Acórdão nº 139/22.1T8TBU.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 22-11-2022
Data de Julgamento | 22 Novembro 2022 |
Ano | 2022 |
Número Acordão | 139/22.1T8TBU.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE TÁBUA) |
Acordam na Secção Cível (3.ª Secção), do Tribunal da Relação de Coimbra
1 – Relatório.
1.1.- AA e BB propuseram a presente providência cautelar de restituição provisória da posse, nos termos dos artigos 377.º e 378.º do Código de Processo Civil, contra CC e DD, requerendo que seja ordenada a restituição provisória da posse do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casas de arrecadação, piscina e logradouro, com superfície coberta de 114,61 m2, superfície descoberta de 2326,56 m2, e área total de 2441,17 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...61 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72, da freguesia ..., concelho ....
Concluem pelo decretamento da providência requerida, sem audição prévia dos requeridos e com inversão do contencioso.
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Por despacho datado de 24.08.2022 (ref.ª Citius n.º 89089291), foi admitida liminarmente a providência requerida e designada data para inquirição das testemunhas arroladas pelas requerentes.
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Procedeu-se à inquirição das testemunhas arroladas pelas requerentes, com observância do devido formalismo legal.
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Fixou-se o valor da causa em € 20.533,45 (vinte mil quinhentos e trinta e três euros e quarenta e cinco cêntimos) o valor da presente causa por corresponder ao valor patrimonial actual do prédio objecto da providência (artigos 296.º, 299.º e 304.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil).
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Saneou-se o processo onde se refere ser o Tribunal o competente internacionalmente, em razão da matéria, do valor e da hierarquia, ser o processo o próprio, serem as requerentes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, serem legítimas e encontrarem-se devidamente patrocinadas.
Inexistindo, questões prévias, excepções ou nulidades de que cumpra conhecer.
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Foi definido objecto do litigo e, bem assim, a questão jurídica a resolver, reconduzindo-se estas em saber se estão ou não verificados os pressupostos para determinar provisória, instrumentalmente e a favor das requerentes, a restituição provisória da posse do prédio urbano sito em ..., freguesia ..., concelho ..., composto por casas de arrecadação, piscina e logradouro, com superfície coberta de 114,61 m2, superfície descoberta de 2326,56 m2, e área total de 2441,17 m2, inscrito na matriz sob o artigo ...61 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...72, da freguesia ..., concelho ....
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1.2. – Foi proferida sentença onde se decidiu:
a) Julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente providência cautelar de restituição provisória da posse com a inversão do contencioso;
b) Não convolar o presente procedimento cautelar especificado para o procedimento cautelar comum nos termos do artigo 379.º do Código de Processo Civil.
Custas a cargo das Requerentes (artigo 539.º n.º 1, do Código de Processo Civil).
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Notifique as Requerentes e registe (artigo 153.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).
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1.3.- Inconformado com tal sentença dela recorreu - AA e BB -, terminando a sua motivação com as conclusões que se transcrevem:
“1. Os Requerente vêm interpor o presente recurso por se entender que deveria
ter sido proferido o deferimento do Procedimento Cautelar nos termos do artº 377.º e Sgs do CPC, “Restituição Provisória de Posse”.
2. Entendem as requerentes que tendo sido dado como provada a existência
de posse, a existência de esbulho e ainda que os requeridos trocaram as fechaduras e colocaram um cadeado nos portões, removeram as estacas de madeira e rede que seriam de vedação entre o prédio das requerentes e requeridos, limparam o prédio e pintaram as edificações existentes no prédios das requerentes, ( ponto 5.1.4 dos factos provados)tais actos seriam suficientes para só por si dar como provado o requisito de violência do esbulho.
3-Sendo certo, que na decisão proferida o Tribunal à quo veio dar como provados factos claros de que existiu esse esbulho violento, que resultaram da prova realizada em Audiência de Julgamento, para além de prova documental que já se encontrava junta aos autos, mas ainda assim, entendeu na decisão não decretar a restituição provisória da posse, o que inquina a decisão por nulidade.
4- A nossa Doutrina como a Jurisprudência vêm entendendo que o esbulho
violento, tanto pode ser praticado sobre as pessoas diretamente, como por atos praticados que indiretamente também afetam as pessoas, coagindo-as ou tão-só levando-as a suportar uma situação contra a sua vontade, o que se encontra claramente prefigurado nos presentes autos.
5- São flagrantes factos alegados e provados que prefiguram atos de esbulho
violento o que se verificou pelas ações perpetradas pelos requeridos foi um ato de esbulho violento contrariamente ao que entende o Tribunal a quo.
6- Nesse sentido, vem também sendo firmado pela nossa Jurisprudência, desde
há vários anos, que existirá esbulho violento quando se verifica, “a colocação dum grande bloco de pedra na servidão de passagem e, a seguir, a dum portão de ferro numa das suas extremidades (ac. do TRE de 12.3.98, Almeida Simões, CJ 1998, II, p. 269) ou apenas a colocação dum portão (ac. do TRC de 4.4.06 Regina Rosa, www.dgsi.pt proc. 552/06), a de pilares de madeira unidos por cadeado por forma a impedir a passagem que outra pessoa vinha fazendo há mais de 30 anos pelo local (ac. do TRC de 28.11.98 CJ Quintela Proença 1998, V, p. 30) ou de pesados troncos de
árvores e um portão fechado no leito dum camino de acesso (ac. do TRP de 20.6.02, Saleiro Abreu, www.dgsi.ptpoc. 0230802).”
7-Ao lado da coação moral há a coação física, e em domínio que não é o do
negócio jurídico, esta pode consistir num obstáculo material que impossibilite
a posse, independentemente de qualquer ameaça ou outro comportamento
suscetivel de afetar a segurança do possuidor (neste sentido ac. do TRE de
25.11.93, Manuel Pereira, BMJ 431, p. 584).
8- Em Ac TRG Prcº 69/11.2TBGMR-BG1, datado de 03-11-2011, disponível online em dgsi.,
“ “...”
I- A violência no esbulho pode ser exercida tanto sobre as pessoas como
sobre as coisas.
II- Na acção cautelar de restituição provisória de posse, quando a actuação
do esbulhador sobre a coisa esbulhada é de molde a, na realidade, tornar impossível a continuação da posse, seja através de obstáculos físicos ao acesso à coisa, seja através de meios que impedem a utilização pelo possuidor da coisa esbulhada, estaremos perante um caso de esbulho violento;
III- A violência no esbulho pode traduzir-se numa acção física exercida
sobre as coisas como meio de coagir o esbulhado a suportar uma situação
contra a sua vontade.”
9- Ora, a ação perpetrada pelos Requeridos no presente caso concreto, é uma
imagem clara e integral que ilustra as posições doutrinais dominantes que se
vêm de enunciar, bem como da linha jurisprudencial que vem sendo seguida
no tratamento destas situações.
10- Os Requeridos impediram o acesso das requerentes ao prédio possuído
pelas requerentes, com actos materiais sobre as coisas, mas que afetaram e afetam diretamente o direito e vontade dos requerentes em utilizar o respetivo prédio.
11- Isto é, levando os Requerentes a ter de suportar a não utilização do prédio
por estas possuído, contra a vontade destas.
12- Pelo que, se encontravam e encontram verificados todos os elementos para
a determinação da restituição provisória da posse nos termos do artigo 377º
do CPC por parte do Tribunal a quo.
13-Por consequência, deveria tribunal a quo nos termos do artigo 378.º do CPC
ter ordenado a restituição da posse.
14- Neste sentido Ac. STJ, datado de 19-10-2016, Proc.487/14.4T2STC.E2.S1,disponível em dgsi:
“II - O procedimento cautelar nominado de restituição provisória de posse visa conferir tutela provisória ao possuidor que, por seu intermédio, alcança a reconstituição da situação possessória anterior ao esbulho violento (arts. 1279.º do CC e 377.º do CPC).
III - O decretamento da providência cautelar depende, como é pacífico, da
verificação cumulativa de três requisitos: a posse, o esbulho e a violência.
IV - A respeito do requisito da “violência”, a jurisprudência firmada no STJ
oscilou ao longo dos anos entre a tese do acórdão recorrido – que considerou violência relevante aquela que é exercida contra a pessoa do possuidor – e a tese do acórdão-fundamento – que considerou bastante para integrar o requisito em causa a violência exercida sobre a coisa.
V - O conceito de violência encontra-se plasmado no art. 1261.º, n.º 1, do CC, que define como violenta a posse adquirida através de co acção física ou de co acção moral nos termos do art. 255.º do mesmo Código.
VI - A violência aqui retratada não implica necessariamente que a ofensa da posse ocorra na presença do possuidor. Basta que o possuidor dela seja privado contra a sua vontade em consequência de um comportamento que lhe é alheio e impede, contra a sua vontade, o exercício da posse como até então a exercia – pelo que se sufraga a
acepção mais lata de esbulho violento.
VII - A interpretação mais restritiva seria redutora e deixaria sem tutela cautelar o possuidor privado da sua posse por outrem que, na sua ausência e sem o seu consentimento, actuou por forma a criar obstáculo ou obstáculos que o constrangem, nomeadamente, impedindo-lhe o acesso à coisa.
VIII - Não pode deixar de se considerar esbulho violento a vedação com estacas de madeira e rede com uma altura de 1,50m executada pelos requeridos como um obstáculo que constrange, de forma reiterada, a posse dos requerentes, impedindo-os de a exercitar como anteriormente faziam, merecendo, por conseguinte, tutela possessória cautelar no âmbito do procedimento de restituição provisória de posse.”
15- Basta que a ação física exercida sobre as coisas seja um meio de coagir uma pessoa a suportar uma situação, contra a sua vontade (ac. do TRP de 17.2.92,
Simões Freire, BMJ, 414, p. 632).
16-Ora, a ação perpetrada pelos Requeridos no...
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