Acórdão nº 1456/20.0T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 11-05-2023
Data de Julgamento | 11 Maio 2023 |
Case Outcome | CONCEDIDA |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 1456/20.0T8VRL.G1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
AA, BB e CC instauraram acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros Açoreana, S.A., agora designada Generali Seguros, S.A.
Invocaram serem, respectivamente, esposa e filhos de DD, que foi atropelado por um veículo seguro na ré, quando atravessava a rua, sendo que, em consequência desse atropelamento, ocorrido por culpa do condutor do veículo seguro na ré, sobreveio a sua morte.
Antes de falecer, DD teve sofrimentos.
Os autores também tiveram sofrimentos com a morte daquele.
Por força do referido óbito, ocorreu também uma perda de rendimentos de € 13.441,08 anuais.
Terminam pedindo a condenação da Ré a pagar-lhes o montante de € 365.989,72, acrescido de juros, à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
A Ré contestou, invocando a violação do princípio da adesão e a ilegitimidade dos autores, no mais impugnando parte da factualidade invocada pelos autores, imputando o sinistro a culpa da vítima.
A Caixa Geral de Aposentações deduziu pedido de reembolso contra a ré, invocando ter pago à viúva do sinistrado, beneficiário da CGA, a quantia de € 70.214,03, até Janeiro de 2020, a título de pensões de sobrevivência por morte do marido; assim como lhe pagou € 1.263,96 a título de subsídio por morte.
Termina pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe as quantias de € 70.214,03 e de € 1.263,96, acrescidas das prestações que se vencessem e fossem pagas na pendência da acção, até ao limite da indemnização a conceder, bem assim como os juros de mora legais, contados desde a citação até integral pagamento.
Contestou a ré Generali Seguros, S.A., alegando a inexistência do direito da CGA, por não estar o mesmo legalmente consagrado, mais invocando a prescrição do direito exercido pela CGA. Impugnou a factualidade invocada pela CGA.
Notificada a CGA para, em 10 dias, se pronunciar sobre as excepções invocadas pela ré seguradora, não o fez.
Realizou-se a audiência prévia, no âmbito da qual, designadamente, se julgou improcedente a excepção de violação do princípio da adesão/incompetência, assim como a excepção de ilegitimidade activa, foi identificado o objecto do litígio e foram enunciados os temas da prova.
Realizou-se a audiência de julgamento, e a final foi proferida SENTENÇA que:
a) julgou improcedente o pedido de reembolso formulado pela Caixa Geral de Aposentações contra a ré, absolvendo-a do pedido;
b) julgou a acção parcialmente procedente, e, em consequência, condenou a ré a pagar aos autores a quantia total de € 54.718,82 (cinquenta e quatro mil setecentos e dezoito euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente decisão até integral pagamento, absolvendo a R. do demais peticionado.”
APELAÇÃO
Inconformadas com esta decisão, todas as partes interpuseram recurso de apelação sendo que a Ré Seguradora o fez subordinadamente (art. 633º CPC), para o Tribunal da Relação de Guimarães, vindo a ser proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:
“Por todo o exposto, este Tribunal da Relação de Guimarães decide julgar os recursos totalmente improcedentes e confirma, com excepção da referida alteração na matéria de facto provada, a sentença recorrida”.
REVISTA
Inconformada com esta decisão, dela veio interpor recurso de revista A Caixa Geral de Aposentações, IP (CGA), “a processar como agravo, em separado, com subida imediata e efeito devolutivo, nos termos dos artigos 672º e 675º do Código do Processo Civil.
Oferecendo as suas conclusões, que culminam com as seguintes conclusões:
1ª A questão de saber se o disposto no artigo 72º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, e no nº1 do artigo 4º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro, abrange ou não a Caixa Geral de Aposentações assume uma relevância jurídica permissiva da revista excepcional.
2ª Trata-se de uma matéria que exige a análise de legislação de direito administrativo - principais diplomas que definem a estrutura do sistema de segurança social português – por forma a resolver uma questão que, com muita frequência, se coloca e colocará na jurisdição civil.
3ª É essencial a pronúncia do Supremo Tribunal de Justiça a fim de se determinar, com certeza e credibilidade, se a CGA pode, com fundamento no artigo 70º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, e no artigo 4º do Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Fevereiro, deduzir pedido de reembolso das prestações por si pagas (pensões de sobrevivência e aposentações por incapacidade).
4ª Com fundamento no disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 672º do Código de Processo Civil, o presente recurso deve ser admitido.
5ª Admitida a revista, deve proceder o recurso.
6ª A Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, estabelece as bases gerais do sistema de segurança social, determinando que o mesmo é composto pelo sistema de protecção social da cidadania, pelo sistema previdencial e pelo sistema complementar.
7ª O artigo 53º da Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro, determina que o sistema previdencial do sistema de segurança social português integra, por sua vez, o regime geral de segurança social aplicável à generalidade dos trabalhadores por conta de outrem e aos trabalhadores independentes, os regimes especiais, bem como os regimes de inscrição facultativa abrangidos pelo n.º 2 do artigo 51.º
8ª O regime de protecção social da função pública gerido pela Caixa Geral de Aposentações, previsto na Lei nº 4/2009, de 28 de Janeiro, é um dos regimes especiais que integra o sistema previdencial do sistema de segurança social. Por conseguinte encontra-se abrangido pela Lei nº 4/2007, de 16 de Janeiro.
9ª Efectivamente, a Lei nº 4/2009, de 29 de Janeiro, diploma que define o regime de protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas (gerido pela CGA), determina no seu artigo 2º que “A protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas enquadra-se no sistema de segurança social, aprovado pela lei de bases da segurança social.”
10ª Por outro lado, o nº 2 do artigo 17º da Lei nº 4/2009, de 29 de Janeiro, expressamente determina que ao regime de protecção social convergente – aquele que a CGA gere –, para além dos princípios gerais da lei de bases (Lei nº 4/2007), se aplicam as disposições referentes ao sistema previdencial constantes nos capítulos iii, iv,vi.
11ª O capítulo iv da Lei 4/2007, de 16 de Janeiro, integra os artigos 67º a 80º, logo o artigo 70º da Lei nº 4/2007, onde se determina que “No caso de concorrência pelo mesmo facto do direito a prestações pecuniárias dos regimes de segurança social com o de indemnização a suportar por terceiros, as instituições de segurança social ficam sub-rogadas nos direitos do lesado até ao limite do valor das prestações que lhes cabe conceder”, aplica-se à CGA.
12ª O Decreto-Lei nº 59/89, de 22 de Janeiro, é, de igual forma, aplicável à Caixa Geral de Aposentações, que é, para todos os efeitos legais, uma instituição de segurança social.
13ª Acresce que a pensão de sobrevivência atribuída pela CGA tem a mesma natureza que a pensão de sobrevivência atribuída no âmbito do regime geral da segurança social.
14ª Independentemente dos exactos termos em que a prestação é regulada num e noutro regime, a pensão de sobrevivência é sempre uma pensão que é paga aos familiares do falecido, que se destina a compensar os familiares pela perda de rendimentos resultante do seu falecimento, que é calculada em função da pensão de aposentação/reforma que o falecido recebia ou a que teria direito com base no regime aplicável e cujo abono depende do pagamento de contribuições.
15ª Contrariamente ao decidido pela Relação de Guimarães, a pensão de sobrevivência, seja no regime geral, seja no regime especial da CGA, apesar das regras específicas sobre cálculo, titularidade, condições de acesso, tem sempre a mesma natureza.
16ª Atenta a natureza das pensões de sobrevivência, cuja finalidade é, para ambos os regimes (quer seja o da protecção social da função pública, quer seja o do sistema de segurança social), a de compensar os familiares/herdeiros hábeis do beneficiário da perda dos rendimentos de trabalho determinada pela morte deste, não se vislumbra que justificação pode haver para que, no caso de existir um terceiro responsável pela morte, a Segurança Social possa pedir o reembolso das pensões por si abonadas e a CGA não o possa fazer.
17ª Acresce que a interpretação legal feita pela Relação de Guimarães ignora que o legislador, através, da Lei n.º 60/2005, de 29 de Dezembro, estabeleceu mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões de aposentação e sobrevivência. Por essa razão, no artigo 6º, o legislador determinou que a titularidade e condições de atribuição de determinadas pensões de sobrevivência abonadas pela CGA passassem a reger-se pelas regras definidas no regime geral da segurança social.
18º A interpretação acolhida pelo acórdão impugnado, por outro lado, traduz-se na consagração de um tratamento desigual, não justificado, entre beneficiários do regime geral da segurança social e beneficiários do regime de protecção social convergente: o titular da prestação abonada pela CGA pode acumular a totalidade da pensão de sobrevivência com a totalidade da indemnização que venha a ser fixada judicialmente para ressarcir a perda dos rendimentos dos trabalhos. O titular de uma pensão de sobrevivência atribuída pelo CNP não pode acumular a pensão com a indemnização por se considerar que uma e outra pretendem ressarcir os mesmos danos.
19ª A interpretação acolhida pelo acórdão impugnado é, por fim, uma interpretação da lei que dificilmente se articula com o regime da pensão unificada, previsto no Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de Novembro.
20ª O acórdão proferido pela Relação de Guimarães viola os seguintes preceitos normativos: artigo 9º do Código...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO