Acórdão nº 1397/18.1T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 28-01-2021
Judgment Date | 28 January 2021 |
Acordao Number | 1397/18.1T8VCT.G1 |
Year | 2021 |
Court | Court of Appeal of Guimarães (Portugal) |
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I. Relatório
R. P., residente na Rua …, nº …, … Viana do Castelo, contribuinte fiscal nº ………, B. S., residente no Caminho …, nº …, contribuinte fiscal nº ………, S. S., residente no Caminho da ..., n.º 1, 4900-012 ..., contribuinte fiscal nº 291 986 960; M. P., residente na Rua … Cascais, contribuinte fiscal nº ………; C. P., residente no Caminho …, nº …, contribuinte fiscal nº ………, os dois primeiros herdeiros e os restantes legatários de M. A., propuseram a presente acção comum contra S. E., residente na Quelha …, n.º …, D. L., Pároco ... Paroquial de ..., sita na Estrada …, n.º …, Comissão Fabriqueira ... de ... – pessoa colectiva religiosa com NIF ………, sita na Estrada …, n.º …, M. R., Advogada, com domicílio profissional sito na Rua …, Viana do Castelo, e M. V., residente no Caminho … e formularam os seguintes pedidos:
-1- Seja declarada nula a procuração efectuada e melhor descrita nos autos (Documento nº 20);
-2- Sejam declaradas anuladas as liberalidades feitas por M. A. à primeira Ré S. E. (melhor descritas no artigo 146º do articulado inicial);
-3- Se condene a primeira Ré S. E. a restituir a quantia de € 17.196,04 (€ 8.132,45 + € 3.036,23 + € 6.027,36) – dezassete mil, cento e noventa e seis euros e quatro cêntimos);
-4- Se condene a terceira Ré Comissão a restituir a quantia de € 6.308,01 (seis mil, trezentos e oito euros e um cêntimo);
-5- Se condenem os Réus solidariamente a pagar aos Autores danos patrimoniais a apurar em execução de sentença;
-6- Se condenem os Réus solidariamente a pagar aos Autores a quantia de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais;
-7- Se condenem os Réus cumulativamente no pagamento dos juros que se vencerem desde a citação até efectivo e integral pagamento, custas e demais acréscimos legais.
Para tanto, no essencial, alegaram que a procuração passada por M. A. no dia de 13 de Março de 2017 é inválida, por falta de requisitos legais, concretamente, por falta de registo no sistema informático da Ordem dos Advogados, por parte da advogada que elaborou o reconhecimento da assinatura e o termo constante da procuração. Mais sustentam que M. A. actuou com a vontade viciada, não tendo a intenção de entregar os certificados de aforro mencionados na procuração à Fábrica ... Paroquial da ... e a S. E.. Sem o registo da procuração entendem que o aludido instrumento é nulo e, em consequência, são nulos os actos praticados através do seu uso, devendo a Ré S. E. restituir as quantias recebidas através da aludida procuração – € 8.132,45 + € 3.036,23 – num total de € 11.168,68 (onze mil, cento e sessenta e oito euros e sessenta e oito cêntimos) e devendo a Ré Fábrica ... restituir a quantia de € 6.308,01 (seis mil, trezentos e oito euros e um cêntimo).
Mais alegaram que a assinatura aposta na procuração não foi feita pelo punho da falecida M. A. e que não mandatou a Ré M. V. para proceder ao seu levantamento, como também não teve a intenção de proceder à sua entrega às Rés S. E. e Comissão Fabriqueira, tendo havido uma situação de exploração por parte dos Réus do estado de inferioridade em que M. A. se encontrava, com um flagrante benefício, excessivo e injustificado, constituindo um negócio usurário.
Por último, alegaram encontrar-se profundamente chocados com a situação ocorrida, sentindo um enorme desgosto com o ocorrido com a sua familiar, pretendendo ser ressarcidos pelos danos não patrimoniais sofridos no montante de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros).
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A Ré M. R. apresentou contestação, invocando ter elaborado a procuração de acordo com as informações que lhe foram transmitidas pelo Réu D. L., e ter também elaborado o termo de autenticação, dele fazendo constar o seu conteúdo, de acordo com a vontade da referida M. A., a qual se encontrava em pleno uso das suas faculdades mentais, sabendo o que queria fazer e manifestando a sua vontade sem qualquer equívoco.
Referiu que o registo serve apenas para dar publicidade à sua realização, devendo a procuração ser considerada válida e que não existe nexo de causalidade entre a falha da ré (realização de procuração com falta do seu registo) e o levantamento das quantias em causa.
Por fim, invocou a celebração de um contrato de seguro com a X, S.A., tendo sido transferida para esta entidade a sua responsabilidade civil profissional.
Termina, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição e requerendo a intervenção acessória da Companhia de Seguros X Seguros Gerais, S.A..
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Os Réus D. L. e Fábrica ... Paroquial de ... apresentaram contestação, alegando que a procuração foi outorgada de acordo com a vontade da mandante e esta sempre esteve consciente das suas decisões, em pleno uso das suas faculdades mentais, sabendo perfeitamente o que queria fazer e manifestando essa sua vontade sem qualquer equívoco, pedindo a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.*
As Rés S. E. e M. V. apresentaram contestação, alegando que M. A., conforme a sua livre vontade, quis efectuar, como efectuou, as liberalidades que entendeu e que, os poderes de representação conferidos por procuração por M. A. encerram em si mesmos uma manifestação clara e inequívoca dessa sua vontade, sendo sua a assinatura e os dizeres estão conforme a vontade espontânea que expressou à ré M. R.. Apontam, no sentido que defendem, que a falta de conclusão do registo do termo de autenticação no portal da Ordem dos Advogados constitui uma mera irregularidade, não afectando a validade do instrumento de representação e o seu conteúdo, pois os poderes de representação conferidos são aqueles que constam do documento subscrito pela procuradora, feito perante quem goza de poderes de autenticação, suficiente para transmitir os bens doados, sem necessidade de outra formalização para além da ordem da doadora (dada por escrito) e a entrega (tradição) do bem doado aos beneficiários.
Terminam pedindo a improcedência da acção, com as legais consequências.
*
Os Autores requereram a intervenção principal provocada de Y – Correios de Portugal, S.A., tendo o Tribunal admitido o chamamento de X Seguros Gerais, S.A., mas não a intervenção provocada requerida de Y – Correios, S.A. *
A interveniente X Seguros Gerais, S.A. apresentou o seu articulado, seguindo-se o despacho saneador, com a selecção do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.*
Realizada uma perícia à letra de M. A., com os subsequentes esclarecimentos à perícia, procedeu-se à realização da audiência, após o que foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente e, em consequência, absolveu os Réus e a Interveniente dos pedidos.*
II-Objecto do recursoNão se conformando com a decisão proferida, vieram os AA. interpor recurso, juntando, para o efeito, as suas alegações, e apresentando, a final, as seguintes conclusões:
A) Os AA não se conformam com a Douta sentença proferida nos autos, nomeadamente no que diz respeito à procuração – Doc. 20 junto com a pi - considerando que falta de registo do termo de autenticação não tem como consequência a nulidade da mesma e dos seus efeitos, uma vez que está em causa a entrega de valores monetários sem contrapartida, não depende de formalidade alguma externa;
B) Para os AA, a procuração através da qual as 1ª e 3ª Ré obtiveram os valores de certificados de aforro (n.º 202037756-1 no valor de € 6.308,01; n.º 35659300-5 no valor de € 8.132,45 e n.º 202060713-3 no valor de € 3.036,23), é inválida por falta de requisitos legais - falta de registo em sistema informático da Ordem dos advogados, por parte da advogada (4ª Ré) que elaborou o reconhecimento da assinatura e termo constante da procuração;
C) O primeiro certificado foi transferido para o IBAN PT50 ............77 titulada pela 3ª Ré Fábrica ... Paroquial ... de ... – Doc. 21 da pi;
D) Os dois últimos foram transferidos para o IBAN PT50 ............86, cujo titular é a 1ª Ré S. E. – Doc 22 da pi;
E) De acordo com o n.º 3 do artigo 363.º do Código Civil, Os documentos particulares são havidos por autenticados, quando confirmados pelas partes, perante notário, nos termos prescritos nas leis notariais;
F) O procedimento de autenticação do documento particular consiste, na confirmação do seu teor perante entidade dotada de fé pública – aqui no caso em, apreço Advogada – e a parte (neste caso a mandante da procuração) declarar estar inteirada do seu conteúdo e que este traduz a sua vontade, sendo ainda elaborado pela entidade um termo de autenticação, que deve ser lavrado em conformidade com os requisitos previstos nos artigos 150.º e 151.º do Código de Notariado (conter a declaração da parte de que leu o documento e está inteirada do seu conteúdo e que o mesmo exprime a sua vontade;
G) Finalmente exige-se ainda o registo informático a que se reporta a Portaria n.º 657-B/2006, de 29-06;
H) Se, quando à vontade da mandante da procuração e a sua consequente assinatura nos documentos em causa (procuração e termo) não foram retiradas todas as dúvidas e explicado o motivo pelo qual a mandante (pessoa de idade e nos últimos dias de vida) assinou dois documentos exactamente de forma igual ao seu bilhete de identidade – documento e assinatura de há 17 anos atrás, pois o relatório pericial de fls.. foi inconclusivo – não é possível formular qualquer conclusão relativamente à hipótese das assinaturas dos documentos referidos terem sido feitas pelo punho de M. A.,
I) Verifica-se claramente que a autenticação do documento/procuração padece de um vício que afecta a sua validade – não existe registo informático nos termos da Portaria n.º 657- B/2006, de 29-06.
J) No seguimento do artigo 38.º do Decreto-Lei n.º 76-A/2006, de 29 de Março – estabelece que (no caso concreto) os advogados e os solicitadores podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos...
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