Acórdão nº 143/03.9GCGMR-A. G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 15-10-2020
Data de Julgamento | 15 Outubro 2020 |
Case Outcome | REJEITADO O RECURSO POR INADMISSIBILIDADE. |
Classe processual | RECURSO PENAL |
Número Acordão | 143/03.9GCGMR-A. G1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Proc. n.º 143/03.9GCGMR-A. G1. S1
Recurso penal
Acordam, precedendo conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I.
1. No âmbito dos autos supra referenciados, foi proferido, em 06.06.2019, o seguinte despacho (transcrição):
"A Fls. 1976, vem Macedo & Castro, Lda, com sede social no lugar de ..., da freguesia de ... (...) do concelho de ..., na sequência da notificação remetida ao fiel depositário para proceder à entrega dos bens apreendidos, às entidades que comprovaram nos autos ser titulares dos mesmos, requerer o levantamento da apreensão e a entrega a ela própria dos bens apreendidos nos autos e melhor identificados a fls. 68 a 77.
A Requerente sustenta a sua pretensão na circunstância de ser ela quem estava na posse dos bens apreendidos à data da apreensão (visto que os bens foram apreendidos no seu estaleiro), ter oportunamente solicitado a sua entrega e, em consequência beneficiar da presunção e propriedade nos termos do art. 1268°/1 do C.C., estando dispensada da prova dos factos que conduzem à presunção, por força do art. 350°/l do C.C...
A Requerente arrolou testemunhas, todas a apresentar. Admitida a inquirição das testemunhas, foi designada para sua inquirição o dia 7 de Maio, pelas 14 horas.
Feitas as competentes notificações, na data designada ninguém compareceu.”
2. Inconformado, o interveniente AA interpôs recurso desse despacho, para o Tribunal da Relação de Guimarães (TRG), que por acórdão de 10.02.2020, decidiu rejeitar o mesmo por inadmissível.
3. E deste Acórdão veio o interveniente AA interpor recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões que se transcrevem:
(…) I- Por Acórdão de 10/02/2020, entendeu o Tribunal da Relação de Guimarães rejeitar o recurso de apelação interposto por AA, com fundamento na inadmissibilidade do mesmo, atenta a falta de legitimidade e de interesse processual em agir.
II- Por não se conformar com tal fundamento, interpôs o presente recurso de revista.
III- No seu entender, o despacho de 06/06/2019, proferido pelo tribunal de 1ª instância, ao encerrar uma ordem expressa que o visa directamente e ao cominar expressamente que o incumprimento de tal comando o fará incorrer em crime de desobediência e/ou de descaminho, contende directamente com a sua esfera jurídica e poderá contender com a sua esfera patrimonial também.
IV- Considerando que tal ordem proveio de autoridade pública, mais, de órgão de soberania, como é qualquer tribunal, só por via de recurso a outro tribunal, hierarquicamente superior, poderá o Recorrente ver salvaguardada a integridade da sua esfera jurídica e patrimonial.
V- Considera assim que possui legitimidade processual e fundado interesse em agir, tendo deduzido recurso de apelação, e ora de revista, precisamente por ser directa e pessoalmente afectado pela decisão recorrida.
VI- Considera-se violadas as normas constantes do art. 401º nº1 al. d), 414º nº 2 a contrario e 420º nº 1, todos do Código de Processo Penal.
VII- Devendo o presente recurso de revista ser julgado procedente, revogando-se a decisão recorrida, a fim de ser conhecida a matéria de fundo alegada nas motivações e conclusões do recurso de apelação.
Nestes termos e nos mais e melhores de Direito que os Colendos Juízes Conselheiros doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso, e por via dele, ser revogado o Acórdão recorrido, preferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 10/02/2020, a fim de que este Tribunal a quo conheça da matéria de fundo do recuso de apelação interposto pelo aqui Recorrente. (…).
4. O recurso foi admitido por despacho de 27.04.2020.
5. O Sr. Procurador-Geral Adjunto junto do TRG veio responder, apresentando as seguintes conclusões que aqui se transcrevem:
(…) 1. Pretendendo o recorrente que o STJ sindique um acórdão onde o Tribunal da Relação declarou a sua ilegitimidade e a sua falta de agir para recorrer de um despacho que denegou, não ao próprio, mas a um terceiro, um pedido de levantamento de uma apreensão de objectos realizada no âmbito de um processo de natureza penal, está aquele a visar uma decisão de natureza adjectiva que, manifestamente, não conheceu de mérito, por não ter posto termo à causa, por não haver conhecido, a final, do objecto do processo.
2. A decisão que foi firmada pelo Tribunal da Relação quanto àquele preciso assunto adjectivo, não pode ser apreciada pelo STJ, tendo em vista o disposto no art.º 400, nº 1, al. c), e art.º 432, al. b), ambos do CPPenal.
3. O recurso do interveniente não é, por isso, passível de admissão.
4. O seu recurso deverá, então, ser rejeitado, nos termos do art.º 420, nº 1 do CPPenal.
(…)
6. F.T.B. – FÁBRICA TUBOS DA BARCA, Ofendida e Demandante Civil nos autos, veio apresentar resposta, cujas conclusões se transcrevem:
(…) 1. O Recorrente considera ter legitimidade processual e fundado interesse em agir para interpor recurso dos doutos despachos proferidos, conforme o disposto no artigo 401º, nº1, alínea d) do Código do Processo Penal.
2. Contudo, tal nunca poderá corresponder à verdade, pois que não se verifica que nenhum direito do Recorrente tenha sido lesado com quaisquer das decisões constantes dos doutos despachos, já que estas nunca foram proferidas contra si, mas antes contra a sociedade Macedo & Castro, Lda., da qual é gerente.
3. Estamos em crer que o Recorrente confundiu a sua qualidade de gerente desta sociedade com a de fiel depositário nomeado nos autos de apreensão dos presentes autos.
4. Pois que, enquanto fiel depositário, o Recorrente é responsável tão só de guardar os bens depositados, avisar quando alguma ameaça recaia sobre os mesmos e restituí-los com os seus frutos, conforme dispõe o artigo 1187º do Código Civil.
5. Nesse sentido, existindo interpelação de uma entidade competente, in casu o tribunal, para que o Recorrente/fiel depositário entregue os bens que tem em sua guarda aos seus respetivos proprietários, este apenas tem de acatar a ordem que lhe foi sido dirigida, sob pena de, em caso de incumprimento, incorrer em responsabilidades penais e civis.
6. Dessa forma, o Recorrente/fiel depositário é alheio a quem tem de entregar os bens apreendidos que estão à sua guarda, limitando-se apenas a ter de cumprir uma ordem do tribunal.
7. E, bem assim, o facto de os bens apreendidos serem entregues à sociedade Macedo & Castro, Lda. ou às demais empresas que reclamam a propriedade dos bens para si, em nada afeta o Recorrente/fiel depositário, já que nenhum dos doutos despachos interferiu com a sua esfera jurídica e perturbou os seus direitos e deveres, nem tão pouco os bens lhe pertencem.
8. Na verdade, sempre se poderá dizer que tais despachos interferiram com a esfera jurídica da sociedade Macedo & Castro, Lda., pois que estes indeferiram a pretensão da sociedade, designadamente que fosse levantada a apreensão dos bens apreendidos e que os mesmos lhe fossem entregues.
9. Pelo que só a sociedade Macedo & Castro, Lda., representada pelo Recorrente, seu gerente, é que teria toda a legitimidade e interesse em agir perante tais indeferimentos, e nunca o Recorrente a título de fiel depositário.
10. Apenas o não cumprimento das ordens expressas vertidas nesses mesmos despachos, no sentido de proceder à entrega dos bens, é que implica a afetação dos direitos do Recorrente/fiel depositário, na medida em que tal é, desde logo, gerador de responsabilidade criminal.
11. Destarte, não existindo direitos do Recorrente afetados ou ameaçados nos presentes autos, inexiste legitimidade para recorrer, nos termos do nº 1 do artigo 401º do Código do Processo Penal, e, por conseguinte, inexiste interesse em agir, conforme nº 2 do mesmo...
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