Acórdão nº 138/22.3T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 06-05-2024

Data de Julgamento06 Maio 2024
Número Acordão138/22.3T8PRT.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo nº 138/22.3T8PRT.P1

Sumário do acórdão proferido no processo nº 138/22.3T8PRT.P1 elaborado pelo seu relator nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:

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Acordam os juízes subscritores deste acórdão, da quinta secção, cível, do Tribunal da Relação do Porto:

1. Relatório[1]

Em 04 de janeiro de 2022, com referência à Instância Central Cível do Porto, Comarca do Porto, A... – Companhia de Seguros, S.A. instaurou a presente ação sob forma de processo comum contra AA e BB pedindo que estes sejam solidariamente condenados a pagar-lhe a quantia de € 102 727,62, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento.

Para o efeito, alegou, em suma, que, na sequência da condenação solidária em processo judicial (em que foi interveniente acessória) dos aqui réus assim como da sociedade B..., Lda. (B...), para quem trabalhavam, enquanto diretor e fiscal de obra, respetivamente, esta última pagou ao dono da obra, por erros de construção, € 210 176,97, dos quais, descontado o valor da franquia assim como o valor dos honorários do agente de execução, a autora reembolsou a sua segurada no montante de € 181 517,69, cuja quota parte de cada um dos réus, sendo de € 60 505,90, ascende, deduzido o capital seguro de € 10.000,00 referente a contrato de seguro de responsabilidade civil profissional, a € 50 505,90.

Os réus foram citados para, querendo, contestar com a advertência da cominação aplicável caso não contestassem.

AA contestou impugnando, por desconhecimento, o pagamento alegado pela autora e sustentou que, uma vez satisfeita a obrigação solidária por um dos devedores, a obrigação dos restantes perante este é conjunta, a que acresce o facto de não ter sido interpelado para pagar pela autora; apesar de ter assumido a qualidade de diretor de obra, nunca exerceu a função com autonomia técnica na medida em que sempre obedeceu às ordens do legal representante da empresa construtora, C..., Lda., sua entidade patronal, a quem a B... entregou a execução da obra cuja realização e fiscalização lhe havia sido adjudicada; pugnou pela redução da sua eventual responsabilidade para 1/5 do valor pago pela autora em virtude de só por negligência esta não ter sido ressarcida da quota parte que cabia aos insolventes C..., Lda. e seu legal representante.

BB contestou salientando que as responsabilidades imputadas à B..., por um lado, e aos aqui réus, por outro, são distintas e, sendo a primeira contratual e a segunda extracontratual, autónomas, a que não se aplica o regime da solidariedade, tanto mais que a condenação solidária, foi apenas entre os aqui réus, e que as suas funções como fiscalizador da obra em causa foram exercidas por intermédio da B... a quem são imputáveis; além disso, entende que, tendo procedido ao reembolso integral da quantia em discussão à B..., a autora assumiu essa obrigação e não pode agora, sob pena de abuso do direito, reclamar qualquer restituição dos aqui réus; finalmente, considera que, a existir, a sua quota parte de responsabilidade é inferior à do corréu e da B..., assim como à dos restantes intervenientes, a C..., Lda. e o seu legal representante CC.

Depois de notificada para o efeito, a autora veio requerer que os contestantes fossem convidados a discriminar a defesa por exceção, nos termos e para os efeitos previstos na alínea c) do artigo 572º do Código de Processo Civil e, sem conceder , impugnou toda a matéria alegada pelos réus nas suas contestações, em especial a que se ache em contradição com a que foi alegada na petição inicial, pugnando pela improcedência total das exceções deduzidas pelos réus, caso existam, sendo nessa sequência designada tentativa de conciliação entre as partes, conciliação que se frustrou.

Em 01 de fevereiro de 2023 fixou-se o valor da causa no montante de € 102 727,62, proferiu-se despacho saneador tabelar, identificou-se o objeto do litígio, enunciaram-se os temas da prova, admitiram-se as provas oferecidas pelas partes e designou-se dia para realização da audiência final.

A audiência final realizou-se em duas sessões e em 30 de junho de 2023 foi proferida sentença[2] que terminou com o seguinte dispositivo:

Julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:

1.Condeno o 1.º R. AA a pagar à A. a quantia de 50.505,90 € (cinquenta mil quinhentos e cinco euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento, absolvendo-o do restante peticionado, e

2.Condeno o 2.º R. BB a pagar à A. a quantia de 50.505,90 € (cinquenta mil quinhentos e cinco euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano sobre a quantia de 50.505,90 € desde a interpelação (21/06/2021) até integral pagamento.

Custas por A. e RR. na proporção do respectivo decaimento.

Em 20 de setembro de 2023, inconformado com a sentença, AA interpôs recurso de apelação pedindo a revogação da sentença recorrida e terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

I. No caso sub judice é visível, através da mera leitura do texto da decisão impugnada, a existência, por um lado, de factos provados que se contradizem entre si, e, por outro lado, de contradição entre a fundamentação e a decisão.

II. No item III da sentença nos pontos 17., 45. e 53. dos factos provados exarou-se:

“17. O 2º r., no âmbito das suas funções, elaborou o projeto de estabilidade e apresentou os correspondentes termos de responsabilidade, como autor desse projecto e como director da fiscalização da obra.

45. O 1º r., que assumiu a responsabilidade pela direcção da obra, não fez respeitar os projectos de estabilidade e de estruturas, não assegurando a realização da obra em conformidade com o projecto de execução.

53. O 1º r. não assumiu quaisquer funções de direcção da obra, já que estas foram entregues pelo dono da obra à B...”.

III. De facto, afirma-se que o 2º r. apresentou termo de responsabilidade como director da fiscalização da obra (facto provado 17.), que o 1º r. assumiu a responsabilidade pela direcção da obra (facto provado 45.) e, finalmente, que o 1º r. não assumiu quaisquer funções de direcção da obra, as quais foram entregues pelo dono da obra à B... (facto provado 53.).

IV. A contradição entre esses factos provados é patente.

V. Acresce que o que se extrai dos factos provados constantes dos pontos 57., 58., 59. e 68. é que:

“57. O dono da obra, aquando da preparação para a execução da obra em causa, com todas as especialidades que integrava (arquitectura e engenharias, incluindo estruturas, hidráulica, electrotécnica, abastecimento de água e drenagem de águas residuais, domésticas e pluviais, etc.) veio a contratar a B... para que procedesse à fiscalização da obra em causa.

58. Asssim, foi que a B... assumiu a incumbência de fiscalizar a execução da obra em causa, tendo em consideração os projectos por esta elaborados e, bem assim, os restantes projectos elaborados por terceiros por contratação do dono da obra para o efeito (nomeadamente arquitectura).

59. Por essa razão: em abril de 2012, o 2º r. como quadro da B... assumiu a fiscalização da referida obra, assumindo a responsabilidade da função de director de fiscalização.

68. A B... sempre deu resposta a todas as solicitações do a., nomeadamente quanto à introdução de alterações referidas durante a execução dos trabalhos de construção civil, revendo os projectos na medida do necessário, aconselhando o dono da obra e dando parecer relativamente às sugestões de todos e cada um dos restantes intervenientes em obra e fiscalizou a execução da obra”.

VI. Existe uma notória contradição entre a factualidade dada como provada nos pontos 17., 53., 57., 58., 59. e 68. dos factos provados e aquela que foi tomada em consideração na subsunção ao direito, pois, como se viu, se foi dado como provado que o 1º r. não exerceu de facto funções de direcção da obra, foi ponderada erradamente a sua condenação na sentença recorrida «a pagar à a. A quantia de € 50.505,90 (…), acrescida de juros de mora à taxa de 4% ao ano desde a citação até integral pagamento,….».por outro lado,

VII. Na sua contestação (arts. 43 a 53) o recorrente alegou que na acção causal em que ele, B... e o 2º r. foram condenados solidariamente no pagamento da quantia já referida, a sociedade C..., Lda., enquanto empreiteira, não foi demandada pelo ali a., DD, uma vez que antes da propositura dessa acção já tinha sido declarada insolvente. E que,

VIII. Nessa acção também foi demandado como condevedor, CC, sócio gerente de C..., Lda., enquanto autor do projecto de estabilidade e director de fiscalização da obra, o qual foi entretanto declarado insolvente, tendo

sido proferida decisão a julgar extinta a instância contra si, que transitou em julgado.

IX. Mais alegou que a B..., enquanto credora de regresso, não reclamou quer no processo de insolvência de C..., Lda., quer no processo de insolvência de CC, o seu crédito de regresso. Sendo certo que,

X. B... poderia sempre ter reclamado esse crédito sob condição suspensiva, face à situação jurídica potencialmente geradora do crédito (art. 50º do CIRE), ou, após a constituição daquele crédito, através de acção de verificação ulterior de crédito (art. 146º do CIRE). Ou seja,

XI. A credora de regresso (B...), segurada da a., não conseguiu obter, em virtude de negligência sua, quer da sociedade C..., Lda., quer de CC, a respectiva quota, pelo não podia exigir dos demais condevedores (rr. na presente acção) que suportem o encargo da parte desses condevedores insolventes- cfr. Arts. 525º e 526º do Cód. Civil.

XII. É que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 4ª ed., pág. 540, anotação ao art. 526 :«se em consequência destes factos, resultou a impossibilidade de cobrar a prestação, a responsabilidade do devedor que pagou incide...

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