Acórdão nº 1414/18.5T8PVZ.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 21-11-2019

Data de Julgamento21 Novembro 2019
Número Acordão1414/18.5T8PVZ.P1
Ano2019
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº1414/18.5T8PVZ.P1
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo Central Cível da Póvoa de Varzim
Relator: Carlos Portela (973)
Adjuntos: Des. Joaquim Correia Gomes
Des. Filipe Caroço

Acordam na 3ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

I.Relatório:
B…, residente na Rua …, n.º …, …, …, Maranhão, Brasil, instaurou a presente acção com processo comum contra C…, residente na Rua …, n.º …, …, Póvoa de Varzim, D…, residente na Rua …, n.º …, Vila do Conde e E…, residente na Rua …, n.º …, em …, Vila do Conde.
Conclui a sua petição inicial pedindo que:
- Se declare que a falecida F… ocultou o património do pai do Autor de forma dolosa e que subsequentemente os Réus mantiveram a ocultação dos mesmos bens;
- Se declare que, em consequência, os Réus perderam em benefício do Autor, os direitos que poderiam ter sobre os bens sonegados.
Alegou, para tanto e em síntese, que é o único filho de G…, falecido em 31 de Maio de 2012, no estado de casado, sob o regime de separação de bens, com F….
Esta última, por sua vez, faleceu em 2 de Fevereiro de 2014, no estado de viúva daquele, deixando como únicos herdeiros os aqui Réus, seus sobrinhos.
Sucede que, em Julho de 2001, o pai do Autor declarou vender a H… dois imóveis de sua propriedade e este, por sua vez, em 8 de Novembro de 2002, declarou vender os mesmos imóveis à identificada F….
Tratou-se, contudo, de negócios simulados, por meio dos quais o pai do Autor apenas visou transferir formalmente a propriedade dos ditos imóveis para a sua mulher, evitando que os mesmos pudessem vir a ser herdados pelo Autor.
O Autor instaurou contra os aqui Réus acção judicial onde, por sentença transitada em julgado, vieram a ser declarados nulos, por simulação, os mencionados negócios de compra e venda, ordenando-se ainda a restituição dos mesmos à herança do pai do Autor.
Após instaurou contra os Réus uma acção de prestação de contas e requereu ainda inventário para partilha da herança de seu pai.
Para instruir o inventário teve de participar às Finanças o óbito de seu pai, o que a dita F… nunca havia feito.
Somente em 5 de Abril de 2017, o Autor tomou conhecimento de que o seu pai havia outorgado, no ano de 1999, um testamento a favor da identificada F…, que sempre foi omitido por esta.
Tudo é de molde a concluir que a dita F… procurou sonegar à herança de seu marido, pai do Autor todo o património deste, impedindo o aqui Autor de receber o que quer que fosse do pai. E, de forma a não levantar suspeitas sobre tal sonegação, negou-se deliberadamente a participar o óbito do pai do Autor às finanças, omitindo também a existência do mencionado testamento.
Por seu turno, os Réus, únicos herdeiros da dita F…, conhecedores da situação descrita, continuaram a sonegar o aludido património, com o fito de dolosamente afastar o Autor do concurso da herança de seu pai.
Com efeito, no procedimento de habilitação de herdeiros instaurado por óbito daquela, a Ré C… declarou que os réus eram os únicos herdeiros desta, não havendo quem lhes prefira ou com ele possa concorrer na sucessão da aludida F…, declarando ainda não pretenderem registar os bens que constituem o acervo da herança.
Defende, por conseguinte, que quer a aludida F…, quer os Réus, seus herdeiros perderam em benefício do Autor os direitos que pudessem ter aos bens sonegados.
Os Réus apresentaram contestação na qual e para além das excepções de ilegitimidade activa e passiva, por preterição de litisconsórcio necessário, e das excepções de caso julgado/litisconsórcio, vieram defender a renúncia do Autor à invocação da sonegação.
Além do mais, defendem não estarem reunidos os pressupostos legais para que a invocada sonegação seja judicialmente declarada.
Subsidiariamente, para a hipótese de procedência do pedido do Autor, vêm apresentar pedido reconvencional, reclamando o valor correspondente aos serviços prestados e despesas suportadas com a assistência ao pai e madrasta do Autor – que quantificam em € 90.000,00 – em cumprimento de um acordo com eles estabelecido pelo qual, por morte destes, os imóveis em causa ficariam a pertencer aos Réus.
Os autos prosseguiram os seus termos sendo proferido despacho onde se saneou o processo e se julgou improcedente, por não provada, a excepção de caso julgado/litispendência invocada pelos Réus.
No mesmo despacho considerou-se que o processo continha já todos os elementos necessários para com dispensa da audiência prévia, conhecer do mérito da causa.
E assim foi proferida decisão na qual se julgou a acção improcedente, por não provada, e em consequência, se absolveram os réus do pedido formulado pelo Autor.
Mais se decidiu que ficava prejudicada a apreciação do pedido reconvencional dos Réus, dada a natureza subsidiária do mesmo em relação ao pedido do Autor.
O Autor veio interpor recurso da decisão proferida, apresentando desde logo e nos termos legalmente prescritos, as suas alegações.
O Autor contra alegou, requerendo também a ampliação do recurso interposto.
Foi proferido despacho em que se julgou o recurso tempestivo e legal e se admitiu o mesmo como sendo de apelação, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação emitiu-se despacho onde se teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II. Enquadramento de facto e de direito:
Ao presente recurso são aplicáveis as regras processuais da Lei nº41/2013 de 26 de Junho.
É consabido que o objecto do(s) presente(s) recurso(s), sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento obrigatório, são definidas pelo conteúdo das conclusões vertidas, respectivamente, pelo Autora/apelante e pelos Réus/apelados nas suas alegações e contra alegações (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do CPC).
E é o seguinte o conteúdo dessas mesmas conclusões:
Alegações do Autor:
a) Decorre dos autos que a F… tinha consciência de que com o seu procedimento na aceitação das escrituras anuladas estava dolosamente a sonegar o património à herança do falecido marido;
b) Sonegação de que se os seus instituídos herdeiros do mesmo património se pretenderam aproveitar;
c) Por isso ocorreu omissão dolosa no dever de declarar o património;
d) Ao não ter em conta essa factualidade o Juiz a quo não só violou os artigos 9º, 236° e 2096° do Cód. Civil, como não teve em conta a jurisprudência maioritária e doutrina dominante que tem vindo a sancionar o sonegador com os ditamos do artigo 2096° do Cód. Civil;
e) Mas o Juiz a quo também omitiu pronunciar-se sobre pedido dos Recorridos ao não considerar que o seu pedido reconvencional naufragou, não sancionando com custas os Recorridos (vide artigos 615°, n°1 al. d) e 527° ambos do Cód. Proc. Civil).
NESTES TERMOS deve ser dado provimento ao recurso, dando como provada a acção e condenados os Recorridos no pedido, ou, ordenando o prosseguimento dos autos.
Mas também deve ser dado provimento ao recurso quanto à omissão da condenação dos recorridos quanto a custas por o seu pedido reconvencional não ter merecido vencimento, e nem o recorrente a ele ter dado causa.
Pois, assim, se fará JUSTIÇA.
Contra alegações dos Réus:
1ª – Quanto à 1ª Conclusão a) do Apelante: - este conclui que “a F…, ao aceitar intervir nas escrituras anuladas (quererá referir-se apenas à única escritura em que interveio – do facto nº 8), estava dolosamente a sonegar bens à herança”, ou seja, entende que essa intervenção é suficiente para integrar o conceito de “sonegação” do art.º 2096º, CC. Mas, não é assim:
2ª – Os requisitos ou pressupostos de facto e de direito da simulação de negócio jurídico e os requisitos da sonegação de bens à herança são notoriamente diferentes, não podem confundir-se (art.º 240 e 2096, CC). Assim:
- no 1º caso exige-se:- 1) - uma “divergência” entre a declaração negocial e a vontade real; 2) - intuito de enganar terceiros” (o A.) – cfr. facto nº 14, parte final e art.º 240, CC).
- no 2º caso há um “fenómeno de ocultação de bens – o qual pressupõe obviamente um facto negativo omissão de uma declaração – cumulado com o facto jurídico de carácter positivo – o dever de declarar por parte do omitente” e uma actuação dolosa (apossamento) – cfr. P. Lima e A. Varela, in “C.P.Civil Anotado”, 1998, VI volume, pág.157, ao cimo e “Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea” onde se define “sonegar” como sendo “o ato que traduz em não dar a conhecer determinado facto ou realidade, no caso em que a lei exige”.
3ª – No tocante ao 1º pressuposto da sonegação “omissão de um dever de declarar”, por banda da mulher do autor da herança, F…, o Apelante na PI apenas apontou “a falta de participação à Autoridade Tributária do óbito do seu marido”.
Porém, quer a Doutrina, quer a Jurisprudência entendem que tal omissão é destituída de significância.
4ª – Neste sentido, a Doutrina entende que:
a) – o Direito e a sanção fiscal têm autonomia em relação ao Direito e à sanção civil – cfr. Lopes Cardoso in “Partilhas Litigiosas”, 2018, vol. I – pág. 775.
b) – “o Direito Fiscal (RGIT) não usa a expressão “sonegação” para tipificar crimes ou contra-ordenações tributárias – o que retira essa significância à falta de participação de um óbito” – cfr. ob. cit.
c) – “a sanção fiscal não passa do agente da infracção, não se transmite ao herdeiro do infractor” – cfr. Lopes Cardoso, ob. cit. pág. 781 – sugerindo que no Direito Civil se deverá passar o mesmo (nb:- este insigne Mestre na nota 2192, a fls. 783, ao fundo, escreve …”na vigência da lei antiga sustentou-se que, não obstante o art.º 2079 ter o carácter de uma pena, o cônjuge sobrevivo, cabeça de casal que oculta ao inventário, por dolo ou fraude, bens existentes no casal ao tempo do falecimento do outro cônjuge, incorre na pena de sonegador e que esta pena não passa para os herdeiros do cabeça de casal, salvo se ao tempo do
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