Acórdão nº 146/12.2GBCTX.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 05-02-2013
Judgment Date | 05 February 2013 |
Acordao Number | 146/12.2GBCTX.E1 |
Year | 2013 |
Court | Court of Appeal of Évora (Portugal) |
Processo nº 146/12.2GBCTX.E1
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO
Nos autos de Processo Sumário com o nº 146/12.2GBCTX, do 2º Juízo do Tribunal Judicial do Cartaxo, foi o arguido A acusado pela prática, como autor material, de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, nºs 1 e 2, do D.L. nº 2/98, de 03/01, e de um crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, nº 1, al. b), do Código Penal, por referência ao artigo 161º, nº 1, al. e), e 162º, nºs 1, al. f), 2 e 3, todos do Código da Estrada.
Por sentença, datada de 18-05-2012, decidiu-se nos seguintes termos:
“1. Absolver o arguido A da prática do crime de desobediência, previsto e punido pelo artigo 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal.
2. Condenar A, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 DL 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €5 (cinco euros), num total de € 300 (trezentos euros), convertível, em caso de incumprimento e nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1 Código Penal, em 40 (quarenta) dias de prisão subsidiária.
3. Condenar o arguido pela prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 161º, nº 1 alínea e) e nº 8 do Código da Estrada, na coima de € 300 (trezentos euros).
4. Condenar o arguido no pagamento das custas processuais fixando-se a taxa de justiça em 1 (uma) UC, reduzida a metade atenta a sua confissão e nos demais encargos previstos na Lei (artigos 344º e 513º Código do Processo Penal, 8º, nº 9, 16º e Tabela III Regulamento das Custas Processuais)”.
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O Ministério Público, inconformado, interpôs recurso, formulando as seguintes (transcritas) conclusões:
“1. O Ministério Público, não se conformando com a douta sentença proferida e depositada em 18 de Maio de 2012 no processo comum (Tribunal Singular) com o nº 146/12.2GBCTX do 2º Juízo do Tribunal Judicial de Cartaxo, que absolveu o arguido A da prática do crime de desobediência p. e p. pelo art. 348º nº 1 al. b) do Cód. Penal, por referência aos artigos art. 161º nº 1 al. e) e 162º nº 1 al. f) nºs 2 e 3 todos do Cód. da Estrada, e o condenou na contra-ordenação p. e p. pelo art. 161º nº 1 al. e) e 8 do Cód. da Estrada, na coima de €300, vem interpor o presente recurso.
2. De acordo com a argumentação expendida na douta sentença recorrida, resulta que a conduta de quem conduz um veículo automóvel que se encontra apreendido por falta de seguro obrigatório não integra a prática de um crime de desobediência mesmo que, no acto de apreensão, o fiel depositário tenha sido advertido de que a condução de tal veículo enquanto fosse vigente a apreensão o faria incorrer na prática de tal ilícito criminal.
3. No entendimento do Tribunal “a quo”, tal conduta integra a contra-ordenação prevista no art. 161º, nº 8 (anterior nº 7), do Código da Estrada, nomeadamente, porquanto a apreensão do veículo por falta de seguro obrigatório implica necessariamente a apreensão do documento de identificação do veículo, pelo que, a condução do veículo nestas condições constitui contra-ordenação e é sancionada com coima, nos termos do já citado artigo.
4. Nessa sequência, entende ainda o Tribunal “a quo” que, considerando que o direito penal tem natureza subsidiária, a entidade policial não pode cominar com a prática do crime de desobediência a conduta de quem conduz um veículo apreendido por falta de seguro obrigatório, sendo tal ordem, se emitida, ilegal, porquanto a referida conduta integra uma contra-ordenação e é sancionada com coima.
5. Ora, desde já avançamos que não podemos aceitar e concordar com tal argumentação, até porque a mesma se mostra contrária à legislação e à jurisprudência maioritária nesta matéria.
6. Aliás, foi já fixada jurisprudência pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão nº 5/2009 (publicado no DR nº 55, 1ª Série A, de 19-03-2009), onde se pode ler que: “O depositário que faça transitar na via pública um veículo automóvel apreendido por falta de seguro obrigatório comete, verificados os respectivos elementos constitutivos, o crime de desobediência simples do artigo 348º, nº 1, alínea b), do Código Penal e não o crime de desobediência qualificada do artigo 22º, nº 1 e 2, do Decreto -Lei nº 54/75, de 12 de Fevereiro”, donde decorre, de forma implícita, que a conduta do agente que conduz veículo apreendido por falta de seguro obrigatório consubstancia a prática de um crime de desobediência, e não uma contra-ordenação, como pretende o tribunal recorrido.
7. Por outro lado, o douto Tribunal “a quo” sustém a sua decisão e argumentação no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 10-03-2010, porém cumpre salientar que o mesmo Tribunal da Relação do Porto, já se pronunciou em sentido contrário àquele noutros acórdãos (todos disponíveis in www.dgsi.pt), nomeadamente, nos processos nº 383/09.7GFVNG.P1, 628/09.3PTPRT.P1, 14/07.0PTPRT.P1, 10452/08.5TDPRT.P1 e, mais recentemente, no processo nº 10452/08.5TDPRT.P2, onde, acerca da mesma questão, conclui desta feita que: “A utilização de veículo automóvel pelo depositário a quem foi confiado com a advertência de não o fazer constitui a prática de um crime de Desobediência do art. 348º, nº 1, al. b), do CP – e não a infracção prevista pelo art. 161º, nº 7, do Código da Estrada”.
8. Neste mesmo sentido ainda o acórdão Tribunal da Relação de Coimbra no processo nº 15/04.0GAVGS.C1.
9. O crime de desobediência imputado ao arguido, na acusação na acusação proferida nos presentes autos, consubstancia-se no facto de o arguido ter conduzido uma viatura, da qual era fiel depositário, tendo sido previamente advertido pela autoridade policial que se o fizesse incorreria na prática de um crime de desobediência.
10. No crime em análise, sanciona-se o destinatário que, ao lhe ser legitimamente transmitida uma ordem ou mandado, sabe que, se os não cumprir, incorre na prática de um crime de desobediência.
11. A advertência ao arguido feita pela autoridade de que a utilização da viatura após apreensão integra o crime de desobediência, ao contrário da cominação legal, constitui, aqui, o elemento objectivo do tipo legal do crime de desobediência, dado que estamos perante uma cominação funcional, para a qual a lei incriminadora, em apreço, exige tal advertência.
12. A fonte de legitimidade da competente autoridade de trânsito para, ao apreender o veículo por falta de seguro, «proibir» o depositário de o fazer transitar, assenta claramente, desde logo, no disposto no artigo 150º, nº 1, do Código da Estrada, que legitima os agentes de autoridade a efectuarem a apreensão, podendo ordenar tudo quanto seja necessário ao cumprimento das funções que lhe estão cometidas, não se colocando qualquer dúvida quanto à regularidade da comunicação efectuada.
13. A apreensão do automóvel que circula sem seguro obrigatório tem uma função cautelar ou preventiva, procurando anular-se a potencialidade lesiva que daí decorre, mais precisamente, o risco que resulta da ausência da garantia de reparação de danos que possam decorrer da circulação do veículo.
14. Porque a ordem de apreensão e de manutenção da apreensão é legítima e provém da entidade a quem a lei conferiu poderes para a dar, é evidente que o desrespeito tem de ser punido, nomeadamente, por violação da proibição cautelar de não condução, transmitida por agente de autoridade, investido de podres para o efeito.
15. A contra-ordenação p. e p. pelo nº 8 do art. 161º do Cód. da Estrada prevê apenas a condução de veículo com documentos...
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