Acórdão nº 1420/11.0T3AVR.G1-I.S1-A de Supremo Tribunal de Justiça, 17-03-2021

Data de Julgamento17 Março 2021
Case OutcomeINDEFERIDA A RECUSA POR MANIFESTAMENTE INFUNDADA
Classe processualESCUSA / RECUSA
Número Acordão1420/11.0T3AVR.G1-I.S1-A
ÓrgãoSupremo Tribunal de Justiça


Acordam na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça



I. RELATÓRIO

AA e BB, arguidos no processo 1420/11… vieram requerer o incidente de recusa contra o Exmo. Senhor Juiz Conselheiro CC, alegando:

«1 - Qualquer processo judicial é pautado pela existência da igualdade de armas entre as partes, não podendo, em caso algum, existir interpretações restritivas à lei que prejudiquem os cidadãos recorrentes, mais a mais quando se encontram nos autos na qualidade de arguidos, a quem a Constituição da República Portuguesa, por força de tal qualidade, assegura um “reforço de direitos” de modo a salvaguardar condenações injustas, dando cumprimento ao apelidado processo justo e equitativo plasmado tanto na C.R.P. como na Convenção Europeia dos Direitos do Homem pelo art.º 6.º da C.E.D.H., que Portugal está obrigado a cumprir por força dos Tratados e Convenções que assinou e rectificou, referido no art.º 8.º da nossa Constituição da República.

2 - Entendem os ora arguidos requerentes que se encontram em desigualdade de armas absoluta e em total desvantagem processual, uma vez que o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro Relator proferiu decisões no sentido de rejeitar recursos contra a jurisprudência fixada, invocando argumentos que não se coadunam com o texto de lei nem com o espírito do legislador.

3 - Tanto assim é que, o Exmo. Sr. Magistrado referido fez parte do acórdão proferido nos autos 185/19…, que assinou, concordando, assim, com a teoria e fundamentação constante do mesmo em questão idêntica à dos presentes autos, a saber:

a) Que, se o acórdão do Tribunal da Relação “não afirmou qualquer divergência em relação à jurisprudência fixada, nem negou a sua validade, nem a aplicou, pura e simplesmente nada disse em aparente desconhecimento” é motivo de rejeição do recurso.

b) Que se subentende que, se o acórdão do Tribunal da Relação é anterior ao A.U.J., ainda que tenha transitado depois da publicação do A.U.J., também é motivo para rejeição do recurso (ver promoção do M.P. do S.T.J.).

Não podemos concordar minimamente com tal entendimento, sendo que, aliás, não é isto que diz a lei!

Aceitar-se esta tese do Exmo. Sr. Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça é fechar a porta a muitos recursos extraordinários contra a jurisprudência fixada, e esta tese do Supremo Tribunal de Justiça, defendida pelo Exmo. Sr. Juiz Conselheiro visado no presente incidente contraria frontalmente a vontade do Legislador bem como as finalidades da estabilização da aplicação e interpretação da lei aos casos semelhantes/idênticos.

Na verdade, preceitua o art.º 446.º, n.º 1 do Código Processo Penal o seguinte: “é admissível recurso directo para o Supremo Tribunal de Justiça de qualquer decisão proferida contra jurisprudência por ele fixada, a interpor no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisão recorrida”.

Aquilo que nos ensina o Legislador, neste texto tão claro, é que, quando existe a possibilidade de recurso directo ao Supremo Tribunal de Justiça significa que o sujeito processual pode recorrer de uma decisão de primeira instância directamente ao S.T.J., sem ter que passar pelo Tribunal da Relação.

Daí a lei dizer “recurso directo” e “de qualquer decisão”.

Na expressão “de qualquer decisão” não são apenas os acórdãos do Tribunal da Relação, pode muito bem ser um acórdão de primeira instância.

E também não é necessário leia-se o normativo legal que os Mmos. Juízes que proferem uma decisão contrária à Jurisprudência fixada tenham que abordar essa jurisprudência.

Se assim fosse, isto é, se tivessem obrigatoriamente que referir-se a uma tal Jurisprudência, estaria encontrada a solução para que nunca mais existissem recursos contra jurisprudência fixada, bastando aos Tribunais inferiores nunca invocarem esses Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, quase um “pacto de silêncio absoluto”, e todos os arguidos ou outros sujeitos processuais estariam impedidos de beneficiar do mecanismo previsto no art.º 446.º do C.P.P.

Por outro lado, se o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência é publicado em Diário da República, por exemplo, no dia 1 de Maio, todos os acórdãos que sejam proferidos, logo nesse dia 1 de Maio, em qualquer tribunal nacional que tenha entendimento diferente, consideram-se imediatamente como decisões que desrespeitam e afrontam deliberadamente a jurisprudência.

E isto porque consagra a lei, no art.º 6.º do Código Civil, que a ignorância da lei não justifica a falta do seu cumprimento, ou, por outras palavras, o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém. Ora, a partir do momento em que uma lei é publicada em Diário da República e entra em vigor nesse preciso dia como acontece com os A.U.J. a sua violação, por quem quer que seja, terá como consequência a condenação pelos Tribunais.

Assim, por maioria de razão, se tal se aplica aos cidadãos, também nenhum Exmo. Magistrado poderá argumentar que “não se apercebeu que em Diário da República existia um A.U.J. sobre aquela matéria”.

Cremos não existir nenhum exemplo melhor do que este.

Foi com alguma surpresa, aliás, que se atentou na justificação apresentada pelo S.T.J. no acórdão dos autos 185/19……….-E.G1-A.S1, e dos quais o Exmo. Sr. Juiz aqui visado fez parte, quando afirma que o Tribunal da Relação de ………. “nada disse em aparente desconhecimento, para o que poderá ter contribuído a sua novidade dada a publicação do AUJ dispor de uma semana [18.05.2020] em relação à data em que foi proferido o acórdão recorrido [25.05.2020].”

Portanto, o Supremo Tribunal, na tese defendida pelo Exmo. Sr. Juiz CC, pune todo e qualquer cidadão que desrespeite uma lei publicada em Diário da República, invocando de imediato que o desconhecimento da lei não favorece nem aproveita a ninguém, mas por outro lado, em total desigualdade de armas e desvantagem processual, aceita que os Exmos. Srs. Juízes Desembargadores desconheçam Acórdãos de Uniformização de Jurisprudência, desculpabilizando-os até, uma vez que “só tinha uma semana, tal acórdão”.

Não podemos concordar com tal, mais a mais se considerarmos a realidade: enquanto o cidadão comum é desconhecedor de muitas leis por não laborar em áreas com tal relacionadas (pode ser serralheiro de profissão), tal não se aceitará de Srs. Magistrados, não nos parecendo plausível nem aceitável que Srs. Juízes Desembargadores, que fazem disso profissão, com acesso permanente ao Diário da República, bem como outras ferramentas jurídicas, quando o conhecimento da existência de acórdãos proferidos mas ainda não publicados em Diário da República não advém até de próprios colegas de profissão, seja em conferências ou acções de formação, possam invocar desconhecimento de leis ou acórdãos publicados.

O que cremos ser demonstrativo de uma parcialidade processual, e, consequentemente, motivo sério e grave, uma vez que acreditam os arguidos estar o seu recurso votado ao fracasso, pois o Exmo. Sr. Magistrado a manter-se no processo irá manter a sua posição aplicando um entendimento que não é aceitável, levando, portanto, à rejeição do recurso em causa.

Julgamos ter ficado demonstrado, que a argumentação proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça naquele acórdão dos autos 185/19………-E.G1-A.S1, do qual o Exmo. Sr. Magistrado visado fez parte, não merece, ressalvado o devido respeito, qualquer acolhimento, antes sim merece total repúdio.

Posto isto,

Entendem os arguidos requerentes que uma vez que o Exmo. Sr. Juiz Conselheiro CC fez parte de um processo em que analisou esta questão (os autos 185/19……….-E.G1-A.S1) e nesse acórdão assentiu num entendimento jurisprudencial que não se coaduna com o espírito do legislador nem com os ideais de uma Justiça mais justa e uniforme, não sendo aceitável que, pelo mesmo tipo de factos, se condenem uns cidadãos e se absolvam outros, não será razoável que aquele Exmo. Sr. Magistrado continuidade aos presentes autos, por poder inquinar o processo de recurso extraordinário de forma grave e prejudicial aos arguidos.

Com o devido e merecido respeito, entendemos que o Mmo. Sr. Juiz Conselheiro fará (com base nos elementos de que se dispõe) uma interpretação restritiva da lei, vedando o acesso ao recurso contra a Jurisprudência, quando na verdade, por força do estatuído no art.º 29.º n.º 6 da Constituição da República, deve pautar-se sempre por uma interpretação extensiva que consagre a possibilidade de direito de recurso contra a fixação de jurisprudência, dando cobertura ao princípio constitucional de que os cidadãos injustamente condenados têm direito à revisão da sentença.

Esta revisão da sentença não é o “recurso de revisão” mas sim todos os recursos como é o recurso extraordinário contra a fixação de jurisprudência que tenham decidido, possivelmente, contra uma uniformização fixada.

A questão temporal a questão de saber se é ou não de importância extrema que o acórdão em recurso tenha sido proferido em data posterior à publicação do A.U.J. - é uma não questão, porque no confronto de valores, sempre deverá ser dada primazia à garantia de que a sentença condenatória se encontra correcta e respeita a lei e a jurisprudência fixada.

O que manda a lei, isso sim, é que o recurso seja interposto em 30 dias após o trânsito em julgado do acórdão de que se recorre. E foi precisamente isso que foi feito, assim como também sucedeu nos autos n.º 185/19.

A lei não diz, nem dela se pode extrair tal interpretação, que seria possível a interposição de recurso contra a jurisprudência se o acórdão em causa fosse posterior a essa Jurisprudência. O legislador nunca disse isto, nem tão pouco permitiu que se pudessem aditar pressupostos ou sub-pressupostos com vista àquele fim.

A ser assim, sempre estaria encontrada forma de não se analisarem os muitos recursos que, indubitavelmente, chegarão ao S.T.J. sobre esta mesma questão.

Ora, antecipando uma decisão idêntica ...

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