Acórdão nº 1407/20.2T8ALM.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 22-02-2024

Data de Julgamento22 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão1407/20.2T8ALM.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

AP, que anteriormente usou o nome de AP e mulher, MP, intentaram a presente acção declarativa comum, contra J-Lda, pedindo que (a) nos termos do artigo 240 do Código Civil, se declare a nulidade, por simulação absoluta, do contrato de compra e venda celebrado, entre autores e ré, pela escritura pública a que aludem os presentes autos; (b) em consequência da declaração de nulidade e nos termos do art.º 13 do CRP, seja ordenado o cancelamento dos registos relativos ao identificado lote de terreno, correspondentes (i) à penhora no processo de execução fiscal e (ii) à inscrição da aquisição a favor da ré, e ainda (iii) o cancelamento de todos os registos posteriores, que tenham sido ou venham a ser feitos com base na aquisição a favor da ré, e que sejam incompatíveis com a declaração de nulidade do contrato de compra e venda; e ainda que (c), nos termos do artigo 243/3 do CC, seja declarada a oponibilidade da nulidade peticionada a terceiros que venham a adquirir o lote de terreno após o registo da presente acção, designadamente no processo de execução fiscal identificado na petição inicial, ordenando-se o cancelamento dos registos a favor dos mesmos.
Regularmente citada, a ré não contestou.
Por se entender que nos autos se estava perante uma situação de preterição de litisconsórcio necessário passivo, foi proferido convite com vista ao suprimento da excepção dilatória de ilegitimidade passiva.
Na sequência do convite, vieram os autores deduzir incidente de intervenção principal passiva do Estado Português, o qual foi admitido e foi ordenada a citação do Estado Português.
O Ministério Público, em representação do Estado Português (Autoridade Aduaneira – Fazenda Nacional) contestou, deduzindo a excepção peremptória do abuso de direito (art.º 334 do Código Civil) por parte dos autores, na modalidade de venire contra factum proprium, porque primeiro terão simulado um contrato de compra e venda para evitar que o imóvel fosse penhorado e executado por uma dívida antiga e depois, perante a iminência do referido imóvel ter de responder pela satisfação de dívidas da ré à Fazenda Nacional, o que a suceder comprometeria irremediavelmente a finalidade que presidiu à simulada venda, vêm agora invocar a nulidade do negócio, por simulação, porquanto tal situação aparente por eles motivada deixou de lhes convir e é prejudicial aos seus ilegítimos interesses, pretendendo fazer valer os efeitos da nulidade dos negócios jurídicos, de modo a que o imóvel seja excluído do processo executivo fiscal e lhes seja restituído; e impugnando, no essencial por desconhecimento sem obrigação de conhecer, os factos que não estão provados por documentos; acrescenta que não é certo que as partes não tenham querido, realmente, o negócio, tanto que o gerente da ré se veio aproveitar dele, indicando o imóvel para penhora numa execução contra a sociedade e não contestando a execução fiscal, e os autores não deduziram embargos de terceiro na execução fiscal; por fim, considera que o pedido de cancelamento do registo da penhora efectuada no processo de execução fiscal, não pode proceder porque a penhora da Fazenda Nacional foi feita antes da propositura da presente acção; acrescenta que um pedido de condenação referente a uma obrigação dependente de terceiro, não pode proceder (acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/06/2016, proc. 3071/13.6TJVNF.G1) e lembra, quanto à prova indicada pelos autores, a limitação estabelecida no art.º 394/2 do CC.
Os autores replicaram pugnando pela improcedência da excepção.
Depois de realizada a audiência final, foi proferida sentença, julgando a acção improcedente e absolvendo a ré e o Estado dos pedidos formulados pelos autores.
Os autores recorrem desta sentença – para que seja revogada e substituída por outra que julgue a acção procedente e, em consequência, condene a ré e o Estado Português nos pedidos formulados -, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
1\ Da factualidade dada como provada, não resulta que os autores, ao arguirem a simulação do contrato de compra e venda, actuaram com abuso de direito, nomeadamente na modalidade do venire contra factum proprium.
2\ A questão essencial que se coloca consiste em saber se, à luz da correcta interpretação do artigo 334 do CC, a pretensão dos autores (vendedores/simuladores) - no sentido de verem declarada a nulidade, por simulação absoluta, do contrato de compra e venda em causa – é juridicamente inadmissível, em virtude daqueles terem instaurado a acção após terem tido conhecimento da penhora do lote de terreno - efectuada numa execução fiscal instaurada contra a ré (compradora/simuladora) - e de terem, entretanto, decorrido mais de 10 anos, em que o terreno se manteve na esfera jurídica da ré, que até o ofereceu à AT, em pagamento de uma dívida fiscal.
3\ Os autores consideram que, contrariamente à decisão da sentença recorrida, o decurso do prazo de mais de 10 anos não tem a relevância jurídica que a mesma lhe atribui, relativamente ao abuso de direito, desde logo, porque, nos termos do artigo 286 do CC, a nulidade do negócio jurídico pode ser arguida, a todo o tempo, por qualquer interessado, podendo a nulidade do negócio simulado ser arguida pelos próprios simuladores, ainda que a simulação seja fraudulenta, nos termos previstos no artigo 242/1 do CC.
4\ Acresce que, durante esses mais de 10 anos, os autores nada fizeram no sentido de esconder que continuavam a ser, na realidade, os proprietários do lote de terreno.
5\ Pelo contrário, conforme consta em J dos factos provados.
6\ Aliás, nem a ré nem os autores requereram o registo da aquisição, a favor daquela, emergente do contrato de compra e venda simulado, pelo que, durante mais de 10 anos, a propriedade do lote de terreno manteve-se registada em nome dos autores.
7\ Assim, dos factos provados não pode concluir-se que a conduta anterior dos autores foi no sentido de que nunca viriam a invocar a nulidade do contrato, por simulação.
8\ Os autores propuseram a acção depois de terem tido conhecimento que o lote de terreno tinha sido penhorado no processo de execução fiscal, instaurado contra a ré, porque foi, evidentemente, nesse momento que assumiram que deviam, pelos meios judiciais adequados, defender o seu direito de propriedade.
9\ Porem, tal facto não torna ilegítimo e inadmissível o exercício, pelos autores, do direito de arguir a simulação do negócio.
10\ Na verdade, no caso em apreço, a pretensão dos autores no sentido de verem declarada a nulidade do negócio simulado, não poderá ser considerada ilegítima e inadmissível, não prejudicando a contraparte no negócio (a ré, simuladora/compradora) e não retirando os autores, para si, qualquer lucro patrimonial dessa nulidade, que terá apenas o efeito de repor a verdade material, relativamente à propriedade do lote de terreno, no interesse dos autores, mas também no interesse dos seus credores, que voltarão a dispor do lote de terreno para garantia e satisfação de eventuais créditos, vencidos e não pagos.
11\ Por outro lado, o eventual não reconhecimento aos autores do direito a obter a declaração de nulidade, nos termos formulados na pi, iria permitir à ré, simuladora/compradora (que nada pagou nem tinha de pagar, aos autores, pela venda), tirar proveito material do negócio simulado, em consequência da inevitável futura venda do lote de terreno, na execução fiscal pendente contra a ré, o que, acontecer, seria imoral e reprovável , e constituiria um injusto locupletamento da ré, à custa dos autores, que implicaria para estes um grave prejuízo patrimonial irreparável (o valor patrimonial do lote de terreno, indicado na escritura de compra e venda, em causa, era de 59.328€, e é actualmente de 82.489,05€ (cf. caderneta predial junta com a pi).
12\ Acresce que o Estado Português, não provou, nem sequer alegou, quaisquer factos susceptíveis de demonstrar que os autores procederam no sentido criar na Fazenda Nacional – Autoridade Tributária a expectativa de que não arguiriam a simulação do negócio, nem se provou que a penhora do lote de terreno seja imprescindível para assegurar a cobrança da dívida fiscal da ré.
13\ Assim, não pode concluir-se que os autores, ao peticionarem nos presentes autos a nulidade do contrato, com base na simulação que eles e a ré deram causa, estejam a exercer um direito em termos, clamorosa e intoleravelmente, ofensivos da justiça, da lealdade ou do sentimento jurídico socialmente dominante. Pelo que não pode considerar-se que a pretensão dos autores excede, manifestamente, os limites previstos no art.º 334 do CC.
O Estado Português respondeu ao recurso, concluindo no sentido da sua improcedência e sintetizou assim as suas razões para tal:
1\ A compra e venda celebrada em 30/12/2008 teve por única finalidade evitar que o lote de terreno fosse penhorado e executado por uma dívida antiga (F dos factos provados).
2\ Passados vários anos, perante a iminência do referido imóvel ter de responder pela satisfação de dívidas à Fazenda Nacional da ré, os mesmos invocam a nulidade do negócio, por simulação, porquanto tal situação aparente por eles motivada deixou de lhes convir e é prejudicial aos seus ilegítimos interesses, pretendendo fazer valer os efeitos da nulidade dos negócios jurídicos, de modo a que o imóvel seja excluído do processo executivo fiscal e lhes seja restituído.
3\ O abuso do direito é uma excepção peremptória inominada de conhecimento oficioso que importa a absolvição do pedido (art.º 334 do CC e artigos 571/2, 576/3 e 579 do CPC).
4\ Atente-se na manifesta violação dos deveres de lealdade e dos limites impostos pelo princípio da boa fé, em períodos temporais distintos, o imóvel muda da esfera jurídica de uns para outros ao sabor dos problemas de cada um, não pagando aos credores, assim salvaguardando o
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