Acórdão nº 150/10.5PBCBR.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 09-07-2014

Data de Julgamento09 Julho 2014
Número Acordão150/10.5PBCBR.P2
Ano2014
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 150/10.5 PBCBR.P2
1.º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal do Porto
Relator: Neto de Moura

Acordam, em conferência, na 1.ª Secção (Criminal) do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
No âmbito do processo comum que, sob o n.º 150/10.5 PBCBR, correu termos pelo DIAP do Porto, o Ministério Público deduziu acusação contra B… por factos susceptíveis de integrar a prática de um crime de ofensa à integridade física simples previsto e punível pelo art.º 143.º, n.º 1, do Código Penal, mas determinou o arquivamento dos autos relativamente a factos que poderiam subsumir-se à previsão incriminadora do artigo 153.º, n.º 1, do mesmo Compêndio normativo.
C…[1], admitido a intervir nos autos como assistente, não se conformou com esse despacho de arquivamento e requereu a abertura de instrução, no termo da qual foi proferida decisão instrutória de não pronúncia relativamente àqueles factos (eventualmente integradores do crime de ameaça), por se ter entendido que o assistente não exerceu, oportunamente, o direito de queixa, condição indispensável para que o Ministério Público pudesse exercer a acção penal, atenta a natureza semi-pública desse ilícito penal.
O assistente interpôs recurso dessa decisão para este Tribunal da Relação que, por acórdão de 16.10.2013 (fls. 512 e segs.), concedeu provimento ao recurso e determinou que, reconhecida a legitimidade do Ministério Público para exercer a acção penal, se conhecesse do mérito do requerimento instrutório, ou seja, se apreciasse e decidisse se havia razões, de facto e de direito, para pronunciar o arguido B… pelo aludido crime de ameaça.
Em cumprimento do ordenado, a Sra. Juiz de instrução proferiu nova decisão instrutória, ainda de não pronúncia.
Ainda inconformado, o assistente C… interpôs, novamente, recurso dessa decisão de não pronúncia para este Tribunal da Relação, com os fundamentos explanados na respectiva motivação, que “condensou” nas seguintes “conclusões” (em transcrição integral):
1. “Como assinala a decisão sub judice, resulta quer do inquérito (a fls. 58) quer da instrução (fls. 400 e ss e a fls. 414 e ss) que o arguido dirigiu ao assistente, nas circunstâncias de tempo, modo e lugar descritos no requerimento de abertura de instrução a seguinte expressão: “ó filho da puta queres levar mais nos cornos”.
2. O crime de ameaça previsto no artigo 153.º n.º 1 do CP, na redacção aplicável, deixou de constituir um crime de dano; verifica-se actualmente com a simples ameaça de um crime, de forma adequada a provocar medo ou inquietação, na situação em concreto;
3. De acordo com o constante dos autos (nomeadamente no que se refere aos indícios recolhidos relativamente ao crime de ofensas à integridade física, previamente praticado, e aos indícios recolhidos relativamente ao crime de injúrias, praticado contemporaneamente) é óbvio que a dita expressão «é susceptível de ser tomada a sério pelo ameaçado», tendo em conta as características do ameaçado e conhecidas do agente.
4. Pelo que devia o tribunal “a quo” ter pronunciado o arguido pelo crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º nº 1 do CP, uma vez que foram recolhidos indícios suficientes da prática do referido ilícito criminal.
5. Ao não fazê-lo, a decisão “sub judice” postergou o artigo 153º nº 1 do CP e ainda os artigos 308º do CPP; conj. com os nºs 1 e 2 do 283º do mesmo diploma legal”.
*
Admitido o recurso e notificado o Ministério Público, veio este responder à respectiva motivação, resposta culminada com o seguinte quadro conclusivo (transcrição integral):
1- “A expressão “ó filho da puta queres levar mais nos cornos”, é incontroversamente injuriosa, intimidatória e provocatória, atenazando e incomodando o destinatário - que desde logo é traduzido na ida à esquadra policial.

2- Todavia, não se revela adequada e idónea, a provocar o medo ou a inquietação, isto é, não tem potencialidade de o condicionar, manipular e/ou de o inibir, pressupostas pelo tipo legal art. 153º nº 1, do C. Penal.

3- De outro modo, quaisquer expressões que não constituíssem elegâncias, elogios ou reconhecimento da parte mais bela de terceiro visado, proferidas em ambiente de intensa conflitualidade, poderia sempre ser apreciados à luz de uma conduta adequada a provocar atentado à liberdade de formação da vontade ou da segurança e tranquilidade da pessoa visada.

4- Por outro lado, tal expressão não anuncia a prática de um mal futuro, elemento fundamental do tipo objetivo de ilícito, como sustenta a maioria da jurisprudência: Acs. da RC de 13.11.2013 (proc. n.º 268/11.7TATNV); de 30.05.2012 (proc. nº 366/10.4GCTND); da RP de 28.05.2008 (proc. nº 0841544); de 16.04.2008 (proc. nº 0717222); de 02.05.2012 (proc. nº576/10.4PAVFR.P1), de 13.07.2011 (proc. nº 416/10.4TAOAZ); de 09.10.2013 (proc. nº 300/10.1GACNF.P1); de 23.11.2011 (proc. nº 664/08.GBPNF.P1); de 16.04.2008 (proc. nº0717222); de 25-01-2006 (proc. 0544124); Acs. da RE de 14.01.2014 (proc nº 1509/09.6GBLLE) e de 27.03.2012 – proc. nº 49/08.5GCFAR.E1; na doutrina, Dr. Taipa de Carvalho (Comentário Conimbricense do Código Penal», Tomo I, pg. 343).

5- Por isso, até na esteira do Ac. da RP de 07.03.2012 -proc. nº 625/10.6GBVNG-P1- que enunciou que “Não consubstancia a prática de um crime de ameaça a conduta de quem se desloca até junto da residência de outrem, bloqueia-lhe a entrada com um camião e, em tom elevado de voz, diz-lhe: “Anda cá fora, que eu estou à tua espera, cabrão”, a expressão “ó filho da puta queres levar mais nos cornos”, não ultrapassa a mera vociferação, fanfarronice, insolência fátua, que conquanto digna de um obsceno mal-querer, não pode elevar-se à categoria de crime, designadamente o p. p. pelo art. 153.º nº 1, do C. Penal.

6- Além disso, como tem sido sustentado, a decisão de pronúncia basta-se, em conformidade com o preceituado pelo art. 308.°, n.° 1 do Código de Processo Penal, com a prova meramente indiciária, e, nessa medida, completamente distinta do grau de convicção em termos probatórios exigido na fase do julgamento. Nas palavras de Germano Marques da Silva, são suficientes “sinais da prática de um crime” (Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, 111 Volume, Verbo, 1 994, 1 83), enquanto fundamentadores de uma possibilidade razoável de ter, efetivamente, sido o arguido quem praticou a factualidade em apreço. Donde, estamos em face de juízos de probabilidade, e não de certeza.

7- Não obstante, exige-se uma apreciação crítica da totalidade da prova recolhida, não apenas na instrução, mas igualmente em sede de inquérito, tendo em vista
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