Acórdão nº 1486/10.0TASTB.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 20-03-2012
Data de Julgamento | 20 Março 2012 |
Número Acordão | 1486/10.0TASTB.E1 |
Ano | 2012 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Acordam, em conferência, os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora
I. RELATÓRIO
1. A Ordem dos Advogados, com sede no Largo de São Domingos em Lisboa, constituída assistente nos autos de inquérito que correram seus termos no Tribunal judicial da comarca de Setúbal, vem interpor recurso do despacho do senhor juiz afeto à instrução que rejeitou o seu requerimento para abertura da instrução, com fundamento em inadmissibilidade legal da instrução (art. 287º nº3 CPP) por não obedecer aos requisitos do art. 283º nº 3 b) e c) ex vi do art. 287 nº2, ambos do CPP.
2. – Da sua motivação de recurso extrai as seguintes conclusões, que se reproduzem integralmente e sem alterações:
«CONCLUSÕES
A. O TRIBUNAL A QUO ENTENDEU, POR DESPACHO PROFERIDO NOS AUTOS Pelo EXMO. SR. JUIZ DE INSTRUÇÃO CRIMINAL, REJEITAR O REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO APRESENTADO Pela RECORRENTE, COM FUNDAMENTO NA VIOLAÇÃO DO N.º 2, DO ARTIGO 287.° E DAS Alíneas B) E C), DO N.º 3, DO ARTIGO 283.°, AMBOS DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, QUE CONSUBSTANCIAM UMA INADMISSIBILIDADE LEGAL DA INSTRUÇÃO.
B. A RECORRENTE CONSTRUIU E APRESENTOU UMA ACUSAÇÃO CLARA E SUFICIENTE QUANTO AOS FACTOS SOBRE OS QUAIS HÁ-DE VERSAR A INSTRUÇÃO E QUE SÃO CONSUBSTANCIADORES DA RESPONSABILIDADE PENAL DAQUELA, EM CUMPRIMENTO DO DISPOSTO NA ALíNEA B), DO N.º 3, DO ARTIGO 283.° E NO N.º 3, DO ARTIGO 287.°, AMBOS DO CPP.
C. ASSIM, ENCONTRAM-SE DEVIDAMENTE ALEGADOS FACTOS QUANTO AO ELEMENTO ESPACIAL, QUANTO À MOTIVAÇÃO DA PRÁTICA DO AGENTE E QUANTO AO SEU GRAU DE PARTICIPAÇÃO NAQUELES, CONFORME SE VERIFICA NOS PONTOS III. A XVI. DA ACUSAÇÃO DEDUZIDA NO REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO.
D. TAIS FACTOS, PERMITEM A IMPUTAÇÃO À ARGUIDA DA PRÁTICA DE ACTOS PRÓPRIOS DE ADVOGADO E SOLICITADOR, SEM ESTAR HABILITADA PARA TAL E, CONSEQUENTEMENTE, CONDUZIRÃO À SUA RESPONSABILIDADE PENAL PELO PRÁTICA DO CRIME DE PROCURADORIA Ilícita.
POR OUTRO LADO,
E. SENDO O REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO UMA VERDADEIRA ACUSAÇÃO EM SENTIDO MATERIAL DEVE CONTER, PARA ALÉM DO MAIS, OS FACTOS CONCRETOS SUSCEPTíVEIS DE INTEGRAR TODOS OS ELEMENTOS OBJECTIVOS E SUBJECTIVOS DO TIPO CRIMINAL QUE A ASSISTENTE CONSIDERE TEREM SIDO PREENCHIDOS PELA CONDUTA DO ARGUIDO.
F. ORA, ENCONTRA-SE DEVIDAMENTE INVOCADO NO REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO DA RECORRENTE QUE A ARGUIDA PRESTOU CONSULTA JURíDICA A CIDADÃOS DE NACIONALIDADE ESTRANGEIRA NA REGULARIZAÇÃO DOS SEUS PROCESSOS DE LEGALIZAÇÃO, JUNTO DA DELEGAÇÃO DE SETÚBAL DOS SERViÇOS DE ESTRANGEIROS E FRONTEIRA, PREENCHENDO-SE, ASSIM, O ELEMENTO OBJECTIVO DO CRIME DE PROCURADORIA ILíCITA,
G. E QUE, A ARGUIDA SE IDENTIFICOU COMO ADVOGADA LUDIBRIANDO TANTO OS SEUS REPRESENTADOS, COMO OS FUNCIONÁRIOS DO SEF, UTILIZANDO NÚMERO DE CÉDULA PROFISSIONAL QUE SABIA NÃO SER SUA, CONSCIENTE DA PRÁTICA DE TAIS ACTOS E DA INEXISTÊNCIA DE HABILITAÇÃO LEGAL, PREENCHENDO O ELEMENTO SUBJECTIVO DAQUELE ILíCITO CRIMINAl.
H. PELO QUE, EM FACE DO EXPOSTO, DEVE O DESPACHO RECORRIDO SER REVOGADO E, CONSEQUENTEMENTE, SUBSTlTUIDO POR UM QUE ADMITA O REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO DA RECORRENTE.»
3. – Tanto na 1ª Instância como nesta Relação, o MP pronunciou-se pela improcedência do recurso.
4. – A decisão recorrida:
«***
No requerimento que apresentou a fls. 141 e seguintes, vem a assistente requerer a abertura de instrução.
Requer, além do mais, que a arguida seja pronunciada pela prática de “diversos crimes de procuradoria ilícita”, cfr. fls. 153.
Delimita determinada factualidade que no seu entender deve constituir uma acusação alternativa à do Ministério Público e que constituirá, se for admitida, o objecto da instrução – fls. 150 e seguintes.
Todavia, compulsado o seu arrazoado, detecta-se que em sitio algum identifica concretamente as acções criminosas da arguida.
Não se conhecem sequer circunstâncias de tempo e lugar. Ou quantas vezes foram praticadas as condutas consideradas criminosas (o que desde logo traduz a dificuldade encontrada a fls. 153 em individualizar o número de crimes). Ou em que período de tempo.
Sabe-se que em determinada altura foi apresentada uma denúncia à Ordem dos Advogados, que esta agiu em conformidade mas, no que toca às concretas acções da denunciada, a obscuridade mantém-se.
É exemplificativo o teor dos artigos IV. a VI. (fld. 150-151): a denunciada agiu de determinada forma. Mas quando? Em que circunstâncias concretas? Por quantas vezes? Quem foram os lesados imediatos?
Tais circunstâncias não são de somenos: permitiriam, se tivessem sido precisadas, concretizar os factos consubstanciadores da responsabilidade penal da mesma, delimitar o objeto da instrução, e assegurar o direito de defesa à arguida.
Releva, nesta fase, invocar o disposto no artigo 287º, número 2, do Código de Processo Penal: “O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto nas alíneas b) e c) do n.º 3 do artigo 283.º Não podem ser indicadas mais de 20 testemunhas.” (sublinhado meu).
No artigo 283º, número 3, do diploma, pode-se ler o seguinte:
“3 - A acusação contém, sob pena de nulidade:
(…)
b) A narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada;
(…)”.
Importa também, desde já relembrar o disposto no número 3 do supra referido artigo 287º, número 2, do Código de Processo Penal: “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.”.
No presente caso, o requerimento não é extemporâneo, e o tribunal é competente.
No entanto, após a entrada em vigor das alterações ao artigo 287º do Código de Processo Penal, operadas pela Lei número 59/98 de 25/08, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente está sujeito ao formalismo prescrito nas alíneas b) e c) do número 3 do artigo 283º do mesmo diploma.
Quer isto dizer que deve conter sob pena de nulidade, a narração dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança (incluindo se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação do agente) [1].
De facto, “não compete ao juiz perscrutar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o juiz o exercício da acção...
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