Acórdão nº 140/22.5TELSB-A.L1-9 de Tribunal da Relação de Lisboa, 24-11-2022

Data de Julgamento24 Novembro 2022
Ano2022
Número Acordão140/22.5TELSB-A.L1-9
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, em conferência, os Juízes da 9ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO
No âmbito do Processo nº 140/22.5TELSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Juízo de Instrução Criminal de Cascais – J1, na sequência de uma promoção (em 30/5/2022) do Ministério Público, foi proferido despacho (em 1/6/2022) a decidir a renovação da medida de suspensão de movimentação de conta a vigorar pelo período de 3 meses.
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Inconformados com tal decisão, dela vieram os recorrentes, AA, BB e CC, interpor o presente recurso que culmina com as seguintes conclusões e petitório (transcrição):
“a) Vem o presente recurso interposto do Despacho com a Ref.137919491, no qual o Tribunal a quo decretou a renovação da medida de suspensão de movimentação das contas bancárias dos Recorrentes abertas junto do Banco Comercial Português, S.A (Millenium BCP), com os n.ºs..., ... e n.º ... por mais três meses, proferido no âmbito do inquérito n.2 140/22.5TELSB, que se encontra a correr termos no Ministério Público - Procuradoria da República da Comarca de Lisboa Oeste - Departamento de Investigação e Ação Penal – 1ª Secção de Oeiras;
b) No douto Despacho recorrido, o Tribunal a quo decidiu o seguinte: «conforme promovido pelo MP e aderindo à fundamentação do digno magistrado, atenta a natureza da movimentação indiciado, nos termos do artigo 49º, nºs 1 e 2 e 48º, nº 3, alíneas a) e b) da lei 83/2017 de 17.08, renovo a medida de suspensão decretada, de movimentação sobre o saldo da conta identificada, a vigorar pelo período de 3 meses»;
c) Na Promoção do Senhor Magistrado do Ministério Público (Despacho com a Refª. 137807259), que esteve na origem da prolação do Despacho recorrido, entendeu-se o seguinte: «Conforme se alcança do teor de fls. 34, nos presentes autos investigam-se factos susceptíveis de integrar, em abstracto, a prática dos crimes de burla e branqueamento, p. e p. pelo art.º 368º-A, do Código Penal, tendo sido determinada a suspensão de operações bancárias a débito, sobre as contas bancárias identificadas a fls. 29, por um período de três meses (fls. 29 e 34). Na medida em que os pressupostos de facto e de direito que determinaram a referida suspensão de operações bancárias (SOB), descritos a fls. 22 a 30, e que aqui se dão por integralmente reproduzidos, se mantêm na atualidade, promovo que se determine a prorrogação da aludida suspensão de operações bancárias para as contas em causa por mais três meses, nos termos do disposto no art.º 49º, n.º 2, da Lei n.º 83/2017, de 18 de Agosto.»;
d) O Despacho recorrido padece do vício de falta de fundamentação, uma vez que não cumpre, minimamente, com a exigência legal e constitucional de fundamentação dos atos decisórios, prevista no Artigo 97.º, n.º 5, do Código do Processo Penal e no Artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa;
e) Decorre da referida exigência legal de fundamentação dos atos decisórios que a fundamentação do(s) mesmo(s) deve estar, necessariamente, devidamente exteriorizada no respetivo texto, de modo que se perceba qual o seu sentido; que se
enumerem e expliquem as razões de facto e de direito que se mostraram determinantes para o Tribunal adquirir certa convicção; que a decisão seja clara e compreensível (ou, no mínimo, susceptível de ser compreendida) pelos respetivos destinatários, nomeadamente para efeitos, como é o caso, de recurso perante Tribunais superiores; tem de revelar que o Juiz procedeu à concreta ponderação dos interesses em causa, sopesando-os e decidindo em conformidade com essa ponderação;
f) Ora, os Recorrentes desconhecem em absoluto quais os pretensos pressupostos de facto e de direito que, não só, estiveram na base da decisão inicial de suspender a movimentação das contas bancárias pertencentes aos Recorrentes, como também, se esses mesmos pressupostos — que, repete-se, se desconhecem — se mantêm na presente data;
g) Os pressupostos, ou seja, as razões e fundamentos alegados pelo Ministério Público nas folhas 22 a 30 dos autos, têm que, obrigatoriamente, não só constar do Despacho recorrido como, também, serem do conhecimento dos Recorrentes;
h) Devido à opacidade do iter decisório, não é minimamente possível garantir a imparcialidade do Juiz, bem como a própria legalidade da decisão, de forma a, por exemplo, se poder fazer uso dos mecanismos de recurso e/ou assegurar o controlo (ou a possibilidade de) da legalidade das decisões, o que constitui uma garantia inalienável e irrenunciável do princípio do Estado de Direito (artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa);
i) O "procedimento" adoptado pelo Tribunal a quo no despacho recorrido, de simplesmente remeter para a promoção do Ministério Público, é incompatível com o juízo crítico e pessoal que é exigível ao despacho judicial em análise, devendo ser
evitado quando a complexidade da questão exigir ponderação própria, como é o caso dos presentes autos;
j) Ainda que mesmo que se possa compreender por razões de celeridade e economia processual em questões que sejam notoriamente simples e pouco relevantes, tais princípios devem ser cuidadosamente usados em questões de maior complexidade, como a dos presentes autos;
k) Na verdade, analisando atentamente o Despacho em questão, com todo o respeito que temos, retiramos que o mesmo não fundamenta absolutamente nada, apenas se limitando a concordar, quiçá acriticamente, com a promoção do Ministério Público.
1) O Despacho recorrido deveria, pelo menos resumidamente, apreciar acerca do solicitado pelo Ministério Público, mostrando um notório distanciamento da investigação e, consequente, independência, porque só assim os direitos dos Recorrentes podem ser salvaguardados, acautelados e imparcialmente apreciados;
m) A verdade é que a referida renovação da medida de suspensão das operações de movimentação dos saldos bancárias nunca deveria ser ordenada sem um juízo suficientemente objetivo acerca da necessidade desta medida, efetivamente ponderada e justificada, sendo que, pelo contrário, o Despacho ora em crise não exprime qualquer juízo crítico, objetivo e autónomo, passível de ser atribuído ao Juiz que assim concluiu;
n) Do Despacho recorrido deveria obrigatoriamente constar em que moldes, como e qual o fundamento que determina que os saldos bancários dos Recorrentes necessitam de ser efetivamente apreendidos;
o) Não tendo havido lugar a que os Recorrentes se pronunciassem acerca da determinação, ou não, da apreensão dos seus saldos bancários, toda e qualquer decisão que daí adviesse deveria ser absolutamente isenta e, para isso, deveria ser fundamentada conforme o que lhe é suposto;
p) A falta de fundamentação do Despacho recorrido põe em causa o direito à tutela jurisdicional efetiva, consagrado no Artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, uma vez que, devido à total ausência de fundamentação, os Recorrentes têm dificuldades de compreensão da ratio decidendi do Tribunal a quo e, por conseguinte, em reagir, de forma fundamentada, ao despacho perante as instâncias superiores, o que também põe em causa o direito dos Recorrentes a um processo justo e equitativo, consagrado no Artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa;
q) Por outro lado, o Despacho recorrido lesa, de forma legalmente inadmissível, o direito de defesa dos Recorrentes, consagrado no Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, os Recorrentes nem tiveram oportunidade para se pronunciar, declarar a apreensão dos saldos bancários, sem qualquer fundamentação que esclareça o sentido da decisão, aniquila por completo os direitos de defesa dos mesmos;
r) Para além do mais, os Recorrentes não foram constituídos arguidos nos presentes autos de inquérito, conforme se impunha ao abrigo do disposto no Artigo 58.º n.º- 1 alínea b) do Código de Processo Penal;
s)A falta de constituição dos Recorrentes como arguidos, aliada ao desconhecimento, não imputável aos Recorrentes, dos fundamentos de facto e de direito que determinar o decretamento da medida de suspensão das movimentações das suas contas bancárias e a renovação da mesma e à falta de fundamentação do Despacho recorrido importam uma violação grosseira do direito à tutela jurisdicional efetiva, do direito a um processo justo e equitativo e do direito à defesa, direitos constitucionalmente tutelados e protegidos nos Artigos 20.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa;
t) Desta forma, ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou as normas dos artigos Artigo 97.º, n.º 5 do Código de Processo Penal e dos Artigos 205.º, n. 1, 20.º e 32º da Constituição da República Portuguesa, o que se argui nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 402.º n.º 2, al. a), do CPP;
u) O douto Despacho recorrido determinou a renovação da medida de suspensão de operações bancárias para as contas em causa por mais três meses ao abrigo do disposto nos Artigos 49º, n.ºs 1 e 2, e 48.º, n.º 3, alíneas a) e b), da Lei n.º 83/2017, de 17 de Agosto (Lei do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo ou "LBCFT"), no pressuposto de que a medida de suspensão das contas bancárias tituladas pelos Recorrentes é o mecanismo adequado a investigar a eventual prática pelos Recorrentes dos crimes de burla e branqueamento de capitais;
v) A Decisão recorrida, salvo o devido respeito, que é muito, não faz qualquer sentido, na medida em que não é adequada a prevenir a prática dos referidos crimes de burla e branqueamento de capitais, uma vez que, a haver burla e/ou branqueamento, estes já estariam mais do que consumados na data da medida decretada para o evitar;
w) Assim, afigura-se-nos que, com o Despacho recorrido, o Tribunal a quo pretendeu evitar a dispersão do património dos Recorrentes, através do "congelamento" das contas bancárias supra identificadas, objetivo esse que a lei não consente, de modo algum, como fundamento para o decretamento e/ou para a
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