Acórdão nº 144/13.9YRLSB.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 22-01-2014

Data de Julgamento22 Janeiro 2014
Case OutcomeNEGADO PROVIMENTO AO RECURSO.
Classe processualMANDADO DE DETENÇÃO EUROPEU
Número Acordão144/13.9YRLSB.S1
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA, de nacionalidade italiana, com os sinais dos autos, notificado da decisão de 31 de Julho de 2013 veio, ao abrigo do disposto no art. 24° e seguintes da Lei n° 65/2003 de 23 de Agosto, interpor recurso para as Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça.

As razões de discordância encontram-se expressas nas conclusões da respectiva motivação de recurso onde se refere que:

1ª- O Acórdão recorrido viola/violou o princípio da especialidade que foi expressamente invocado pelo detido AA logo na audição de 24.01.2013;

2ª- O princípio da especialidade mostra-se transposto para o direito interno no artigo 7° da Lei 65/2003 de 23 de Agosto, único diploma legal que rege esta matéria, norma que foi erradamente interpretada -logo violada - pela decisão recorrida;

3ª- Não pode em circunstância alguma, mais a mais tratando-se de matéria de interpretação de lei criminal, lançar-se mão para efeitos hermenêuticos da extinta Decisão-Quadro porque é a Lei 65/2003 de 23 de Agosto que agora nos diz tudo e comanda o que diz respeito ao princípio da especialidade;

4ª- A decisão recorrida fez uma leitura literal da al. g) do n° 2 do art. 7º da referida Lei 65/2003 de 23.08 o que conduziu, erradamente, à conclusão absurda de que sendo o Estado Português o Estado de Execução, este poderia consentir que a pessoa entregue pudesse ser privada de liberdade por infracção praticada em momento anterior à sua entrega e diferente daquela que motivou a emissão do mandado de detenção europeu;

5ª - A redacção do nº 4 do art. 7° da Lei nº 65/2003 de 23.08 que remete para al g) do n° 2 do mesmo é reconhecido pelo MºPº nestes autos como parcialmente ininteligível acabando por repristinar o artigo 27 da Decisão-Quadro, repristinação esta que é ilegalmente corroborada pelo Acórdão recorrido;

6ª- As eventuais dificuldades de interpretação do citado normativo não podem ser resolvidas através da repristinação de normas revogadas pelo tratado de Lisboa e pela transposição feita pela Lei na 65/2003 de 23.08, porque só os órgãos do poder legislativo têm competência para alterar esse ou qualquer outro normativo que esteja em vigor;

7ª- O douto Acórdão recorrido violou o art. 7° da Lei 6512003 de 23.08 ao ter reconhecido que os três novos MDE cabiam nas excepções do n° 2 do mesmo, esvaziando assim o princípio da especialidade a que o ora recorrente não renunciou;

8ª- O princípio da especialidade invocado pelo ora recorrente determina forçosamente a recusa/negação da extensão do consentimento requerida pelas autoridades italianas para os três novos MDE;

9ª- Tal recusa/negação da extensão do consentimento para os três novos MDE não inviabiliza a possibilidade das autoridades italianas fazerem uso do procedimento extradicional "normal" em vez do procedimento simplificado do MDE.

10ª- O Acórdão recorrido, ao ter violado a Lei pela forma supra descrita, incluindo a própria Constituição, acabou por se quedar pelo simples controlo formal das decisões/sentenças apresentadas nos três novos MDE, quando se tivesse havido algum controlo substancial das mesmas ter-se-ia detectado que o segundo e o terceiro MDE respeitam à mesma sentença porque a última foi aplicada ex vi do CP italiano - não há duas penas distintas mas uma só de 1 ano, oito meses e 28 dias.

Termina pedindo que seja o presente recurso julgado procedente por provado e seja negado o consentimento solicitado pelas autoridades judiciárias italianas nos três novos MDE, revogando-se assim o Acórdão recorrido.

Os autos tiveram os vistos legais.

*

De acordo com os elementos constantes dos autos podemos concluir que:

Na génese dos mesmos encontram-se os três novos MDE de fls. 244-276, emitidos pelas autoridades judiciárias italianas para cumprimento de penas aplicadas por factos anteriores, não incluídos no MDE que determinou a entrega do detido.

O Ministério Público promoveu a respectiva execução (fls. 278- 280v.), na forma de prestação de consentimento por este tribunal da Relação, em conformidade com o estabelecido no artigo 27.º, n.º 4, da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, transposto para o direito interno pelo artigo 7.º da Lei n.º 65/2003, de 23 de Agosto, nos termos que se transcrevem:

1. Em conformidade com decisão de 24 de Janeiro de 3013 (fls. 14-15), foi o cidadão italiano AA entregue às autoridades italianas no dia 25 de Janeiro de 2013 (fls. 35), em execução do MDE a que se refere o formulário A relativo à inserção no Sistema de Informação Schengen de fls. 3 e segs.

O detido foi entregue para cumprimento de uma pena de 5 anos de prisão, pelos factos constantes de fls. 6, praticados em 9 de Maio de 2006 (fls. 6), os quais, de acordo com a decisão condenatória do tribunal de Turim, constituem um crime de extorsão qualificada p. e p. pelos artigos 110.º e 629.º do Código Penal italiano.

O detido consentiu na entrega, mas não renunciou ao benefício da regra da especialidade (cfr.fls. 11).

2. Vem agora o Ministério da Justiça de Itália (Direcção Geral da Justiça Penal) transmitir a este Tribunal da Relação 2 novos MDE emitidos pela Procuradoria da República junto do Tribunal de Milão, com as datas de 10 de Julho e de 16 de Julho de 2013 (fls. 244ss e 259ss).

De acordo com a comunicação do Ministério da Justiça de Itália, estes MDE equivalem a pedidos de consentimento na extensão da entrega do detido AA, nos termos do artigo 27. º, n.º 4, da Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao MDE e aos procedimentos de entrega entre os Estados-Membros da União Europeia.

3. Após ter sido entregue, em 25 de Janeiro de 2013, às autoridades italianas, o detido declarou, perante elas, que não renuncia ao benefício do princípio da especialidade (cfr.fls. 258).

Como se extrai do auto de audição de fls. 258, quando ouvido pela autoridade judiciária de execução das penas de Milão (Tribunal de Sorveglianza di Milano, Ufficio di Sorveglianza), o detido não foi informado, nem nada disse, quanto à faculdade de se opor à execução dos MDE emitidos para cumprimento das penas correspondentes aos crimes a que estes MDE se referem, no caso de ser solicitado, como agora sucede, o consentimento da autoridade de execução

4. Os MDE agora recebidos são os seguintes:

a. MDE para efeitos de cumprimento da pena de 1 ano, 2 meses e 20 dias de prisão, aplicada por sentença de 8 de Março de 2010, do Tribunal de Milão, transitada em julgado, confirmada por sentença de 26 de Março de 2012 do Tribunal da Relação de Milão, pela autoria de factos anteriores à entrega, os quais, de acordo com a decisão condenatória, integram um crime de corrupção, p. e p. pelo artigo 321. º do Código Penal italiano (fls. 263), que a autoridade de execução inclui na parte I, do campo e), do formulário do MDE, não sujeita à verificação da dupla incriminação (fls. 264);

b. MDE para efeitos de cumprimento da pena de 3 anos e 10 meses de prisão, aplicada por sentença de 7 de Junho de 2012, do Tribunal da Relação de Milão, transitada em julgado, pela autoria de factos praticados entre Outubro de 2006 e Dezembro de 2008, os quais, de acordo com a decisão condenatória, integram crimes de "indicação de elementos passivos fictícios nas declarações anuais relativas aos impostos de renda e no IV A " e de "bancarrota fraudulenta patrimonial e documental agravada" (fls. 270 e 271), incluídos, pela autoridade de emissão, na 1ª parte do campo e) do formulário do MDE, não exigindo, por conseguinte, verificação da dupla incriminação (fls. 273);

Pronunciando-se sobre a matéria dos autos refere a decisão recorrida que:.

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A questão que se coloca é assim quanto a nós, não a de saber se no nosso ordenamento jurídico existe a previsão legal da excepção ao princípio da especialidade por via da prestação do consentimento pela autoridade judiciária de execução (no caso este Tribunal da Relação de Lisboa), que é indiscutível quanto a nós, sendo certo que o próprio arguido nem sequer discute a previsão da norma da alínea g) do nº 3 do artº 7º da Lei nº 65/2003, mas apenas a questão de saber em que termos poderá ser prestado esse consentimento, isto é qual a regulamentação e termos de aplicação do mesmo.

Entendemos pois que a simples leitura da alínea g) do nº 3 do artº 7º impõe a constatação de que existe uma deficiente redacção no corpo do nº 4 do artº 7º do mesmo diploma legal e que onde se lê “Se o Estado membro de emissão for o Estado Português” se deve ler “Se o Estado membro de execução for o Estado Português”.

Se assim não fosse, existiria um vazio legislativo e seria incompreensível a remissão feita na alínea g) quanto à regulamentação do consentimento aí previsto, para os termos previstos no nº 4 do mesmo artº 7º.

Assim, deve este consentimento ser prestado sempre que a infracção para a qual é solicitado, dê ela própria lugar à entrega em conformidade com o disposto na Decisão Quadro, isto é, sempre que estejam reunidas as condições que permitiriam a execução da entrega do cidadão procurado, caso se tratasse da execução de um primeiro MDE emitido por um Estado membro, numa situação sem que a pessoa procurada em questão não tivesse ainda sido ouvida pelo Tribunal de execução e sujeita a qualquer detenção.

Essa análise acerca da existência dessas condições exigíveis na lei, é assim criteriosamente e fundadamente feita pela autoridade de execução, como sucedeu no caso sub judice por este Tribunal da Relação – e tal análise dá-nos desde logo uma garantia de que não poderá ser prestado o consentimento para entrega do detido ao Estado de Emissão, para cumprimento de uma pena crime em relação a todo e qualquer delito.

Por outro lado, o actual sistema legal em vigor, com a previsão desta excepção ao princípio da especialidade, assegura quanto a nós, todas as garantias de...

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