Acórdão nº 149458/14.1YIPRT-B.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 17-09-2019

Data de Julgamento17 Setembro 2019
Número Acordão149458/14.1YIPRT-B.C1
Ano2019
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra

Acordam, em Conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - A Causa:

C (…) S.A., Executada nos autos supra identificados, sendo aí Exequente CM (…), Lda., notificada do Despacho com conclusão de 11/06/2018 (com a referência Citius n.º 30179206), veio, nos termos e para os efeitos dos artigos 853, n.º 2 e 644.º, n.º 2, alínea c) do Código de Processo Civil (CPC), interpor RECURSO de Apelação, alegando e concluindo que:

A. A Recorrente, no processo declarativo (autos principais) que terminou com a prolação da sentença homologatória da transacção junta pelas partes, confessou-se devedora da Exequente do montante 97.627,49€ que seria pago no período de 18 meses após trânsito em julgado da sentença de homologação da transacção e, para garantia do pagamento da referida quantia, a Recorrente obrigou-se a, no prazo de 60 dias, constituir a favor da Exequente, hipoteca voluntária sobre o prédio rústico denominado “ S (...) ”, sito na freguesia do (...) , do concelho de (...) , inscrito na matriz predial sob o artigo 96 – secção V, do Serviço de Finanças de (...) .

B. A referida hipoteca veio a registada no prédio através da Ap. 2945 de 2016/03/03.

C. Em Setembro de 2017 a Exequente intentou os presentes autos e executou a hipoteca, tendo na sequência o prédio sido penhorado, penhora essa registada pela Ap. 3920 de 2017/10/04.

D. Foram efectuadas todas as diligências processuais com vista à promoção da venda do imóvel, que culminou com a aceitação da proposta de compra no valor de 181.919,93€ apresentada por um terceiro à acção executiva.

E. Na sequência da venda, foram efectuadas pela Agente de Execução as competentes notificações, incluindo a do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP) com a informação de que o prédio em causa havia sido vendido no âmbito do processo judicial, e que, em consequência, seria o arresto registado extinto.

F. Respondeu o Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC) que juntou aos autos certidão da decisão que decretou o arresto preventivo com o Despacho proferido que dá nota que “(…) O arresto em questão é nos termos do disposto no artº 228º do CPP, para garantia de uma perda de bens a favor do Estado, não sendo aplicável o artº 824º – 2 – do Código Civil”.

G. Em Novembro de 2018, a Recorrente foi confrontada com a penhora de uma conta bancária e em sede de Oposição à Penhora pugnou pela nulidade de tal penhora (artigo 195.º, n.º 1 do CPC) e inadmissibilidade da mesma atenta a extensão com que foi realizada (artigo 784.º, n.º 1, alínea a) do CPC).

H. Foi com a notificação da Contestação (que não vinha acompanhada de documentos) que a Recorrente tomou conhecimento da existência de um Despacho de suspensão da execução, no que ao referido bem respeita.

I. Na sequência, no dia 22/01/2019 a Recorrente foi notificada pelo Tribunal do Despacho com conclusão de 11/06/2018, através do qual o Tribunal a quo tomou posição quanto à venda do bem e determinou, ao abrigo do disposto no artigo 92.º, n.º 1 do CPC, a suspensão da presente execução, no que àquele bem imóvel respeita, até que haja decisão no âmbito do processo penal (processo n.º 324/14.0TELSB-AB – TCIC) quanto ao destino do mesmo.

J. O prazo de interposição de recurso do Despacho com conclusão de 11/06/2018 apenas se iniciou no dia 22/01/2019 com a notificação efectuada à Recorrente.

K. O Tribunal a quo não fez a correcta aplicação do direito, limitou-se a copiar o sumário do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/10/2010 (processo n.º 2463/09.0TBOER.L1-7, relatora: Dina Monteiro, disponível para consulta no site www.dgsi.pt) e aderir, dando por integralmente reproduzidos os fundamentos naquele aresto invocados, sem análise crítica da situação e sem discorrer qualquer fundamentação.

L. O arresto em causa é o arresto preventivo decretado nos termos do artigo 228.º do CPP, tal como refere o despacho do TCIC que antecedeu o Despacho objecto do presente recurso.

M. O arresto preventivo não se confunde com outros meios de garantia patrimonial previstos no CPP e em legislação extravagante.

N. O arresto preventivo tem como finalidades legais, através de uma análise antecipatória, acautelar o fundado receio de que inexistam ou sejam, diminuídos substancialmente os meios necessários ao pagamento de uma eventual pena pecuniária, custas do processo, dívida para com o Estado relacionada com o crime, indemnização ou outra obrigação civil derivada do crime que venham a integrar tal decisão final de condenação.

O. À luz da redacção em vigor antes das alterações introduzidas pela Lei n.º 30/2017, que é a aplicável, conclui-se que o arresto preventivo (artigo 228.º do CPP) não tem como finalidade garantir a perda de bens a favor do Estado, que se encontra prevista no artigo 111.º do Código Penal.

P. O meio processual adequado a garantir a perda de bens a favor do Estado é a apreensão prevista no artigo 178.º e ss. do CPP.

Q. No decretamento do arresto preventivo visa garantir patrimonialmente pagamentos que serão eventualmente devidos ao Estado ou que são devidos ao lesado e que venham a constar da decisão final condenatória proferida no processo penal.

R. O legislador previu dois meios processuais distintos para garantir a execução efectiva da decisão judicial final, a apreensão no que se refere à perda de vantagens do facto ilícito típico que venha a ser declarada, e as medidas de garantia patrimonial onde se inclui o arresto preventivo, quanto às obrigações patrimoniais que venham a ser determinadas na decisão final.

S. O juiz aquando da sua aplicação está vinculado, para todos os efeitos, à distinção que resulta da lei, sob pena da violação do princípio da legalidade.

T. Sobre o prédio cuja suspensão da venda foi decidida pelo Despacho objecto do presente recurso, recaem os seguintes ónus registados: (i) Hipoteca voluntária registada a favor da Exequente, para garantia do capital de 97.627,49€, registada pela inscrição Ap. 2945 de 2016/03/03; (ii) Arresto registado a favor DCIAP, para garantia do capital de 1.635.000.000,00€, registada pela inscrição Ap. 2898 de 2016/08/23; e, (iii) Penhora registada a favor da Exequente, para garantia da quantia exequenda 99.096,42€, registada pela inscrição Ap. 3920 de 2017/10/04.

U. Ainda que se possa considerar que o arresto é um verdadeiro ónus real em relação ao prédio, este uma vez vendido em execução, é vendido livre de ónus e encargos, caducando o arresto constituído e registado depois da constituição de hipoteca – e independentemente de ser anterior à penhora (artigo 824.º CC).

V. O exposto resulta igualmente do respeito pelo princípio da prioridade do registo estabelecido no n.º 1 do artigo 6.º do Código do Registo Predial que estipula que o direito inscrito em primeiro lugar prevalece sobre os que lhe seguirem relativamente aos mesmos bens.

W. A decisão para a qual o Tribunal a quo remete integralmente a sua fundamentação tem por base o registo de uma apensação, e portanto a situação em análise nos presentes autos conduziria à decisão em sentido contrário.

X. Resulta da própria lei que o n.º 2 do artigo 824.º do CC não é excepcionado pelo regime do arresto preventivo.

Y. Parece-nos, claro e inequívoco que a venda judicial do imóvel em causa não poderá de forma alguma dependente do levantamento do arresto, uma vez que o mesmo foi registado em data posterior à data da constituição da hipoteca registada sobre o prédio e garantia da quantia exequenda.

Z. Se a apreensão de bens no processo de insolvência (que é um processo de execução universal), abrange, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 149.º do CIRE os bens que tenham sido “arrestados, penhorados, ou por qualquer forma apreendidos ou detidos seja em que processo for”, e que são posteriormente vendidos livre de ónus ou encargos no âmbito da liquidação que ocorrer no referido processo de insolvência, não poderia existir tal limitação no âmbito de uma acção executiva.

AA. Se não foi intenção do legislador ressalvar a venda livre de ónus ou encargos na acção executiva, mesmo quando esse ónus é um arresto, não pode ser o julgador interpretar no sentido de excepcionar a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 824.º do CC.

BB. A venda judicial do imóvel em causa não poderá de forma alguma dependente do...

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