Acórdão nº 150/22.2T8PTG.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 09-11-2022

Data de Julgamento09 Novembro 2022
Case OutcomeCONCEDIDA A REVISTA.
Classe processualREVISTA
Número Acordão150/22.2T8PTG.E1.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Processo: 150/22.2T8PTG.E1.S1

6.ª Secção

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – Relatório

AA, casado, agricultor, residente em ..., ..., requereu procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse contra Caixa Central - Caixa Central de Crédito Agrícola Mútuo, CRL., com sede da Rua ..., em ..., pedindo que seja "restituída provisoriamente ao ora requerente, sem quaisquer limitações, a posse da parte rústica do prédio objeto de arrendamento. "

Alegou ser subarrendatário rural, conforme documento escrito datado de 2007, da parte rústica do prédio denominado Herdade ..., sito na freguesia ..., ..., devidamente identificado nos autos; e que, em 06/12/2021, cumprindo decisão decretada no Proc. 127/21.... da Comarca ..., foi colocado pelo agente de execução um cadeado no portão da Herdade, ficando ele/requerente fiel depositário e tendo-lhe sido facultada uma chave para alimentar os animais ali existentes.

Posteriormente, no dia 17/01/2022, a requerida mudou as chaves do cadeado, impedindo o requerente de aceder ao prédio, pelo que, no dia 20/01/2022, o requerente "viu-se obrigado a mandar substituir o cadeado de acesso à propriedade", porém, no dia 28/01/2022, a requerida voltou a mudar as chaves, fez sair o pessoal do requerente que podava a vinha, substituindo-o por uma máquina de poda mecânica, colocou um segurança que ficou no local 24 horas por dia e impediu o requerente de aceder à parte rústica do prédio/Herdade.

Ocorreu assim, segundo o requerente, esbulho violento e pede que lhe seja restituída provisoriamente a posse da parte rústica do prédio/Herdade.

Foi determinada a prévia audiência da requerida, que, citada, deduziu oposição.

Alegou ser falso o escrito de 2007 respeitante ao subarrendamento rural invocado pelo requerente, desconhecendo até ao dia 29/11/2021 a invocação/existência de tal contrato.

Mais alegou que o prédio identificado nos autos lhe foi entregue em cumprimento de sentença proferida no âmbito do Procedimento Cautelar n.° 127/21...., sentença que determinou a entrega à requerida, de imediato e a título definitivo, da referida Herdade, devoluta e livre de pessoas e bens, a qual lhe foi entregue, de forma definitiva, em 17/01/2022, tendo a requerida alterado o cadeado do portão como forma de preservar o seu prédio, pelo que inexiste esbulho e/ou esbulho violento, já que a entrega resultou do cumprimento de uma decisão judicial; tendo ao invés, segundo a requerida, sido o requerente que, no dia 20/01/2022, destruiu o cadeado que havia colocado no portão de acesso à Herdade e lá colocou trabalhadores a podar a vinha, factos esses que, isso sim, constituem esbulho violento por parte do próprio requerente, tendo sido nesta sequência que, no dia 28/01/2022, a requerida solicitou aos trabalhadores, que o requerente ali havia colocado, que abandonassem a Herdade, o que estes fizeram, e que a requerida contratou serviços de segurança e vigilância, como modo de preservação dos direitos de uso e fruição do imóvel de que é proprietária e que lhe havia sido entregue na sequência da sentença referida.

Após despacho convidando o requerente a corrigir deficiências na exposição e concretização da matéria de facto alegada, convite que ele procurou satisfazer, foi proferida decisão a “indeferir liminarmente a requerida tutela cautelar ao requerente”; decisão em se considerou não se verificar, em face do alegado pelo requerente, o requisito da violência (e em que também se considerou, passando à aplicação do disposto no art. 379.º do CPC, que não foram alegados quaisquer prejuízos graves e de difícil reparação, razão pela qual também não haveria lugar à tutela cautelar comum do art. 362.º do CPC).

Não se conformando com o decidido a propósito de não terem sido alegados factos suscetíveis de integrar o requisito da violência, apresentou o requerente recurso de apelação, tendo a Relação de Évora, por acórdão de 30/06/2022, negado provimento ao recuso e confirmado a decisão recorrida.

Ainda inconformado, interpõe agora o requerente o presente recurso de revista – nos termos conjugados dos art. 370.º/2 e 629.º/2/d), ambos do CPC, juntando o Acórdão Fundamento (acórdão da Relação de Guimaraes de 07/05/2015, proferido no processo 188/15.6T8FAF.G1) que corporiza o conflito jurisprudencial invocado (por si “escolhido”, dentre os vários invocados, após despacho/notificação para o efeito) – visando a revogação do Acórdão da Relação e a sua substituição por decisão que determine o prosseguimento do procedimento cautelar especificado de restituição provisória da posse.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

I. O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do Recorrente;

II. No caso dos autos, resulta (…) que apenas está em questão saber se o Requerente, ora Recorrente alegou factos suscetíveis de integrar o requisito da violência no esbulho;

III. À luz do que parece ser a melhor jurisprudência e sempre com o devido respeito, entende o Recorrente, ancorado na jurisprudência saída do Acórdão Fundamento, que foram alegados de forma sintética, factos que correspondem à colocação de um cadeado no portão que impediu o acesso ao locado, que por si só constituem a violência do esbulho;

IV. O que efetivamente se mostra alegado em sede de requerimento inicial;

V. E justificam não só a admissibilidade do requerimento inicial;

VI. Como a pretensão do Requerente/Recorrente na obtenção da restituição provisória da posse;

VII. Assim, com o devido respeito e melhor opinião, mal andou o Tribunal da Relação de Évora ao ter negado provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida;

VIII. O Acórdão Recorrido, apesar de tratar o “Thema Dicidendum” como não essencial, entende, sem mais, acompanhar a decisão do Juízo ..., que por se tratar de um esbulho violento, a colocação do cadeado, por si só, não demonstra uma forma de coação direta do Recorrente;

IX. O Acórdão Recorrido encontra-se em oposição expressa e direta entre outros, ao Acórdãos datado de 03.11.2011 proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 69/11.2TBGMR-B.G1, que teve como Relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador António Sobrinho e ao Acórdãos datado de 07.05.2015 proferido pelo Tribunal da mesma Relação de Guimarães no âmbito do processo n.º 188/15.6T8FAF.G1, que teve como Relator o Exmo. Senhor Juiz Desembargador António Santos, ambos disponíveis em www.dgsi.pt, designado por Acórdão Fundamento;

X. Na situação do Acórdão Fundamento, o facto de se ficar impedido de aceder à coisa, seja por via da colocação/troca de fechaduras pelos esbulhadores, que impedem o seu acesso, por via da impossibilidade de contactar com a coisa possuída, justificam a pretensão do Requerente na obtenção da restituição provisória da posse;

XI. Ainda na situação do Acórdão Fundamento a substituição/mudança da fechadura, ainda que alegada de forma sintética, permite concluir que de alguma forma existiram atos de violência que incidiram sobre a coisa;

XII. É manifesto que o Acórdão Recorrido se encontra em direta, clara e expressa contradição com o Acórdão Fundamento;

XIII. Encontram preenchidos os requisitos que fundamentam a apresentação do presente Recurso de Revista Ordinária, na medida que, ambos os processos versam sobre procedimentos cautelares, no âmbito dos quais foram analisados os requisitos da verificação do esbulho violento;

XIV. Em que num e outro dos Acórdão Recorrido e Acórdão Fundamento se encontram soluções diversas sobre a mesma questão. (…)”

A requerida respondeu, sustentando, em síntese, que o Acórdão recorrido não violou qualquer norma, pelo que deve ser mantido nos seus precisos termos.

Terminou a sua alegação com as seguintes conclusões:

“(…)

A) A validade e legalidade do contrato de subarrendamento invocado pelo Recorrente para sustentar o suposto direito que pretende acautelar não foi objeto de análise e decisão por parte do Tribunal de 1.ª Instância, que decidiu pelo indeferimento liminar da restituição provisória da posse por inexistência de esbulho violento.

B) Isso nãosignificaque talanálise e decisãoapenaspossaterlugaremsede de acção principal de que o procedimento depende, como é defendido pelo Recorrente.

C) Compete ao Recorrente, na qualidade de requerente da tutela cautelar, demonstrar, ainda que de forma sumária em face do regime específico das providências cautelares, que é titular do direito ameaçado – cfr. n.º 1 do artigo 365.º do CPC.

D) Tal prova, como defendido pela Recorrida em sede de Oposição, não foi feita e, nessa medida, a eventual demonstração de uma situação de esbulho violento – o que não se aceita e apenas por dever de patrocínio se equaciona, sem conceder –nunca poderia conduzir ao decretamento automático da providência requerida, como parece defender o Recorrente.

E) O entendimento preconizado pelo Recorrente levaria à conclusão que qualquer ato de esbulho é violento.

F) Incumbe ao Requerente da providência cautelar de restituição provisória da posse alegar e provar factos que demonstrem que ficou numa situação de constrangimento de ordem pessoal perante o esbulho.

G) O Requerente, aqui Recorrente, em parte alguma alega e/ou demonstra que foi ameaçado ou coagido, física ou psicologicamente, em simultâneo ou na sequência da alteração do cadeado de acesso à Herdade ..., o que per se não constitui sequer um ato violento.

H) Acresce que para que exista esbulho violento é necessário a existência de uma ação física ou direta acompanhada de factos de onde resulte a criação no esbulhado de um estado psicológico de insegurança, de receio, de intimidação ou inibição de reagir, que afete a sua liberdade, segurança ou tranquilidade.

I) A Recorrida, na qualidade de proprietária e de possuidora da Herdade ..., mudou a fechadura do portão de acesso à Herdade, ao abrigo dos seus direitos de uso, fruição e disposição, em cumprimento de uma...

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