificados os óculos que usava, no valor de €420,00 (quatrocentos e vinte euros), tendo os novos óculos sido orçados em €579,00.
_ No dia que antecedeu ao acidente - 10/12/2019 -, havia celebrado um contrato promessa de compra e venda através do qual “prometia vender pelo preço de €60.000,00 (sessenta mil euros) a fracção indicada no contrato, tendo recebido nesta data como sinal e princípio de pagamento a quantia de €40.000,00 (quarenta mil euros). Ficou estipulado que no acto da escritura de compra e venda, a outorgar no prazo de 10 dias, a promitente compradora pagaria a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros).
_ Devido às consequências do atropelamento, o Autor ficou impossibilitado de tratar dos documentos necessários para a escritura de compra e venda, o que gerou a “renúncia” do contrato de promessa de compra e venda e consequente devolução do sinal no valor de €40.000,00 (quarenta mil euros); tem, ainda, que devolver o mesmo valor correspondente ao dobro, tendo deixado de receber a quantia de € 20.000,00 (vinte mil euros).
_ Devido ao Estado de Calamidade Pública (à data da propositura da acção), aguarda condições para poder se deslocar aos seus médicos especialistas, razão pela qual, terá ainda mais despesas a suportar.
_ Precisou de usar canadianas pelo período de um mês, conforme orientação médica, tendo ficado parcialmente imobilizado durante esse período, com dores que ainda lhe atormentam.
_ Além da dor no joelho esquerdo, a queda no chão causou ferida no seu rosto com impacto no ouvido e olho esquerdo, tendo tido necessidade de se dirigir a uma consulta de especialidade para avaliação da extensão do trauma que sofreu no lado esquerdo da face, devido ao atropelamento.
_ A título de danos não patrimoniais, invoca o “abalo, psíquico e emocional” sofrido, “a dor física, a angústia de ficar temporariamente privado da sua liberdade, de dar os seus passeios, de visitar os amigos e familiares, de ter ficado limitado nos seus afazeres diários em decorrência do atropelamento”, quantificando tais danos na quantia de €4.000,00 (quatro mil euros).
*
Citada, a Ré A..., S.A. apresentou contestação aceitando a versão do acidente apresentada pelo Autor. Impugnou o valor dos danos, alegando que “o teor dos documentos juntos pelo autor sob os números 15, 16 (intitulado “CONTRATO PROMESSA COMPRA E VENDA”) e 17 (“intitulado “RENÚNCIA DO CONTRATO DE PROMESSA COMPRA E VENDA”) deixam as mais sérias dúvidas quanto à veracidade dos factos alegados nos itens 20 a 23 (inclusive) da petição inicial”.
Pediu a condenação do Autor como litigante de má fé, no pagamento de multa e de indemnização “a liquidar em momento posterior”.
I.1_Em 18/9/2020, foi proferido o seguinte despacho:
“Nos termos do art. 590º n.º 4 do CPC convido o Autor a aperfeiçoar o teor do artigo 22 da petição inicial concretizando quais documentos necessários para a escritura que não conseguiu e a razão dessa impossibilidade.
Deverá também pronunciar-se, caso pretenda, quanto ao pedido de litigância de má fé.
Prazo – 10 dias”.
I.2_ Por requerimento de 9/2/2021, o Autor alegou, em síntese, que à data do sinistro, não tinha, na sua posse, a caderneta predial actualizada, nem a certidão do registo predial referente ao imóvel, identificado no contrato promessa de compra e venda, nem meios eletrónicos ao seu dispor para reunir a referida documentação.
Nada referiu quanto ao pedido de condenação como litigante de má fé.
I.3_ Por requerimento de 22/2/2021, a Ré impugnou os factos alegados pelo Autor.
I.4_ Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, fixados o objecto do litígio e os temas da prova e apreciados os requerimentos probatórios.
Foi determinada a realização de diversas diligências, entre as quais:
_ a notificação do Banco de Portugal para vir aos autos informar se, no período compreendido entre os dias 10.12.2019 e 27.12.2019, o autor era titular de alguma conta bancária e identificadas todas as contas registadas em nome do mesmo, nesse período.
_ a notificação de DD para informar qual o meio de pagamento por si utilizado para liquidação do valor do sinal referente ao contrato promessa de compra e venda, alegadamente celebrado com o Autor, em 10.12.2019, e, ainda, juntar documento comprovativo desse pagamento e, tendo sido efectuado em numerário, para informar, de forma documentada, de que instituição bancária procedeu ao levantamento da quantia que utilizou para liquidação do valor do referido sinal.
_ a notificação do Autor para informar qual o meio de pagamento por si utilizado para a alegada devolução, a DD, do valor do sinal referente ao contrato promessa de compra e venda que alegadamente recebeu, em 10/12/2019; juntar documento comprovativo dessa devolução em 27/12/2019 e, tendo sido efectuado em numerário, informar de que instituição bancária procedeu ao levantamento da quantia que utilizou para liquidação do valor do referido sinal; e, ainda, informar se autoriza o levantamento do sigilo bancário.
I.5_ Por requerimento de 14 de Maio de 2021, o Autor veio informar que:
- não autoriza o levantamento do sigilo bancário por forma a permitir que o Banco de Portugal preste a informação solicitada;
- se encontrava a ser acompanhado na Clínica ... e que necessitava de ser intervencionado, tendo junto dois recibos emitidos pela Clínica ..., no valor de €60,00 cada, referentes a consultas de ortopedia em 20/10/2020 e 20/4/2021; relatório de ressonância magnética ao joelho esquerdo, datada de 12 de Outubro de 2020, e documento comprovativo do pagamento da quantia de €180,00; e informação clínica datada de 20/10/2020.
I.6_ Por requerimento de 14 de Maio de 2021, o Autor veio desistir da instância que não foi aceite pela Ré, posição manifestada por Requerimento de 1/7/2021.
I.7_ Por requerimento de 27 de Maio de 2021, a Ré impugnou a factualidade alegada pelo Autor, no requerimento de 14/5/2021, bem como os documentos então juntos e requereu a notificação do Banco de Portugal para vir prestar as informações solicitadas ou, caso assim não se entendesse, se instruísse o incidente tendente à quebra do sigilo invocado pelo Autor, nos termos dos artigos 417º nº 4, do CPC e 135º, n.º 3, do CPP.
I.8_ Por requerimento de 16/7/2021, veio o Autor requerer a junção aos autos de dois documentos, sendo um intitulado “contrato-promessa de compra e venda/com dação de parte em pagamento” e o segundo, intitulado “Renúncia”, datados de 10/12/2019 e 27/12/2019, respectivamente.
Justificou a apresentação de tais documentos alegando que:
_ A data da apresentação da PI coincidiu com a pandemia, pelo que o Autor não pôde reunir presencialmente com a Patrona que lhe havia sido nomeada, mantendo-se os contactos entre ambos à distância, sendo então enviada por email a documentação.
_ O Autor é leigo no que respeita ao uso da internet, e-mails e digitalizações de documentos, sentindo dificuldades em enviar e-mails, digitalizar documentos e anexar documentos aos e-mails, o que motivou o envio, à Patrona inicialmente nomeada, de um contrato-promessa e de uma “renúncia” errados, documentos que já tinham sido dados sem efeito entre o Autor e a Promitente-Compradora, facto que só agora se apercebeu.
_ Não pretende alterar a causa de pedir mas, unicamente, juntar o contrato e a renúncia correctos e válidos e que efectivamente foram celebrados com a Promitente-Compradora, mantendo tudo o mais já alegado na petição inicial, apenas ampliando os pedidos em conformidade com “os documentos correctos”.
_ Como consequência directa e necessária do acidente de viação sofrido pelo Autor, este não conseguiu cumprir com o contrato-promessa, tendo a Promitente-Compradora perdido o interesse em concretizar o contrato prometido e desistido do negócio, tendo aquele devolvido a quantia de €40.500,00, o que fez mediante a entrega de um veículo marca Toyota ... e de um veículo marca Alfa Romeo, aos quais atribuíram o valor total de €40.500.
_ O Autor acabou por vender o veículo Toyota à B..., Lda., tendo esta pago a quantia de €19.000 directamente à Promitente-Compradora DD.
_A Promitente-Compradora recebeu ainda a quantia de € 21.500 correspondente ao valor de mercado do veículo Alfa Romeo, “correspondendo então esta entrega dos veículos, à devolução do sinal dos € 40.500 que havia sido entregue ao Autor”.
_ Em consequência do acidente de viação, o Autor perdeu €40.500, deixou de receber €19.500, valor que era expectável receber, caso o negócio se concretizasse, e...
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