Acórdão nº 136/20.1T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 31-03-2020

Data de Julgamento31 Março 2020
Número Acordão136/20.1T8CBR.C1
Ano2020
Órgão Tribunal da Relação de Coimbra
Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 - RELATÓRIO

L (…) e J (…), uma cidadã angolana e um cidadão português, ambos residentes no concelho de(…), do Distrito de Coimbra, propuseram, no Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, Juízo de Família e Menores de Coimbra, contra o ESTADO PORTUGUÊS, ação declarativa, pedindo que seja judicialmente reconhecido que eles AA. vivem em união de facto, há mais de três anos.

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Conhecendo da questão da incompetência material do Tribunal para a causa, a Exma. Juíza a quo proferiu despacho no seguinte sentido:

«Através da presente acção os AA. pretendem obter o reconhecimento da sua união de facto, nos termos e para os efeitos das Leis nº 7/2001 de 11/5 e nº 37/1981 de 3/10.

De acordo com o artigo 122º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, aprovada pela Lei nº 62/2013 de 26/8, os juízos de Família e Menores têm competência, relativamente ao estado civil das pessoas e famílias para : a)Processos de jurisdição voluntária relativos a cônjuges; b) Processos de jurisdição voluntária relativos a situações de união de facto ou de economia comum; c) Ações de separação de pessoas e bens e de divórcio; d) Ações de declaração de inexistência ou de anulação do casamento civil; e) Ações intentadas com base no artigo 1647.º e no n.º 2 do artigo 1648.º do Código Civil; f) Ações e execuções por alimentos entre cônjuges e entre ex-cônjuges; g) Outras ações relativas ao estado civil das pessoas e família.
Ora, a presente acção não se inclui, manifestamente, neste elenco, tanto mais que a Lei da nacionalidade refere expressamente no seu artigo 3º, nº 3 que «O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português, pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após acção de reconhecimento dessa situação, a interpor no tribunal cível».- sublinhado meu.

Ora, este diploma legal – a Lei nº 37/81 de 3/10 – sofreu três alterações após a publicação da actual Lei de organização do Sistema Judiciário – pela Lei nº 8/2015 de 22/6, pela Lei nº 9/2015 de 29/7 e pela Lei nº 2/2018 de 5/7 – as quais mantiveram intocada aquela redacção do artigo 3º, nº 3!

Assim, este tribunal é materialmente incompetente para a presente acção :

De acordo com o artigo 96º do C.P.C., a infracção das regras de competência fundadas na matéria, determina a incompetência absoluta do tribunal .

A incompetência em função da matéria decorre da propositura num tribunal de uma acção que, de acordo com o princípio da especialização, está reservada a uma espécie ou categoria diferente de Tribunal .

A incompetência absoluta deve ser suscitada oficiosamente pelo tribunal enquanto não houver sentença com trânsito em julgado (cfr. o nº 1 do artigo 97º do C.P.C.) .

Assim, deve o presente processo correr no juízo local com competência cível : o artigo 130º da Lei de Organização do Sistema Judiciário determina que às secções de competência genérica (que podem ser desdobradas em secções cíveis e em secções criminais) compete a preparação e o julgamento dos processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da instância central .

Por todo o exposto, ao abrigo dos artigos 96º, 97º e 99º, nº 1 do C.P.C., declaro a incompetência deste Tribunal em razão da matéria, determinando, consequentemente, o indeferimento liminar da petição inicial .

Custas pelos AA. .

Notifique.»

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Inconformados com tal decisão vieram os Requerentes recorrer, formulando a concluírem as alegações que apresentaram, as seguintes conclusões[2]:

«1.ª) A MM.ª juíza do Juízo de Família e Menores – Juiz 2 ao declarar a incompetência daquele juízo em razão da matéria, determinando, consequentemente, o indeferimento liminar da petição inicial, e Salvo o devido respeito, que é muito, decidiu mal.

2.ª) A presente ação proposta tendo em vista a obtenção do reconhecimento judicial da situação de união de facto nos termos e para os fins da Lei n.º 31/81, de 3/10 e do Decreto-Lei n.º 237-A/2006 de 14/12 (Regulamento da Nacionalidade Portuguesa), –, concretamente do artigo 3.º, n.º 3, não é, nos termos legalmente determinados e em vigor, da competência de nenhum dos tribunais de competência territorial alargada (neste sentido, vejam-se os artigos 111.º; 112.º; 113.º, 114.º; 116.º; 120.º, n.º 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, doravante LOSJ).

3.ª) Segundo a LOSJ, o reconhecimento judicial de uma união de facto, está incluído na competência interna dos tribunais de comarca (cf., artigo 80.º da LOSJ).

4.ª) O critério da competência em razão da matéria, releva, não só para determinar que os tribunais de comarca são, aqui, competentes, como também para determinar qual o juízo materialmente competente para a apreciação de determinadas causas, nos termos pré-determinados pelo legislador (cf., artigo 81.º da LOSJ).

5.ª) Ora, o artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ, prevê que os juízos de família e menores são competentes para preparar e julgar “[outras] ações relativas ao estado civil das pessoas e família’’.

6.ª) Portanto, parece certo que o legislador determinou a competência material dos juízos de família e menores para o conhecimento e apreciação de ações relativas a uniões de facto, designadamente ao reconhecimento judicial das mesmas.

7.ª) A união de facto é, na verdade, uma relação familiar (pelo menos em sentido amplo), estando intimamente ligada ao estado civil das pessoas e família.

8.ª) Por conseguinte, e havendo juízos cuja competência especializada é, precisamente, matéria de Direito da Família e dos Menores – sendo isso aquilo que está em causa –, não parece que o legislador tenha excluído, da alínea g), do n.º 1, do artigo 122.º, a união de facto e que diz respeito ao estado civil das pessoas.

9.ª) Os Juízos de Família e Menores são abstratamente competentes para o conhecimento e apreciação deste tipo de ações – reconhecimento judicial da união de facto –, como, no caso sub judice, havia, e há, um juízo de família e menores concretamente competente: o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra.

10.ª) Neste sentido aqui defendido veja-se, entre outros, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-10-2019, Processo n.º 2998/19.6T8CBR.C1, www.dgsi.pt), que decidiu igualmente uma igual ação deste mesmo Juízo 2 de Família e Menores de Coimbra.

11.ª) A sentença em crítica da MMa. Juíza do Juízo de Família e Menores de Coimbra – Juiz 2, com efeito, violou a norma do artigo 122.º, n.º 1, alínea g), da LOSJ, que prevê que os juízos de família e menores são competentes para preparar e julgar “[outras] ações relativas ao estado civil das pessoas e família’’.

12.ª) E também já se vai referindo que, pelo que abaixo se demonstrar no requerimento infra da Resolução de Conflito Negativo de Competência, e o que é indiscutível – face ao disposto no art. 130º, n.º 1, al. a) da dita LOSJ – que as Secções de competência genérica da Instância Local detêm uma competência residual, cabendo-lhes preparar e julgar os processos relativos a causas não atribuídas a outra secção da Instância Central ou Tribunal de competência territorial alargada.

13.ª) Por conseguinte, face à lei, dúvidas não restam que a competência para conhecer da presente ação seria, como será, o Juízo de Família e Menores de Coimbra, devendo esta Relação proferir douto Acórdão em ordem a revogar a decisão proferida pelo Tribunal a quo, considerando-se o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juiz 2 competente, em razão da matéria, para conhecer, apreciar e decidir a ação de reconhecimento judicial da união de facto.»

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Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

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A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela sua subida devidamente instruído.

Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

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2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, a questão a decidir consiste em determinar se o Juízo de Família e Menores do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra detém ou não competência em razão da matéria, para uma ação em que é pedido pelos AA. que seja judicialmente reconhecido que os mesmos vivem em união de facto.

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3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em conta são essencialmente os que decorrem do relatório que antecede.

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4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Cumpre então decidir a questão supra enunciada, sendo certo que vamos fazê-lo começando por referir que a mesma já não é uma...

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