ACÓRDÃO N.º 143/2024
Processo n.º 85/2023
1.ª Secção
Relator: Conselheiro Gonçalo de Almeida Ribeiro
Acordam, em conferência, na 1.ª secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que são recorrentes A. e B. e recorrido C., foram interpostos os presentes recursos, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, referida adiante pela sigla «LTC»), dos acórdãos daquele Tribunal, de 20 de abril de 2021 e de 29 de novembro de 2022, e dos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 4 de novembro de 2019 e de 10 de fevereiro de 2020.
2. Pela Decisão Sumária n.º 705/2023, decidiu-se, ao abrigo do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não tomar conhecimento dos objetos dos recursos.
3. Notificado de tal decisão, o recorrente B. apresentou requerimento apontando um lapso de escrita incidente sobre o seu nome e, na mesma data, formulou requerimento autónomo por via do qual requereu a sua constituição como assistente da ré e co-recorrente A., nos termos do artigo 327.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Por despacho do relator, datado de 26 de outubro de 2023, determinou-se a correção do lapso de escrita que afectava a Decisão Sumária n.º 705/2023 e indeferiu-se o pedido de constituição como assistente. Tal indeferimento foi assim fundamentado:
«O recorrente B., dirigindo-se a este Tribunal, requer a sua constituição como assistente da ré, nos termos do artigo 327.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.
Contudo, no âmbito da instância de recurso de constitucionalidade – a única sobre a qual o Tribunal Constitucional dispõe de poderes de conformação da relação jurídica processual – não há lugar à figura da assistência, uma vez que, nos termos do artigo 71.º da LTC, os recursos de fiscalização concreta são restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitadas.
De qualquer forma, tendo o requerente assumido a posição de recorrente autónomo na presente instância, nunca poderia nela intervir simultaneamente como assistente de um seu co-recorrente, dado que, nos termos do artigo 326.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, o assistente não pode intervir no processo como parte principal.
Indefere-se, pois, o requerido».
4. Notificado, o recorrente apresentou reclamação com o seguinte teor:
1. Pela decisão singular em referência «[i]ndefere-se» a constituição do signatário como assistente da Ré, requerida ao abrigo do artigo 327.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), sendo tal indeferimento fundado, declaradamente, em dois argumentos distintos:
i) porque «no âmbito da instância de recurso de constitucionalidade (...) não há lugar à figura da assistência, uma vez que, nos termos do artigo 71.º da LTC, os recursos de fiscalização concreta são restritos à questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade suscitada»; e, além disso,
ii) porque, «tendo o Requerente assumido a posição de recorrente autónomo na presente instância, nunca poderia nela intervir simultaneamente como assistente de um seu co-recorrente, dado que, nos termos do artigo 326.º, n.º 1, do CPC, o assistente não pode intervir no processo como parte principal».
2. Curando de refutar, acto contínuo, esta argumentação, será mister notar, antes de mais, que o comando do invocado n.º 1 do artigo 326.º do CPC não discrimina a espécie de processo, ou a fase deste, em que o assistente pode, «a todo o tempo» (nos termos do n.º 1 do artigo seguinte), intervir «para auxiliar qualquer das partes». Como será de meridiana evidência, caso esse estatuto houvesse sido anteriormente conferido ao ora reclamando requerente, nada obstaria a que este mantivesse essa posição processual perante o Tribunal Constitucional: notoriamente, o recurso de constitucionalidade sub judice poderia ter sido por si próprio interposto.
3. Importante é, sim, que o requerente demonstre ter «interesse jurídico em que a decisão do pleito seja favorável» à parte que pretende auxiliar, e isso, se bem se julga, deixou a actual Recorrente bastantemente demonstrado no seu requerimento de 25-1-2023, ao alegar que a sua pessoa
«4. (...) encontra-se agora a litigar perante o Tribunal Constitucional, onde o regime de custas é sobremodo penalizador, numa situação financeira no limite daquela que actualmente confere o direito à assistência judiciária.
5. Neste quadro, portanto, compreender-se-á a intenção da Recorrente, se bem se julga, de desistir do recurso de constitucionalidade que interpôs e foi admitido in limine, desde que o seu actual mandatário e ex-marido - o qual, no processo judicial de origem, oportunamente «requereu a sua própria constituição como assistente, tendo para tal solicitado à Segurança Social o necessário apoio judiciário, que lhe foi prontamente concedido»: ibid., n.º 2 - seja admitido a intervir como seu assistente nos trâmites desse mesmo recurso, antes que sobre ele seja proferida qualquer decisão tributável em custas».
4. Já quanto ao argumento segundo o qual o assistente não pode intervir no processo como parte principal, é certo que, nos termos do n.º 1 do artigo 328.º (e não, liquidamente, do 326.º) do CPC, o assistente tem no processo a posição de auxiliar «de uma das partes principais», mas, na presente arquitectura legal do instituto, tal posição em princípio secundária não tem natureza absoluta.
5. Com efeito, logo o artigo 329.º do mesmo código estatui que, se o assistido for revel, «o assistente é considerado como seu substituto processual», o que significa, a todas as luzes, que a parte em princípio principal pode não ter intervenção pessoal na sua própria causa, enquanto que - nessa situação - um seu assistente pode.
6. Ora, é justamente uma situação análoga - de perfeita analogia juris, concretamente - aquela que nestes autos se configura: desde que o signatário seja, lidimamente, portanto, admitido como seu assistente, a Recorrente desistirá do recurso, passando este a seu substituto processual para todos os devidos e legais efeitos subsequentes.
7. Assim, forçoso será concluir que o Despacho reclamado aplica a norma conjugada do artigo 71.º da LTC e dos artigos 326.º, n.º 1, 327.º, n.º 1, 328.º, n.º 1, e 329.º do CPC - no sentido, explicitamente, de que a figura do assistente não tem lugar no processo constitucional, demais a mais num caso em que o mesmo se propõe ser o substituto processual da parte que representa - segundo uma dimensão hermenêutica materialmente inconstitucional, porquanto em violação dos princípios jusfundamentais da justiça e do processo equitativo.
8. Não pode, consequentemente, o Despacho sob reclamação proceder: deverá ser colegialmente revogado e, de contínuo, substituído por acórdão a admitir o signatário a intervir nos presentes autos como assistente em substituição da por isso — ipso facto et ipso jure — desistente Recorrente.
9. Sob condição, necessariamente, dessa douta decisão favorável à parte virtualmente sua representada, dá, de seguida, continuidade à presente via de impugnação».
5. Na mesma data, o mesmo recorrente apresentou segunda reclamação, com o seguinte teor:
«I. Questão prévia: sub conditione
1. Conforme flui claramente do requerimento desta data formulado pelo Mandatário abaixo-assinado, este propôs-se, de comum acordo, intervir nos presentes autos como assistente, desde logo como Reclamante, em substituição da ora reclamando Recorrente, que, a ser tal pretensão - do seu especial interesse - deferida, desistirá acto contínuo do pendente recurso;
2. Consequentemente, é a presente reclamação apresentada, por cautela, na condição de a supramencionada reclamação homóloga subscrita pelo signatário de ambas não ser, em definitivo, admitida a julgamento.
II. A decisão reclamada: impugnação parcial fundamentada
3. O presente processo constitucional foi instaurado com base no despacho de 7-9-2022 do Cons. Relator do processo de revista no STJ a admitir o «recurso para o Tribunal Constitucional do Acórdão deste Tribunal de 368/385 [de 20-4-2021] e 412/416 [de 6-7-2021] do processo físico» interposto pela Recorrente por requerimento de 20-8-2021. Nesse recurso de constitucionalidade são identificadas como decisões recorridas os Acórdãos de 4-11-2019 e de 10- 2-2020 do TRP e o Acórdão de 20-4-2021 do STJ, e especificadas «oito interpretações normativas, (...) qualquer delas pré-arguida de materialmente inconstitucional» e que este acórdão do STJ «aplica [todas] implicitamente».
4. Patentemente, a Decisão Sumária omite pronúncia, desde logo, sobre a 1.ª questão de (in)constitucionalidade suscitada no quadro do Acórdão do STJ indicado. É certo que tal questão é apreciada, mas somente no quadro do Acórdão de 4 de Novembro de 2019 do TRP, onde se conclui, em dois tempos, que «não se pode conhecer do objecto do recurso, na medida em que incide sobre os acórdãos do Tribunal da Relação do Porto» (item 6, in fine), «quanto a esta norma» (item 7, in fine).
5. Ora, as razões aduzidas na Decisão ora reclamada para o não conhecimento desta questão - quer a da não definitividade da decisão recorrida, quer a da não suscitação da questão durante o processo - não são, em absoluto,...