Acórdão nº 144/22.8T8VLN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 23-11-2023

Data de Julgamento23 Novembro 2023
Ano2023
Número Acordão144/22.8T8VLN.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAMOS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
* * *
1. RELATÓRIO

1.1. Da Decisão Impugnada
A Autora EMP01... LDA veio, nos termos e para os efeitos do artigo 15º da Lei nº54/2005, de 15 de novembro, propor ação de reconhecimento da sua propriedade sobre parcelas de leitos ou margens de águas navegáveis ou flutuáveis, contra o ESTADO PORTUGUÊS, representado pelo Ministério Público, pedindo que se «julgue procedente a presente ação e, em consequência, reconhecer a propriedade privada dos prédios supra elencados, bem como a sua qualidade de proprietária dos mesmos, nos termos e para os efeitos do artigo 15.º, n.º 5, al. a) da Lei 54/2005, de e 15 de novembro».

Fundamentou a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «a Autora é uma sociedade comercial que se dedica à exploração, produção e comercialização de propriedades, produtos agrícolas, frutícolas e de origem animal; no âmbito da sua atividade, a Autora detém explorações agrícolas no concelho ..., dedicadas, sobretudo, à produção de kiwis; nesse contexto, a Autora é proprietária de 52 prédios rústicos, identificados pelo seu número do artigo matricial, todos no concelho ..., mais concretamente nas freguesias de ... e União das Freguesias ..., ... e ..., cuja área total corresponde sensivelmente a 22 hectares, os quais, ao longo da sua extensão, são contíguos ao ...; todos estes prédios foram constituídos por força de uma operação de emparcelamento, autorizada no ano de 1996, através da Resolução do Conselho de Ministros nº167/96, proferida ao abrigo do Dec.-Lei nº103/90, de 22/03, operação essa que se foi efetivando ao longo do início da década de 2000, à medida que foram sendo lavrados os competentes autos pela ... (entretanto substituída pelo ...) e inscritos na matriz os novos prédios; os prédios da Autora inserem-se totalmente na área prevista no projecto de emparcelamento; esta circunstância e a localização dos prédios em zona contígua (em parte mesmo marginal) do ..., constituem a motivação da Autora para a propositura da presente acção); não deixou a Autora de procurar elementos de prova documental de que os seus prédios eram, por título legítimo, objeto de propriedade particular ou comum antes de 31 de dezembro de 1864, tendo-se mantido na esfera particular até aos dias de hoje, mas através da consulta de diversas entidades foi possível apurar que é impossível reconstituir qualquer histórico ou “trato sucessivo” dos prédios porque, por força da operação de emparcelamento, não existe qualquer correspondência entre os prédios atuais e os anteriormente existentes; ainda que a Autora lograsse efetuar a correspondência entre os seus prédios e os existentes antes do emparcelamento, ainda lhe caberia identificar e localizar os proprietários de cada um dos prédios, para depois lhes solicitar a prova documental exigida pela Lei 54/2005, quando estes se encontram em nome de heranças indivisas, ou então nem estão regularmente registados; mas a propriedade da Autora sempre haverá que ser reconhecida com apelo à alínea a) do nº5 do artigo 15º, atendendo à desafetação do domínio público dos prédios, assumida na sobredita operação de emparcelamento; chamado a pronunciar-se sobre a titularidade dos terrenos abrangidos pela proposta de emparcelamento, entendeu o Estado Português que os mesmos se encontravam no domínio privado, permitindo inclusivamente o seu emparcelamento e não tendo feito qualquer ressalva ao domínio público hídrico e que inexiste qualquer utilidade pública a salvaguardar, prevalecendo o interesse dos particulares (com reflexos gerais na comunidade, claro está), de desenvolver no local os seus projetos agrícolas; através da Resolução do Conselho de Ministros nº167/96, operou-se uma desafetação do domínio público dos referidos terrenos, até porque a sua dominialidade, à data, resultava já do Dec.-Lei nº468/71, de 05/11; apesar de não ter dúvidas da propriedade privada dos prédios, a Autora interpõe a presente ação porque, no contexto dos seus projetos agrícolas candidata-se frequentemente a fundos europeus, no seio dos quais é habitualmente solicitado parecer prévio à APA, tendo já sido confrontada com um parecer desfavorável desta entidade precisamente com fundamento na suposta dominialidade dos terrenos, nos termos da Lei 54/2005, daí resultando um forte constrangimento à sua atividade, bem como às
potencialidades agrícolas dos seus prédios».
Citado, o Réu contestou, pugnando pela «procedência da exceção dilatória de incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo de Competência Genérica ..., para conhecer do pedido formulado pelo Autor e, em consequência, absolvidos o Réu da instância» ou, caso assim não se entenda, pela «não procedência da acção, na ausência de prova dos factos alegados, com absolvição do R.-Estado».
Fundamentou a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «no caso concreto discute-se essencialmente, conforme articulado na petição, a legalidade de actos provenientes do poder Executivo, no caso do Conselho de Ministros, através da Resolução nº167/96 que operou a desafectação do domínio público hídrico das parcelas e terrenos mencionados na petição e com as particularidades que se apontam em sede de impugnação, ou seja, um acto administrativo; a alegação efectuada na petição aponta no sentido de se verificar uma incompatibilidade de decisões proferidas em confronto com tal Resolução do Conselho de Ministros que não tem valor de lei, estritamente, uma vez que se configura como acto administrativo; a intransigência de um organismo do Estado, no caso a APA, dependente do Ministério respectivo, em acolher a decisão proveniente daquela Resolução, por encontrar na mesma uma incompatibilidade legal, decorrente da Lei 54/2005, coloca em crise a estabilidade de actos da Administração Pública, ao impedir a consideração como desafectados os terrenos em causa, desrespeitando por isso o conteúdo do acto administrativo decorrente da Resolução do Conselho de Ministros; tal intransigência administrativa constitui escolho que configura um litígio entre actos administrativos e normas legais, ambos provenientes de poderes públicos, exclusivamente e por isso encontra eco naquelas alíneas do artº 4º nº1 do ETAF , de molde a remeter a competência material para o conhecimento dos mesmos à jurisdição administrativa; os tribunais administrativos são os competentes para apreciar o litígio dos autos, ao abrigo do artigo 4, nº1 b) c) e d) do ETAF; não se aceita o facto articulado no sentido de tais prédios, quantificados em 52, pertencerem todos ao domínio de emparcelamento; os prédios nº ...55, ...63 e ...28, não se localizaram entre os lotes relativos ao mencionado emparcelamento; os prédios ...72, ...05, ...17, ...09 (lotes ...03, ...31, ...32 e ...33) do projecto de emparcelamento localizam-se fora da margem do ..., não integrando por isso domínio público hídrico; os restantes 45 prédios identificados no artº 3º da PI, ocupam parcelas na margem do ... que neste local tem a largura de 50 metros, sujeita ao disposto nos artºs 5º e 6º da Lei 54/2005 de 15/11 e por isso aplicável o disposto no artº 15º da mesma lei; as margens e linhas limite apresentadas foram definidas com base nos critérios da Portaria 204/2016 de 25/06 e não inviabilizam a definição através do procedimento próprio da delimitação do domínio público hídrico; este procedimento administrativo resulta do disposto no artº 17º daquela lei 54/2005 e no caso concreto não se encontra realizado, pelo que tal delimitação se encontra por fazer; não se efectuou qualquer desafectação de terrenos do domínio público hídrico, através da Resolução mencionada na petição operada em 1996; tudo se reportará, na ausência de desafectação válida e relevante, à prova a produzir pelo A. de acordo com 15º da Lei 54/2005 e por isso reconduzir-se-á à circunstância de os terrenos em causa serem propriedade privada desde pelo menos o ano de 1864, o que está longe de se encontrar provado, mormente por ausência de documentos pertinentes, nem sequer tal tendo sido alegado e portanto estando ausente de discussão eventual; permanece por provar, sendo tal ónus do A. a correcta configuração dos terrenos reivindicados pelo A. maxime a sua delimitação precisa, subtraindo-o à presunção de titularidade em nome do Estado, por se encontrar dentro do limite da área pertencente ao domínio hídrico público, aqueles que efectivamente revestem tal natureza».
Na data de 20/05/2022, a Autora apresentou articulado através do qual, para além do mais, respondeu à excepção dilatória da incompetência, pugnando pela sua improcedência, alegando, essencialmente, o seguinte: «o que está em causa nos presentes autos é tão-só o reconhecimento do direito de propriedade privada da Autora sobre parcelas do ..., e independentemente dos alegados fundamentos que o Réu possa ter, é hoje pacífico o entendimento de que o que releva para efeitos do recorte da competência dos tribunais em razão da matéria é a relação material controvertida, tal como esta vem configurada pelo Autor na petição inicial; contrariamente ao raciocínio do Réu, a presente ação não impugna nem tem em vista a anulação ou declaração de nulidade de um qualquer ato administrativo ou normativo, visando apenas única e exclusivamente o reconhecimento da propriedade privada dos prédios em causa, e não reside em qualquer outra questão proveniente ou relacionada com a impugnação de atos administrativos ou normativos proveniente de alguma entidade administrativa, não sendo a relação material controvertida uma relação jurídica administrativa, tal como vem prevista e enunciada no n.º 1 do artigo 1.º do ETAF e nas alíneas a), b) e d) do n.º 1 do artigo 4.º do ETAF; e uma vez que, nos termos do n.º 1 do artigo 15.º da Lei n.º 54/2005, de 15/11, “Compete aos tribunais comuns decidir sobre a propriedade ou posse de parcelas de leitos ou margens das...

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