Acórdão nº 139/12.0YREVR de Tribunal da Relação de Évora, 20-12-2012
Data de Julgamento | 20 Dezembro 2012 |
Número Acordão | 139/12.0YREVR |
Ano | 2012 |
Órgão | Tribunal da Relação de Évora |
Processo nº 139/12.0YREVR
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO
No recurso de contra-ordenação que, sob o nº 1/12.6YQSTR, correu termos no 1º Juízo do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão, em que é arguida “A”, por despacho datado de 23 de Maio de 2012, decidiu-se nos seguintes termos:
“Pelo exposto, e atentos os fundamentos expostos, o Tribunal decide julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condenar a arguida, A, pela prática da contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 8º, n.ºs 1 e 2, e 14.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 454/91, na coima de € 3.000,00 (três mil euros);
b) Condenar a arguida A, pela prática da contra-ordenação prevista e punível pelos artigos 2º, al. d), do 14.º, n.º 1, al. a) do Decreto-Lei n.º 454/91, na coima de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros);
c) Em cúmulo jurídico condenar a arguida na coima única de € 4.000,00 (quatro mil euros).
d) Não condenar a arguida na sanção acessória de publicitação da decisão aplicada.
e) Condenar a arguida nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC, nos termos do artigo 93º do Dec.-Lei nº 433/82, e 8º, nº 4 do Regulamento das Custas Processuais”.
*
Desta decisão foi interposto pela arguida o presente recurso, extraindo a arguida da motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:“I. A Recorrente não praticou as contra-ordenações que lhe são imputadas, uma delas emergente do não pagamento de cheque de montante não superior a € 150,00 e a outra decorrente da omissão de comunicação ao Banco de Portugal da recusa de cheque de montante não superior a € 150,00.
II. Tendo sido apresentado a pagamento o cheque n.º 9782279103, no valor de € 75,00, sacado pela Freguesia de (…), a A recusou o pagamento do referido cheque por motivo de saque irregular.
III. De acordo com o ponto 2.9.10.1.2 do Plano Oficial de Contabilidade das Autarquias Locais (POCAL) – instituído pelo Decreto-Lei n.º 54-A/99, de 22 de Fevereiro, as contas bancárias tituladas pelas freguesias deverão ser movimentadas com a intervenção conjunta do tesoureiro e do presidente ou do tesoureiro e do secretário, nesta última hipótese se o presidente assim o delegar.
IV. Não tendo sido conseguida a formação do órgão executivo da freguesia (junta de freguesia), no decurso das eleições autárquicas de 2009, a solução encontrada interinamente para ultrapassar o referido impasse ditou que, em violação do normativo legal vigente (que exige para assegurar a regularidade do saque a intervenção do tesoureiro), o cheque em causa fosse assinado pelo presidente, então eleito, da Junta de Freguesia de (…) e pelo secretário eleito no mandato anterior.
V. Na situação em causa entende a Arguida não ter aplicação o artigo 80.º do RJOA [“Os titulares dos órgãos das autarquias locais servem pelo período do mandato e mantêm-se em funções até serem legalmente substituídos”], cujo espírito que lhe subjaz sugere que o preceito seja unicamente aplicado às situações ocorridas no decorrer de um mandato, não podendo os eleitos do executivo anterior manter-se em funções depois de ter havido eleições directas e já estar constituído a nova assembleia de freguesia, órgão de onde dimanam os vogais que constituirão o órgão executivo (a junta de freguesia).
VI. Foi, pois, apoiada na legislação assinalada que a Arguida decidiu recusar o pagamento de cheque por motivo de saque irregular.
VII. Na verdade, a Arguida sempre defendeu que o saque irregular configuraria uma das situações de recusa justificada de pagamento de cheque de montante não superior a € 150,00, nos termos do artigo 8.º, n.º 2 e 3 do Decreto-Lei n.º 454/91.
VIII. Dispõe o artigo 8.º do RJCSP que:
“1. A instituição de crédito sacada é obrigada a pagar, não obstante a falta ou insuficiência de provisão, qualquer cheque, emitido através de módulo por ela fornecido, de montante não superior a € 150,00.
2. O disposto neste artigo não se aplica quando a instituição sacada recusar justificadamente o pagamento do cheque por motivo diferente da falta ou insuficiência de provisão.
3. Para efeitos do previsto no número anterior, constitui, nomeadamente, justificação de recusa de pagamento a existência de sérios indícios de falsificação, furto, abuso de confiança ou apropriação ilegítima do cheque” – itálico e sublinhado nosso.
IX. O elenco das causas justificativas de recusa de pagamento do cheque de valor de montante não superior a € 150,00 é, pois, exemplificativo.
X. O entendimento do Banco de Portugal, que exclui de entre as causas justificativas do pagamento de cheque de valor inferior a € 150,00, as situações de saque irregular, não pode sobrepor-se ao RJCSP, que enuncia, de forma não taxativa, as situações de recusa justificada de pagamento de cheques de montante não superior a € 150,00, e que se entende dever abranger as situações de saque irregular.
XI. Assim, tendo a Arguida na situação verificada, conhecimento especifico da situação de saque irregular, e tendo recusado o pagamento do cheque por tal motivo, não poderá ser condenada pela prática de contra-ordenação em infracção ao disposto no artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 454/91.
XII. E não se entendendo ter sido cometida a contra-ordenação acima referida, naturalmente também não poderá ter sido praticada a contra-ordenação emergente da omissão de comunicação ao Banco de Portugal da recusa de pagamento de cheque de montante não superior a € 150,00.
Termos em que deve ser alterada a douta sentença recorrida, e substituída por outra que declare que a Arguida não praticou qualquer das contra-ordenações que lhe são imputáveis, absolvendo-a”.
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Notificado da interposição do recurso, o Exmº Magistrado do Ministério Público junto da primeira instância apresentou resposta, concluindo nos seguintes termos (em transcrição):“1 - Nos termos da Instrução nº 3/2009 do Banco de Portugal, o “saque irregular” ocorre quando “…se verificar divergência de assinatura, assinatura de titular que não conste da ficha de abertura de conta, insuficiência de assinatura ou assinatura não autorizada para realizar determinado saque”.
2 - Ora, in casu, a falta de pagamento do cheque de valor inferior a € 150,00 fundada em pretensa falta de legitimidade dos subscritores de cheques, sustentada pela recorrente, não configura uma situação de “saque irregular.”, tal como esta é definida pela Instrução nº 3/2009, na medida em que não existe qualquer divergência entre a assinatura do cheque e a constante da ficha de assinaturas de que dispunha.
3 - Como a própria arguida recorrente reconhece, foi-lhe oportunamente entregue a ficha de alteração de assinaturas, nela passando a figurar, após a realização das eleições, a assinatura da nova Presidente Eleita e a do anterior secretário, tendo sido tais assinaturas as que constavam do cheque cujo pagamento foi recusado.
4 - O nº 3º do artº 8º do Regime Jurídico do Cheque, aprovado pelo Dec-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, enumera de forma não taxativa as situações que podem motivar a recusa legítima de pagamento de cheques de valor inferior a € 150,00, a saber: haver indícios de falsificação, de furto, de abuso de confiança ou de apropriação ilegítima de cheque.
5 - A ratio desta norma visa a protecção da confiança na utilização do cheque como meio de pagamento idóneo e a tutela das legítimas expectativas dos terceiros beneficiários portadores de cheques e não da própria instituição sacada, circunscrevendo as situações potencialmente enquadráveis na sua previsão àquelas em que seja clara a irregularidade na emissão do cheque – existência de fortes indícios de falsificação; ou àquelas em que a própria intervenção do beneficiário/portador gera a irregularidade – furto, abuso de confiança, apropriação ilegítima.
6 - O “saque irregular”, entendido como falta de correspondência entre as assinaturas apostas nos cheques e as constantes da ficha de assinaturas da instituição bancária, não faz parte do elenco não taxativo das situações que podem fundamentar a recusa legítima de pagamento de cheques de valor inferior a € 150,00 previstas no nº 3º do artº 8º do Regime Jurídico do Cheque, uma vez que não configura uma irregularidade intrínseca à emissão do cheque, mas apenas de irregularidades de assinatura, não é produzida pelo próprio beneficiário, nem tem subjacente o mesmo nível de violação da confiança na utilização do cheque ou das expectativas dos beneficiários.
7 - Por outro lado, a recorrente, enquanto instituição de crédito, está não apenas obrigada ao pagamento de cheques de valor inferior a € 150,00 fora das situações previstas no artº 8º, nºs 2º e 3º, do Regime Jurídico do Cheque, aprovado pelo Dec-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, como também está obrigada a, em caso de recusa de pagamento, a comunicar tal facto ao Banco de Portugal.
8 - Tendo recusado o pagamento do cheque de valor inferior a € 150,00 e não tendo comunicado tal facto ao Banco de Portugal, a recorrente violou o disposto no artº 8º, nº 1º, e nº 2º, alínea d), do Regime Jurídico do Cheque, aprovado pelo dec-Lei nº 454/91, de 28 de Dezembro, p. e p. respectivamente pelos artºs 14º, nº 2º, alínea d), e nº 1º, alínea a), do mesmo diploma legal.
9 - A decisão proferida pelo Tribunal a quo fez, por isso, uma correcta apreciação jurídica dos factos assentes, não merecendo a censura que lhe é apontada pela recorrente, termos em que deverá ser mantida nos exactos termos em que foi proferida”.
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Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, aderindo à resposta apresentada pelo Ministério Público na primeira instância, e concluindo também que o recurso deve ser julgado improcedente.Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.
Efectuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência,...
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