Acórdão nº 1423/12.8TBABT.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 12-01-2017

Data de Julgamento12 Janeiro 2017
Número Acordão1423/12.8TBABT.E1
Ano2017
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
AA instaurou ação declarativa, com processo ordinário[1], contra BB, formulando os seguintes pedidos:
- seja fixado prazo ao réu, que não deverá exceder o prazo da contestação, para declarar se mantém interesse na realização do negócio, isto é, na compra da fração autónoma em causa nos autos pelo preço de € 134.675,43, deduzido o montante de € 44.891,81 a título de sinal, deduzido o coeficiente de desvalorização da moeda contabilizado desde a data em que a realização da escritura se tornou possível, até à data da sua efetiva concretização;
- caso o réu venha a declarar que mantém o interesse, deverá ser concedido prazo não superior a 60 dias para realização da mesma, sendo que findo o prazo sem que aquela escritura seja realizada, se considere resolvido o contrato promessa celebrado entre Autor e réu por culpa deste;
- sem prejuízo do acima peticionado, seja o réu condenado no pagamento da quantia global de € 55.896,00, acrescida de € 504,00 por cada mês contado desde Novembro de 2012, até à data do trânsito em julgado da presente ação;
- caso o réu venha a pronunciar-se no sentido da perda do interesse em celebrar o contrato prometido, deverá o contrato ser declarado resolvido e o réu condenado no pagamento da quantia anteriormente referida, com perda do direito ao sinal, tudo sem prejuízo do pagamento da indemnização;
- o réu seja condenado no pagamento dos juros à taxa legal desde a data da citação do réu até efetivo pagamento.
Alegou, em síntese, ter celebrado com o réu, em 12 de Novembro de 2001, um contrato promessa de compra e venda, através do qual se comprometeu a vender e o réu se comprometeu a comprar, pelo preço de 27.000.000$00, a fração autónoma designada pela letra “B” correspondente ao r/c direito, para habitação, do prédio urbano sito …, Abrantes, tendo o réu entregue a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de 9.000.000$00, acordando as partes que o remanescente seria entregue na data da celebração da escritura, a qual seria realizada até ao dia 15 de Janeiro de 2001, ficando a sua marcação a cargo do réu.
O réu marcou a escritura pública de compra e venda da aludida fração para o dia 20 de Agosto de 2002, nove meses depois da data acordada, sendo que nessa data não foi possível realizar a escritura em virtude do autor se encontrar num processo de divórcio litigioso, pelo que em 24 de Agosto desse mesmo ano, autor e réu celebraram um aditamento ao contrato-promessa em que acordaram, além do mais, que a escritura seria celebrada no prazo de 90 dias após o decretamento do divórcio do autor, facto que este teria de comunicar ao réu, o que o autor fez, não tendo porém o réu marcado a escritura.
O réu contestou, alegando que a fração objeto do contrato promessa nunca se destinou a habitação, porquanto era ali onde o autor exercia a sua atividade de médico dentista, a qual o réu, que também é médico dentista, aí pretendia manter.
Mais sustentou que o autor não providenciou pela obtenção dos documentos que permitiam realizar a escritura, porquanto do registo predial consta que a finalidade da fração era para habitação, quando a mesma tinha licença camarária para funcionar como consultório, pelo que o incumprimento do contrato se deve ao autor e não a ele, aceitando, porém, fixar o valor do preço a pagar pela fração em € 85.000,00, considerando a alteração das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar.
Alegou, por último, que tendo tomado posse da fração autónoma objeto do contrato promessa, realizou nela diversas obras que ascendem a valor não inferior a € 20.000,00.
O réu deduziu ainda reconvenção pedindo que:
- seja declarado resolvido o contrato por incumprimento culposo do A.,
- seja o autor condenado no pagamento da quantia de € 89.783,62 correspondente à restituição do sinal em dobro;
- seja o autor condenado no pagamento da quantia não inferior a € 20.000,00 referente a benfeitorias necessárias e úteis realizadas na dita fração.
- seja o autor condenado no pagamento de juros legais.
Na réplica, o autor sustentou, além do mais, que o réu não só não lhe pediu autorização, como o autor não consentiu na realização de quaisquer obras na fração autónoma, sendo ademais voluptuárias as benfeitorias em causa, concluindo assim pela improcedência do pedido reconvencional.
Realizou-se a audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador tabelar, com subsequente fixação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova, sem reclamação.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo a final sido proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:
«Pelo explanado, julgo a presente acção parcialmente procedente, nos termos sobreditos e, consequentemente:
I – Declaro resolvido o contrato promessa celebrado entre A. e R.
II – Condeno o R. a reconhecer que assiste ao A. o direito de fazer sua a quantia de €44.891,81 (quarenta e quatro mil, oitocentos e noventa e um euros e oitenta e um cêntimos) que recebeu do R. a título de sinal.
III – Absolvo o R. do demais que foi peticionado.
IV – Julgo improcedente o pedido reconvencional e dele absolvo o A.».
Inconformado, o réu apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as seguintes conclusões:
«a) A realização axiológico normativa do direito em cada caso concreto, não mais se satisfaz com um modo frio, formal e calculista de ditar sentenças
b) Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo não sopesou, de igual forma e com igual justeza, todos os factos provados
c) Umas atitudes devem ser consonantes com outras, da mesma entidade, até por respeito ao principio geral da boa fé,
d) Atendendo à factualidade provada, dúvidas não restam de que o negocio gizado pelas partes tinha por objecto um consultório médico dentário
e) Espaço para o qual, em 01.03.1998, a própria Camara Municipal de Abrantes emitiu o Alvará de Licença nº …, para consultório médico dentista
f) Sendo certo que tal Alvará foi emitido a favor do próprio A….
g) Consistindo um alvará de utilização num documento emitido por uma autarquia que confere a um prédio a legalidade para a sua utilização
h) Como se sabe, o promitente comprador não pode assumir compromissos que são encargo do promitente vendedor, designadamente, aqueles atinentes ao exercício do direito de propriedade
i) A sentença proferida deve tomar em consideração todos os factos que se produzam, designadamente aqueles que influenciam o conteúdo da relação controvertida, o que não sucedeu, tendo, em consequência violado o disposto no nº4 do art.º607º do CPC, verificando-se nulidade da sentença, atendendo ao disposto no normativo legal plasmado na alínea c) e d) do nº1 do art.º615º do CPC
j) A não obtenção de licença de utilização configura verdadeira impossibilidade superveniente
k) E, a ser assim, sempre a responsabilidade desta impossibilidade seria, in casu, do promitente vendedor (art.º799ºnº1 do CC).
l) Eventualmente, e por todo o expendido, afigura-se que, perante a impossibilidade de cumprimento perfeito da obrigação, sempre se poderia admitir um cumprimento imperfeito, ou seja, a aquisição da fracção mediante redução do preço, tudo conforme possibilidade plasmada no art.º802º do CC.
m) O carácter culposo da impossibilidade de cumprimento perfeito gera o dever de indemnizar, que, tratando-se de um contrato promessa de compra e venda, incumprido por quem recebeu o sinal, corresponde à restituição deste em dobro, nos termos do normativo legal plasmado no nº2 do art.º442º do CC.
n) Bem como, atendendo aos factos provados, no pagamento, pelo A. ao R., do valor das benfeitorias introduzidas, com as quais o A. se enriqueceu ilegitimamente.
Por todo o expendido deve a sentença a quo, ser revogada, substituindo-se por outra que condene o A. a pagar ao aqui recorrente o valor do sinal em dobro, acrescido do montante gasto a título de benfeitorias, a apurar, caso assim se entenda, em liquidação, tudo por de elementar JUSTIÇA».

O autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), são as seguintes as questões a decidir:
- nulidade da sentença:
- destinação contratual da fração prometida vender e comprar;
- incumprimento do contrato-promessa imputável ao autor/recorrido.
- pagamento das benfeitorias realizadas pelo réu/recorrente na fração prometida vender e comprar.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na decisão recorrida foram dados como provados os seguintes factos[2]:
1) Por escritura pública celebrada em 24 de Julho de 1997, no Cartório Notarial de Abrantes, foi constituído em propriedade horizontal o prédio urbano composto de cave, destinada a garagens, rés-do-chão, primeiro, segundo e terceiro andares, com dois fogos cada e sótão para arrecadações, com a superfície coberta de duzentos e quarenta metros quadrados, situado em Urbanização …, designado por lote setenta e quatro, freguesia de São Vicente, do concelho de Abrantes descrito sob o número …, daquela freguesia de São Vicente, construído para transmissão em fracções autónomas, ficando destacadas e a formar fracções autónomas, todas destinadas a habitação, entre outras, a FRACÇÃO B correspondente ao rés-do-chão direito.
A constituição da propriedade horizontal do prédio urbano sito em …, freguesia de S. Vicente, concelho de Abrantes e descrito na Conservatória do Registo Predial de Abrantes sob o nº … da freguesia de S. Vicente encontra-se inscrita através da AP. 2 de 1997/07/25.
2) Com data de 01-09-1997, a Câmara Municipal de Abrantes emitiu a favor de CC, Lda., o Alvará de Licença, nº …, para habitação do rés-do-chão do
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