Acórdão nº 1508/18.7T8PTM.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 01-07-2021
Data de Julgamento | 01 Julho 2021 |
Case Outcome | CONCEDIDA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 1508/18.7T8PTM.E1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
I - AA e mulher BB intentaram a ação, com processo comum de declaração, contra CC, pedindo que:
- seja declarado o incumprimento definitivo e culposo do contrato-promessa pelo R., dando-se lugar às cominações previstas no art. 442º, nº 2, do CC;
- seja declarada a impossibilidade de cumprimento não culposa dos AA.;
- seja declarado resolvido o contrato-promessa de compra e venda celebrado entre AA. e R. por incumprimento definitivo e culposo deste;
- seja o R. condenado a restituir aos AA., em dobro, as quantias recebidas a título de sinal: € 31.000,00 + € 7.000,00 + € 70.000,00 = € 108.000,00 x 2 = € 216.000,00;
- tudo acrescido de juros vencidos e vincendos, desde a citação, até efetivo e integral pagamento.
Subsidiariamente pedem que:
- seja declarado que o contrato é nulo, por violação do disposto no art. 410º, nº 3, do CC, encontrando-se em falta o reconhecimento presencial das assinaturas e, consequentemente;
- seja o R. condenado a restituir aos AA. os montantes recebidos nos valores de € 31.000,00, € 7.000,00 e € 70.000,00 em singelo;
- tudo acrescido de juros vencidos e vincendos, desde a citação, até efetivo e integral pagamento.
Invocaram o incumprimento de contrato-promessa de compra e venda relativo a uma fração autónoma para habitação, que celebraram com o R. (promitente-vendedor), pelo valor de € 380.000,00, tendo entregue € 38.000,00 a título de sinal e ficando convencionado que a quantia de € 310.000,00 seria para pagamento do imóvel e € 70.000,00 para pagamento dos móveis que o equipavam.
Todavia, o R. solicitou ao A. marido o pagamento de € 70.000,00 em numerário, que o A. marido lhe entregou. Posteriormente, quando, na data da escritura definitiva, o A. marido se apresentou para celebrar a escritura, levando consigo cheque bancário de € 272.000,00 (remanescente do preço a pagar) e demais documentação necessária, o R. exigiu novamente o pagamento de € 70.000,00 já entregues, o que o A. recusou.
Acresce que, naquela data, o imóvel se encontrava onerado com duas hipotecas, pelo que a transação não se podia concretizar. E vindo o R. a marcar nova data para a celebração da escritura, nesta ocasião o prédio ainda se encontrava onerado com hipotecas.
O R. contestou, negando que alguma vez lhe tivesse sido entregue a quantia adicional de € 70.000,00 em numerário.
Deu instruções aos seus procuradores para que só aceitassem celebrar a escritura se o A. fosse portador de um cheque de € 342.000,00, que era o montante do preço em falta, mas como o A. não trazia consigo cheque desse valor na data de qualquer das escrituras, não veio a realizar-se a escritura, incumprindo os AA. o contrato promessa.
De resto, o valor acordado para o imóvel foi o de € 380.000,00 sendo o montante de € 70.000,00 meramente destinado a diminuir o imposto devido pela transação. Assim, ocorreu simulação, quanto ao valor declarado no contrato.
Nesta conformidade, o R. deduziu pedido reconvencional:
- para que fosse declarada a nulidade relativa do contrato-promessa de compra e venda, por simulação quanto ao objeto e ao valor, mantendo-se válido o referido contrato com o preço realmente convencionado;
- para que fosse reconhecido o incumprimento definitivo, pelos AA., do contrato-promessa de compra e venda, reconhecendo-se ao R. o direito de fazer suas todas as quantias entregues a título de sinal.
Na sentença a ação foi julgada improcedente e parcialmente procedente a reconvenção, reconhecendo-se ao R. o direito a fazer suas as quantias recebidas a título de sinal, no montante de € 38.000,00.
Tendo os AA. interposto recurso de apelação, a Relação revogou a sentença e em sua substituição, considerando que o incumprimento do contrato-promessa era de imputar a ambas as partes, condenou o R. a devolver aos AA. a quantia de € 38.000,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a data da citação, até integral pagamento.
O R. interpôs recurso de revista na qual, no essencial, questiona os efeitos que a Relação extraiu do facto de na data designada para a realização da escritura ainda se encontrar registada hipoteca sobre a fração. Considera que qualquer efeito a extrair desse facto pressupunha que tivesse sido questionada a existência das hipotecas e que, por isso, nas circunstâncias do caso, o que releva unicamente é a recusa dos AA. de pagarem a totalidade do preço acordado.
Houve contra-alegações.
Cumpre decidir, por vencimento.
II - Factos provados, por ordem lógica e cronológica:
1. No final do ano de 2017, o R. decidiu colocar à venda o imóvel referido em 10. destes factos provados (art. 37º da contestação).
2. Para o efeito, celebrou contratos de mediação imobiliária com diversas empresas de mediação imobiliária (art. 38º da contestação).
3. O negócio visado pela mediação imobiliária, de compra e venda do imóvel referido em 10. destes factos provados, deveria ser concretizado pelo preço de (cerca) de € 400.000,00 (art. 40º da contestação).
4. O negócio visado pela mediação não incluía qualquer mobília ou equipamentos (art. 41º da contestação).
5. Em caso de concretização do negócio visado pela mediação imobiliária, o R. obrigou-se a pagar, a título de remuneração, à empresa de mediação imobiliária que lhe apresentasse o comprador, a quantia correspondente a 5% do preço pelo qual o negócio fosse efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal (art. 42º da contestação).
6. No dia 11-3-18, o R. recebeu uma chamada telefónica da sua mãe, dizendo-lhe que conhecera uma pessoa que estaria muito interessada na compra da fração autónoma, cujo contacto telefónico lhe transmitiu (art. 45º da contestação).
7. Nesse mesmo dia o R. contactou o A. marido, o qual lhe transmitiu que estaria interessado na compra da fração autónoma e pediu para reunir com o R. (arts. 46º e 47º da contestação).
8. Nessa oportunidade, quanto ao preço, o R. informou os AA. de que a fração autónoma estava anunciada em diversas agências imobiliárias pelo valor de € 400.000,00 (art. 49º da contestação).
9. No entanto, tendo em conta que os AA. não vinham através de nenhuma agência imobiliária, o que faria com que poupasse no valor da comissão imobiliária, o R. informou que estaria disposto a baixar o preço em 5% (o mesmo valor que seria cobrado por uma comissão da agência imobiliária, ainda que sem IVA), ou seja, € 20.000,00, aceitando, assim, concretizar o negócio da venda da fração autónoma pelo valor de € 380.000,00, preço que agradou aos AA. (arts. 51º a 53º da contestação).
10. Por contrato-promessa de compra e venda outorgado em 15-3-18, e que se encontra a fls. 421, os ora AA. prometeram comprar ao R., livre de ónus e encargos, a fração autónoma, destinada à habitação, designada pela letra “…..”, localizada na cave, r/c e 1º andar do Bloco ….., sendo a …. a contar de nascente, com garagem localizada na cave da fração, que corresponde ao tipo T2, com direito de uso exclusivo de 2 terraços de cobertura sobre a fração com barbecue, sita na. …., edifício de 3 pisos com piscina, freguesia …. e …., concelho …., descrito na CRP …. sob o nº ……..30 e inscrito na matriz sob o art. …..42 (arts. 1º da p.i. e 70º da contestação).
11. Nos termos do referido contrato-promessa, AA. e R. acordaram que a venda seria feita pelo preço global de € 380.000,00, sendo € 310.000,00 atribuídos à fração autónoma e € 70.000,00 atribuídos a todo o equipamento e mobiliário, sendo que, dos € 380.000,00, os ora AA. pagaram logo ao R., na referida data de 15-3-18, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 31.000,00, mediante a entrega de cheque sacado sob a CGD, com o nº ……28 (arts. 2º e 3º da p.i. e 82º da contestação – na redação adotada em 2ª instância).
12. Nos termos do referido contrato-promessa, o preço prometido, no valor de 380.000,00, seria pago da seguinte forma:
a) a quantia de € 31.000,00, a título de sinal e princípio de pagamento, através de cheque bancário, sacado sobre a CGD, com o nº …..28, quantia essa da qual o R. deu quitação com a celebração do contrato-promessa;
b) a quantia de € 7.000,00, a título de reforço de sinal, através de transferência bancária para a conta titulada pelo R. junto do BCP, à qual corresponde o IBAN ……05, a realizar até ao dia 23-3-18; e
c) o remanescente, no valor de € 342.000,00, através de cheque bancário, na data da outorga da escritura pública de compra e venda (resposta ao art. 71º da contestação).
13. O R., na data da outorga do contrato promessa, estava patrocinado por advogado constituído à sua escolha, a Drª DD (art. 106º da p.i.).
14. Posteriormente, os AA. e o R. acordaram que parte do preço fosse paga em numerário (art. 54º da contestação).
15. O R. não tinha a certeza da legalidade do pagamento de € 70.000,00 em numerário e procurou confirmá-la, o que foi feito pela advogada Drª DD, pelo que decidiu avançar com o negócio (arts. 58º a 60º da contestação).
16. Para formalização do contrato-promessa de compra e venda, o R. e os AA. encontraram-se no escritório da advogada DD, em …. (art. 6º da p.i.).
17. Consta ainda do contrato-promessa que a escritura de compra e venda ficava desde logo agendada para o dia 17-4-18, pelas 14h no Cart. Notarial a cargo do Dr. EE, em …., nos termos da cláus. 7ª do CPCV, que dispõe:
“A escritura de compra e venda está agendada por acordo dos outorgantes para o dia 17-4-18 pelas 14 h, no Cartório Notarial a cargo do Dr. EE em …. podendo, no entanto, ser outorgada até ao dia 20-4-18, em caso de incumprimento de natureza excecional, nomeadamente urgência de saúde” (arts. 7º, 52º e 86º da p.i. e 80º da contestação).
18. Os AA. e o R. celebraram o acordo que denominaram de contrato-promessa de compra e venda, relativo a uma fração urbana e ao respetivo equipamento e mobiliário, que está na pasta de fls. 141, tendo as suas assinaturas sido reconhecidas presencialmente pela Drª DD, conforme consta de...
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