Acórdão nº 1452/09.9TBACB.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 15-11-2011
Judgment Date | 15 November 2011 |
Acordao Number | 1452/09.9TBACB.C1 |
Year | 2011 |
Court | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
I
A... instaurou, na comarca de Alcobaça, a presente acção declarativa, com processo sumário contra Companhia de Seguros B... S.A., pedindo a condenação desta no pagamento de € 11 922,83.
Alega, em síntese, que a 28 de Maio de 2005, na EN n.º 8, na localidade de Feteira, em Alcobaça, quando conduzia o seu motociclo da marca Suzuki, modelo GSXR 1000, de matrícula ...SJ, a roda dianteira deslizou no asfalto, causando o seu descontrolo, o que provocou a sua queda, acabando o motociclo por cair e arrastar-se cerca de 10 metros, tendo parado somente quando embateu na valeta do outro lado da estrada.
Mais alega em consequência desse acidente teve danos patrimoniais e não patrimoniais que avalia em € 11 922,83 e que tinha celebrado com a ré um contrato de seguro relativo a esse motociclo.
A ré contestou dizendo, em suma, que os danos próprios invocados pelo autor não se encontram cobertos pela apólice de seguro e que, nos termos do contrato de seguro, optou pela atribuição de uma indemnização em dinheiro, correspondente ao valor venal do motociclo ...SJ à data do acidente, deduzido do valor do salvado e da franquia aplicável.
Proferiu-se despacho saneador, fixaram-se os factos assentes e elaborou-se a base instrutória.
Realizou-se julgamento e proferiu-se sentença em que se decidiu:
"Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção parcialmente procedente por provada e condenar a Ré:
No pagamento ao A. de uma indemnização no valor global de 5.839,51€ (cinco mil, oitocentos e trinta e nove euros e cinquenta e um cêntimos), acrescida dos respectivos juros legais desde a data da citação até integral pagamento".
Inconformada com tal decisão, a ré dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
1.º Deu-se como provado na alínea R) da rubrica “Factos Assentes” que o contrato de seguro celebrado entre o A. e a Ré incluía a Condição Especial “Complemento de Indemnização por Perda Total” a qual permitiria, no caso vertente, que ao montante a indemnizar correspondente ao valor do motociclo ...SJ - € 5,839,51 – deveria ser acrescido 20% desse mesmo valor, ou seja, € 1.167,00.
2.º Constata-se, porém, pelo Clausulado da Apólice (fls. 43 a 79) que o “Complemento de Indemnização por Perda Total” é uma cláusula autónoma e independente da do risco “Choque, colisão, capotamento e Quebra Isolada de Vidros” e que, como as “Condições Particulares do Contrato” revelam ao elencar os riscos garantidos não foi contratada (cfr. fls. 41 e 42).
3.º Logo ela é inaplicável.
4.º Ora, a natureza substancial da forma do contrato de seguro não permite que a apólice seja suprida por qualquer outro meio de prova.
5.º E, por outro lado, o teor da especificação e da base instrutória, por não constituir caso julgado formal, pode ser alterado até ao transito em julgado da decisão, sendo certo que, em hipótese de recurso, tem de se tomar em consideração o disposto no artigo 712.º do Cód. de Proc. Civil.
6.º No caso vertente, dada a natureza formal do contrato de seguro, verificam-se os pressupostos das alíneas a) e b) do n 1 do citado artigo 712.º do Cód. de Proc. Civil já que do processo constam todos os elementos de prova que serviram de base à decisão, elementos esses que impõem decisão diversa.
7.º Consequentemente, deve esse Alto Tribunal, ao abrigo do disposto na alínea e) do nº 1 do artigo 508º-A e das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 712.º do Cód. de Proc. Civil, proceder à eliminação da alínea R) dos Factos Assentes e da matéria constante dessa mesma alínea.
8.º E, sendo assim, como se crê que deve ser, deverá igualmente considerar inaplicável à hipótese dos autos tal clausula e, consequentemente, absolver a Ré do pagamento do montante de € 1.167,90 que da aplicação dela resultou.
9º De resto, o A. limita o seu pedido ao valor patrimonial do motociclo ...SJ à data do sinistro, valor esse que fixa em € 5.800,00, abstendo-se de peticionar qualquer valor suplementar e, designadamente, os referidos 20%.
10.º Assim a indicada condenação em € 1.167,90 traduz-se na nulidade prevista na alínea e) do nº 1 do artigo 668.º do Cód. de Proc. Civil, nulidade essa que, portanto, expressamente argue e deverá proceder, sempre com a inerente absolvição da Recorrente em relação à referida quantia de € 1.167,90.
11.º Em resumo, e no que respeita à matéria que acima se deixa citada, constata-se ter havido violação do disposto quer o artigo 508º-A, quer da alínea e) do n.º 1 do artigo 668.º, ambos do Cód. de Proc. Civil.
12.º Por outro lado, a douta sentença recorrida não obstante ter reconhecido que o A. ficou na posse do salvado entendeu condenar a Ré no pagamento da quantia que considerou como sendo correspondente ao valor da viatura face ao pedido do A. apenas deduzido do valor da franquia.
13.º Sendo assim, se o A. cumular a indemnização pelo valor do motociclo ...SJ com a posse do salvado, haverá um enriquecimento do lesado com violação, portanto, do disposto no artigo 562.º do Código Civil.
14.º Deveria, pois, a douta decisão recorrida ter fixado, em equidade, um valor ao salvado já que a resposta ao quesito 18.º foi “Não Provado” e deduzir esse mesmo valor à indemnização a satisfazer ao A., ora Recorrido.
15.º Não o entendendo assim a douta sentença recorrida violou o disposto no artigo 562.º do Código Civil.
16.º Por todo o exposto deve, pois, conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, proferir-se Acórdão em que, confirmando-se o mais decidido, se absolva a Recorrente da quantia de € 1.167,90, se fixe, em equidade, o valor do salvado e se reduza o valor da indemnização pela perda total do motociclo ...SJ à diferença entre o valor deste e o que resultar da soma do valor da franquia e do que for determinado para o salvado do, como é de Justiça.
Por sua vez o autor também não se conformou com a sentença e dela interpôs recurso, que foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo, findando a respectiva motivação, com as seguintes conclusões:
A) A indemnização devida pela privação do uso, advém da mora no cumprimento do contrato por parte da Recorrida, consubstanciada na omissão do pagamento do valor venal do veículo ou, em alternativa, da sua reparação natural, tal como consta do contrato de seguro celebrado entre as partes.
B) Andou mal a Meritíssima Juiz a quo ao considerar não ser devida a indemnização pela privação do uso, fundamentando a sua decisão no facto de não ter sido contratada no respectivo contrato de seguro, mormente nas suas condições particulares, a cobertura facultativa de privação do uso.
C) A R. Seguradora pretendia pagar ao A. apenas a quantia de € 1.167,70, montante em muito inferior ao valor venal do veículo, valor este que o A. não aceitou.
D) Tal recusa por parte do Recorrente é legítima, uma vez que a prestação que a Recorrida pretendia efectuar não coincidia com a que lhe era devida, subsistindo, portanto, a mora da Recorrida.
E) A privação do uso do veículo, em consequência da mora da Recorrida em reparar os danos do Recorrente, tal como contratado entre ambos, constitui um ilícito gerador da obrigação de indemnização, na medida em que impediu o Recorrente, proprietário do veículo, do exercício dos direitos inerentes à propriedade, nomeadamente o poder e o direito de utilizá-lo como entender, tendo, inclusive, a possibilidade de não o utilizar.
F) A privação do uso do veículo constitui um dano patrimonial indemnizável, tanto mais que provado ficou ter o A. ficado privado da sua utilização e da necessidade diária de utilizar o veículo quer para os afazeres profissionais quer pessoais, deslocando-se de casa para o local de trabalho.
G) A quantia peticionada pelo A. de € 5,00 (cinco euros) por cada dia de privação do uso do seu veículo, desde a data do acidente até à sua integral reparação natural ou em dinheiro, mostra-se justa e adequada, pelo que deverá ser esse o montante atribuído a título de indemnização pela privação do uso.
H) Violou, assim, a douta sentença recorrida, o disposto nos art.ºs 562.º, 563.º e 762.º do Código Civil.
O autor não contra-alegou no âmbito do recurso interposto pela ré e esta contra-alegou relativamente ao recurso interposto por aquele sustentando a improcedência do mesmo.
Face ao disposto nos artigos 684.º n.º 3 e 685.º-A n.os 1 e 3 do Código de Processo Civil[1], as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e, considerando a natureza jurídica da matéria versada, as questões a decidir consistem em saber se:
1 - no recurso interposto pela ré:
a) deve eliminar-se a alínea R) dos factos assentes;
b) ao abrigo da cláusula 2.º Limites de Indemnização, das Condições Especiais do contrato de seguro, é devida ao autor uma indemnização no montante de € 1 167,90;
c) e, se se responder afirmativamente à questão anterior, terá então que se averiguar se a condenação da ré no pagamento desses € 1 167,90 ultrapassa os limites do pedido do autor;
d) na a determinação do montante da indemnização relativa ao valor do motociclo ...SJ deve ser abatido o valor dos salvados e, a ser assim, não se tendo provado a quanto ascende este, se se deve recorrer à equidade.
2- no recurso interposto pelo autor:
e) é devida indemnização pela privação do uso do motociclo ...SJ.
II
1.º
A ré sustenta que se deve eliminar a alínea R) dos factos assentes, dizendo que a cláusula aí mencionada "não foi contratada. Inequivocamente o demonstra, crê-se, quer o Clausulado da Apólice, quer as designadas Condições Especiais da Apólice.
Do clausulado da Apólice de (fls. 43 a 79) extrai-se que a Cláusula “Complemento de Indemnização por Perda Total” (págs. 14 desse Clausulado) é uma cláusula autónoma não se confundindo com a de “Choque, colisão,...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO