Acórdão nº 1429/08.1BELRS de Tribunal Central Administrativo Sul, 11-04-2019

Judgment Date11 April 2019
Acordao Number1429/08.1BELRS
Year2019
CourtTribunal Central Administrativo Sul
Acórdão

I. RELATÓRIO

M…. e I… (doravante Recorrentes) vieram apresentar recurso da sentença proferida a 31.10.2013, no Tribunal Tributário de Lisboa, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, que teve por objeto as liquidações de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e respetivos juros compensatórios, referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nesse seguimento, os Recorrentes apresentaram alegações, nas quais concluíram nos seguintes termos:

“A) Vem o presente recurso interposto da douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 31 de Outubro de 2013, nos autos do processo n.º 1429/08.1BELRS, a qual julgou improcedente a impugnação judicial deduzida pelos ora Recorrentes, M... e I..., relativamente a liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, referentes aos anos de 2003, 2004 e 2005, no valor total de € 1.097.417,61 (um milhão, noventa e sete mil, quatrocentos e dezassete euros e sessenta e um cêntimos).

B) Na sentença recorrida, o Tribunal a quo decidiu (salvo o devido respeito) erradamente que os actos de liquidação impugnados não enfermam das invalidades invocadas pelos aqui Recorrentes.

C) Ora, salvo o devido respeito, entendem os aqui Recorrentes que a douta sentença recorrida enferma de erro de julgamento, ao ter assim decidido e com estes fundamentos, razão pela qual deve a mesma ser revogada por este Tribunal e substituída por outra que conheça dos factos apurados e faça uma correcta interpretação do Direito aplicável.

D) Com efeito, entende o ora Recorrente, salvo o devido respeito, que há na sentença recorrida quer normas jurídicas violadas, quer erro de subsunção dos factos ao Direito, os quais impunham outra decisão.

E) Ao decidir que o critério de selecção que motivou o procedimento de inspecção ao qual foi sujeito o Recorrente se encontra identificado, o Tribunal a quo decidiu em violação do preceituado nos artigos 23.º e 27.º, n.º 1, do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (RCPIT).

F) Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo, nada na ordem de serviço em causa permite aferir da conformidade legal do critério de selecção dos Recorrentes para o procedimento inspectivo.

G) Por outro lado, os requisitos previstos quer no n.º 1, alíneas c) e d), quer no n.º 2, do artigo 123.º, do CPA não foram, no caso, preenchidos pela AT, no que em concreto se reporta à ordem de serviço.

H) Pelo exposto, o Tribunal a quo fez uma errada subsunção dos factos ao Direito – como melhor resulta da análise quer do relatório de inspecção tributária, quer das ordens de serviço que alegadamente estiveram na origem da inspecção – e decidiu em violação do preceituado nos artigos 23.º e 27.º, do RCPIT e do 123.º, do CPTA.

I) Por outro lado, no que respeita ao despacho que determinou a inspecção externa, não só faltam a enunciação dos factos/ actos que lhe deram origem, quando relevantes e a fundamentação, como (igualmente) tais menções não são «enunciadas de forma clara, precisa e completa, de modo a poderem determinar-se inequivocamente o seu sentido e alcance», o que determina vício procedimental, com directas consequências no processo de determinação do imposto e a consequente anulabilidade das notificações de cobrança impugnadas.

J) Por outro lado, ainda, na sentença recorrida o Tribunal a quo decidiu em violação do preceituado no artigo 46.º, do RCPIT, já que ocorrendo falta de credenciação, os actos de inspecção praticados ao abrigo da ordem de serviço em causa não se mostram idóneos para fundar a prática dos actos impugnados.

K) A fundamentação das notificações de cobrança é inexistente, sendo que os actos impugnados, para serem válidos, carecem de ser fundamentados e suficientemente fundamentados.

L) A fundamentação expressa dos actos administrativos deve ser entendida como a exposição descritiva das razões do acto (da decisão), compreendendo quer a matéria de facto, quer a matéria de Direito, que determinaram a autoridade administrativa à prática de certo acto.

M) Com efeito, os actos impugnados, não se encontram suficientemente fundamentados, sendo que, a fundamentação expressa dos actos administrativos - neles se incluindo os actos tributários ou em matéria tributária - deve ser entendida como a exposição descritiva das razões do acto (da decisão), compreendendo a matéria de facto e a matéria de Direito que determinaram a autoridade administrativa à prática de certo acto.

N) O dever de fundamentação expressa encontra-se consagrado no artigo 268.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa (CRP), no artigo 77.º, da Lei Geral Tributária (LGT) e no artigo 124.º, do Código de Procedimento Administrativo (CPA), normas estas que resultam violadas atento o teor da sentença recorrida (sobre essa matéria).

O) A fundamentação tem de ser explícita, não bastando que resulte implicitamente do procedimento administrativo, já que apenas assim serão asseguradas as vantagens visadas pelo dever de fundamentação, ou seja, (i) a transparência e racionalidade do procedimento administrativo, (ii) as garantias para o contribuinte e, finalmente (iii) o controlo hierárquico e judicial do acto.

P) A fundamentação tem, ainda, de ser contextual, devendo acompanhar o conteúdo da decisão, constando do mesmo como um seu pressuposto racional e legal, desde logo, por se tratar de um dever de a Administração Pública - neste caso, a fiscal - fornecer os fundamentos e não, de um direito de os particulares os virem a exigir após conhecimento do acto.

Q) Por outro lado, a obrigatoriedade de fundamentação traduz-se na exteriorização dos fundamentos que foram contemporâneos da constituição do acto, através da sua inserção na forma do acto, transformando-se a existência e a exteriorização desses fundamentos numa condição de validade do (próprio) acto.

R) Assim, a fundamentação deve ser contemporânea do acto e não sucessiva (total ou parcialmente), já que a fundamentação não constitui uma justificação ex post.

S) A fundamentação do acto deve ser coeva deste, sendo integrada pelas razões que, historicamente o determinaram, nela nunca se poderão integrar razões posteriores que apareceriam como uma mera "justificação" externa de um acto sem fundamentação ou com fundamentação insuficiente.

T) A ratio principal da necessidade de fundamentação expressa aponta declaradamente no sentido de que há que ter garantias de que o órgão que praticou o acto o fez reflectidamente e por razões de interesse público, sendo que tais reflexão e razões devem ser exteriorizadas de tal forma que qualquer entidade - nomeadamente o Tribunal - possa, sem recurso a outras fontes, entendê-las e controlá-las.

U) De qualquer modo, torna-se necessário que a fundamentação seja clara, congruente e suficiente, não bastando que exista uma qualquer fundamentação.

V) Nomeadamente, a suficiência da fundamentação pressupõe que esta contenha, por si só, os elementos e as razões bastantes capazes de sustentar (formalmente) a decisão.

W) Na perspectiva do destinatário, a fundamentação deve atender a um destinatário normal ou razoável, colocado na situação do destinatário real, enquanto na perspectiva dos órgãos de controlo, a fundamentação só será suficiente se contiver os elementos necessários a esse controlo, administrativo e judicial.

X) Por outro lado, é pacífico que, no âmbito da tributação oficiosa, o grau de fundamentação deverá ser especialmente intenso e exigente, conforme decorre do disposto no artigo 77.º, da LGT.

Y) No caso dos presentes autos, deveria ter-se descrito, ainda que sucintamente, a matéria de facto e o quadro legal, subsumindo a primeira no segundo e concluindo.

Z) Ora, os actos impugnados não contêm quaisquer elementos individualizadores, faltando-lhes, ainda, uma conclusão concreta.

AA) Sendo que, mesmo com recurso a grande esforço interpretativo não se consegue retirar qual o iter volitivo que levou a que se chegasse àquele valor e não a qualquer outro, logo sendo o mesmo falho de qualquer fundamentação.

BB) No caso sub judice as notificações não preenchem os requisitos previstos no artigo 36.º, n.º 2, do CPPT.

CC) Por outro lado, provinda do autor do acto impugnado nunca os Recorrentes receberam qualquer fundamentação e, nessa medida, não se sabe quem fundamenta os actos impugnados.

DD) Constituindo a fundamentação a única forma de se apurar a motivação do autor do acto, há que possuir a certeza absoluta de que foi o autor do acto e não outra pessoa que escolheu aquela motivação.

EE) Ora, tal certeza não existe no presente caso, já que na verdade não se sabe quem fundamentou os actos.

FF) A isto acresce, ainda, que o acto praticado e a fundamentação do acto praticado têm que ter, imperativamente, o mesmo autor.

GG) Sendo desconhecida qualquer fundamentação expressa, pertencente ao autor do acto impugnado, há que concluir que mesmo que exista algum texto pretensamente fundamentador do acto, o acto impugnado foi praticado por um órgão administrativo, mas a autoria da respectiva fundamentação não pertenceu a tal órgão, mas sim a um – ou a vários – funcionários subalternos.

HH) A fundamentação do acto deve pertencer ao autor do acto praticado, não a outro órgão ou a outros funcionários, até porque o único órgão competente para a prática do acto é, também, o único órgão competente para a fundamentação do acto praticado.

II) A fundamentação constitui, não só a motivação do acto, determinando, objectivamente, a escolha da única decisão possível, como (igualmente) constitui a motivação do autor do acto, permitindo surpreender as razões que contribuíram para a formação da vontade, na respectiva prática.

JJ) Pelo que os actos impugnados carecem, em absoluto, de fundamentação, o que deveria ter determinado o Tribunal a quo a decidir pela...

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