Acórdão nº 151/19.8T8AVR.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-06-2021

Judgment Date22 June 2021
Case OutcomeNEGADA A REVISTA DA 3ª R E CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA DOS AA
Procedure TypeREVISTA
Acordao Number151/19.8T8AVR.P1.S1
CourtSupremo Tribunal de Justiça

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça




I - RELATÓRIO


1.1. Os Autores - AA, Cartão de Cidadão nº ........, Contribuinte Fiscal nº ......, residente na ............, n.º .., ....-... ......., ......; e BB, Cartão de Cidadão nº ......, Contribuinte Fiscal n.º ......, residente na ........, nº .. ......, ....-... ......., ......, instauraram (12/1/2019 ) acção declarativa, com forma de processo comum, contra os Réus:

1. PAVILANHESES – CONSTRUÇÕES UNIPESSOAL, LDA, pessoa coletiva nº 510 944 310, com sede na Rua Padre Matos, Edifício Marta, entrada 2, letra C, rés-do-chão direito, freguesia de Albergaria-a-Velha e Valmaior, 3850-091 Albergaria-a-Velha;

2. CC, Cartão de Cidadão nº ........, residente na … n.º .., ….-……, …., .....;

3. VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A., pessoa coletiva nº 502 856 408, com sede na Rua …, nº …, Apartado …, …., …., ….;

4. DD, residente na …, nº .., ……., ….-… …., ….; e

5. MADUREIRA & MADUREIRA – ESTUDOS E PROJECTOS, LDA., pessoa coletiva nº 504 …55, com sede no Centro Empresarial …, …., ….,


Alegaram, em resumo:

Os Autores são filhos e únicos herdeiros de EE, falecido num acidente de trabalho, por soterramento e asfixia mecânica numa vala em que trabalhava como pedreiro, ocorrido no dia 11.3.2014, em .......

A vítima faleceu quando se encontrava ao serviço, sobre as ordens e direção da 1ª R., representada pelo 2º R., tendo sido estes já condenados pela prática de um crime de infração de regras de construção, agravado pelo resultado, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 277º, n.ºs 1, al. a) e 2, e 285º do Código Penal, por referência aos artigos 66º a 72º do Decreto n.º 41821/58, de 11 de agosto, a 1ª R. ainda com referência aos art.ºs 11º, nºs 2, al. a), e 4, e 90º-B, n.ºs 1, 2 e 5, do Código Penal.

O dono da obra era a ADRA – Águas da Região de Aveiro, S.A., que a adjudicara à 3ª R. (empreiteira), representada pelo 4º R., que, por sua vez, celebrou um contrato de subempreitada com a 1ª R.

A dona da obra contratara a 5ª R. para a fiscalização e coordenação de segurança da empreitada.

Os 1ª e 2º RR. não promoveram a colocação de qualquer proteção coletiva no local de execução dos trabalhos, designadamente a entivação, por forma a prevenir o risco de soterramento dos trabalhadores que executavam os trabalhos na vala.

A 1ª R. também não ministrou à vítima, como devia, formação em segurança no trabalho.

Os 3º, 4º e 5º RR. permitiram o início dos trabalhos e a sua continuação sem que tivessem assegurado, como é sua obrigação legal, a aplicação do plano de segurança e saúde e sem terem verificado o seu cumprimento ao longo da execução dos trabalhos, não atendendo à organização do estaleiro, às condicionantes nele existentes e aos trabalhos que envolviam riscos especiais, em concreto, o risco de soterramento.

A 3ª R. havia-se responsabilizado por todas as obrigações legais na execução de todos os trabalhos, nomeadamente cumprir e fazer cumprir as regras de segurança pelos seus subcontratados e sucessiva cadeia de subcontratação.

A 5ª R. deveria ter fiscalizado e coordenado a segurança da empreitada, e não o fez como devia.

Em consequência do soterramento, o EE sofreu uma morte violenta e quase imediata, apercebendo-se de que iria morrer ali, pelo que os AA. entendem que deve ser fixada a indemnização de € 20.000,00, a repartir em duas partes iguais pelos AA. (€ 10.000,00 para cada um).

O falecido tinha 50 anos de idade e, pelas suas caraterísticas pessoais e esperança de vida, os AA. defendem que o dano morte deve ser reparado com a quantia de € 70.000,00, a dividir em partes iguais por cada um deles (€ 35.000,00 para cada um).

Em consequência da morte de seu pai, os AA. sofreram:

Danos não patrimoniais no valor de € 20.000,00 para cada um deles.

Perda de um rendimento equivalente a € 50,00 por mês, cada um, relativo ao fornecimento produtos hortícolas e outros alimentos com que o seu pai contribuía em favor de ambos, e que estimam em € 9.000,00 para cada A. a título de dano futuro.

Os AA. pagaram a quantia de € 1.790,00 à Agência Funerária Cardoso e Martins, Lda., que tratou do funeral, tendo sido reembolsados pela Segurança Social “em quantia não inferior a €1000,00”, gastaram € 170,00 em flores, pagaram a quantia de € 80,00 à Junta de Freguesia, conforme guia de entrada de cadáver no cemitério, e ainda uma dívida que o falecido pai tinha junto da Segurança Social, no valor de € 787,05.

Concluíram pedindo

«I) - Deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e os Réus solidariamente condenados:

A) A pagar a cada um dos Autores:

- A título de indemnização por danos morais da vítima, a quantia de € 10.000,00 (dez mil euros);

- A título de indemnização pelo dano da privação do direito à vida, a quantia de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros);

- A título de indemnização por danos morais próprios dos Autores, a quantia de € 20.000,00;

- A título de indemnização pelo dano patrimonial sofrido, a quantia de € 9.000,00.

B) A pagar aos Autores a quantia global de €1.827,05, correspondente às despesas com o funeral (€790,00 + €170,00 + €80,00) e corresponde a uma dívida na Segurança Social paga pelos Autores e que dizia respeito ao de cujus (€787,05).

C) A pagar os juros, à taxa legal, desde a citação;


Os Réus contestaram, defendendo-se, em síntese:

O 2º R. com a excepção da violação do princípio da adesão ao processo crime e por impugnação.

Os 3ª, 4º e 5º RR. por impugnação, negando qualquer tipo de responsabilidade.


1.2. Realizada audiência de julgamento, foi proferida (9/7/2020) sentença ( fls. 800 e segs.)que decidiu:

«A – Julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em função disso, condeno os Réus Pavilanheses – Construções Unipesssoal Lda, CC, Vitor Almeida & Filhos Lda e Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda a pagarem, solidariamente:

- A cada um dos Autores, a quantia de 5.000 €, por danos morais da vítima, 35.000 € pelo dano de privação do direito à vida da vítima, 10.000 € por danos morais próprios dos autores;

- A pagar aos Autores a quantia de 1.040,00 €, correspondente às despesas de funeral.

Quantias acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

B – Improcede o pedido no que se refere ao Réu DD. Custas na proporção do decaimento.»


1.3. Inconformados, os 3ª R. VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A. ( fls. 820 e segs) e a 5ª R. MADUREIRA & MADUREIRA – ESTUDOS E PROJECTOS, LDA.( fls. 840 e segs.) , recorreram de apelação.


1.4. A Relação …., por acórdão de 11/2/2021, decidiu:

“Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em julgar a apelação da 3ª R. parcialmente procedente e a apelação da 5ª R. procedente, alterando-se a sentença recorrida, sendo ação parcialmente procedente e, em consequência,

A- Condenam-se:

1- Os RR. Pavilanheses – Construções Unipessoal Lda. e CC, a pagarem, solidariamente, a cada um dos AA., a quantia de € 5.000,00, por danos morais da vítima, € 35.000,00 pelo dano de privação do direito à vida da vítima e € 10.000,00 por danos morais próprios dos AA.;

2- A R. Vítor Almeida & Filhos, S.A. a pagar, solidariamente com aqueles dois RR., a cada um dos AA., a quantia de € 3.250,00, por danos morais da vítima, € 22.750,00 pelo dano de privação do direito à vida da vítima e € 6.500,00 por danos morais próprios dos AA.;

3- Todos os referidos RR., solidariamente, no pagamento aos AA. da quantia de € 1.040,00, correspondente às despesas de funeral.

B- Absolve-se a 5ª R. Madureira & Madureira – Estudos e Projectos Lda. do pedido da ação.

Todas as quantias são acrescidas dos juros legais contados desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.

As custas da apelação da 3ª R. serão suportadas por ela e pelos AA. na proporção do respetivo decaimento no recurso.

As custas da apelação da 5ª R. serão suportadas pelos AA., dado o seu total decaimento no recurso.

As custas da ação são da responsabilidade dos AA. e dos RR. condenados, na proporção do decaimento de cada um deles, tudo de acordo com o disposto nos art.ºs 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Voto de vencida da Exma. Desembargadora Francisca Mota Vieira

“Voto vencida a decisão na parte do nº 2 do dispositivo e fundamentação respetiva, porque, sendo solidária a responsabilidade dos 1ª, 2º e 3ª Réus, a distinta contribuição destes na dinâmica causal que produziu o dano não pode desvirtuar a natureza solidária da obrigação em que aqueles réus estão constituídos perante os Autores, terceiros lesados, nos termos dos artigos 512º, nºs 1 e 2 e 497º, nº 1 do Código Civil, sendo que no regime de solidariedade há sempre que considerar o plano das relações externas (as estabelecidas entre credores solidários e o devedor ou entre devedores solidários e o credor) e o plano das relações internas (as estabelecidas entre os devedores solidários entre si ou entre os credores solidários entre si) e que apenas naquele plano das relações externas é que é retratado o regime fundamental da solidariedade, relevando a distinta contribuição dos devedores para a produção do dano apenas no plano das relações internas, conforme art. 512º nº 2 e 516º do CC.”


1.5. A 3ª Ré - VÍTOR ALMEIDA & FILHOS, S.A., recorreu de revista, com as seguintes conclusões:

1.O objecto da apelação abrange o dispositivo do douto acórdão recorrido na parte em que decidiu julgar parcialmente procedente a acção, condenando a ora recorrente a pagar aos autores as quantias ali discriminadas, num total de 65.000,00 euros, no que respeita aos danos não patrimoniais, e 1.040,00 euros, no que respeita aos danos patrimoniais, acrescidas dos juros legais desde a citação, sendo o valor da sucumbência de 66.040,00 euros.

2. Entende a recorrente que não se verificam, relativamente a si, os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrentes do instituto da responsabilidade civil extra-contratual, previstos no artigo 483º do CC.

3. Conforme resulta...

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