Acórdão nº 136/17.9T8LRS.L1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça, 24-05-2022
Data de Julgamento | 24 Maio 2022 |
Case Outcome | CONCEDIDA PARCIALMENTE |
Classe processual | REVISTA |
Número Acordão | 136/17.9T8LRS.L1.S1 |
Órgão | Supremo Tribunal de Justiça |
Acordam em Conferencia neste Supremo Tribunal de Justiça
Relatório
AA intentou ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra BB, pedindo que, reconhecida a sua (co)propriedade sobre a fração autónoma que identifica e que seja o réu condenado a restituir-lhe o mesmo, livre de pessoas e bens, e a pagar-lhe a quantia de € 16.200,00 (dezasseis mil e duzentos euros) a título de enriquecimento sem causa por ocupação e locupletamento à custa da autora, acrescida de juros de mora desde a data de citação do réu, até efetiva entrega do imóvel.
Alegou que que, o Réu vem ocupando o imóvel desde 1986, sem qualquer título válido, apesar de interpelado verbalmente e por carta para restituir à Autora o imóvel, e o insucesso da tentativa de o adquirir por usucapião.
O Réu contestou, alegando que se encontra a residir na casa legitimado por contrato que aquela incumpriu uma vez que obteve a cedência de posição contratual de promitente comprador da fração no contrato de promessa de compra e venda que a cedente havia celebrado com a autora em 1986.
E em reconvenção pede a condenação da autora no pagamento da quantia de € 33.561,11, correspondente ao dobro do valor do sinal pago e indemnização por despesas (de manutenção e obras do condomínio), benfeitorias (obras de conservação e melhoramento do imóvel) que realizou no imóvel e os danos morais causados. Por fim, pediu que seja reconhecido o direito de retenção sobre o imóvel até ao pagamento da Autora de tal quantia, nos termos do disposto no artigo 755.º, n.º 1, alínea f) do Código Civil.
Na réplica a Autora invocou a nulidade do contrato promessa e por decorrência do contrato de cessão e excecionou a caducidade do prazo para celebração da escritura de venda por falta de autorização do Tribunal, e por impugnação alegou a não receção de qualquer sinal por parte do réu, a não entrega das chaves do imóvel objeto dos presentes autos ao réu, a não autorização de obras de melhoramento no imóvel e a consequente inexistência de obrigação de indemnização de benfeitorias voluptuárias, alegando ainda a prescrição das dívidas, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 310.º e 313.º ambos do Código Civil, concluindo por pedir a improcedência da reconvenção.
O Réu respondeu às exceções deduzidas pela autora, invocando abuso de direito na modalidade de venire contra factum proprium, em manifesto excesso dos limites da boa-fé.
Instruídos os autos e realizado julgamento veio a ser proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência,
declarou que a autora AA e o interveniente CC são os comproprietários da fração autónoma designada pela ..., que corresponde ao ... andar do prédio sito na Rua ..., ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º 00295/13..., inscrito na matriz predial sob o artigo ...77, condenou o réu BB a restituir-lhes a referida fração de imediato, livre de pessoas e bens;
condenou o réu BB a pagar-lhes a quantia de € 8.200,00 (oito mil e duzentos euros) a título de indemnização, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a data de citação do réu até efetivo e integral pagamento, absolveu o réu do demais peticionado;
julgou a reconvenção parcialmente procedente e condenou a autora AA a pagar ao réu BB a quantia de € 4.050,00 (quatro mil e cinquenta euros) a título de despesas de condomínio, acrescida de juros de mora, à taxa legal civil, desde a data de notificação da contestação/reconvenção e até efetivo e integral pagamento.
Inconformado com esta decisão o réu interpôs recurso que veio a ser julgado parcialmente procedente decidindo:
a). Revogar a sentença na parte em que condena o Réu ao pagamento à Autora e Interveniente da quantia de € 8.200,00 (a título de indemnização pela ocupação da fração a desde abril de 2015 e até dezembro de 2016), e absolver o Réu desse pedido;
b). Mantendo-se no demais o julgado de primeira instância, embora por fundamentos não totalmente coincidentes.
… …
O réu recorre agora através de revista concluindo que:
“1.ª A lide advém da um contrato de promessa de compra e venda, tendo por objeto um bem imóvel, celebrado no ano de 1986 pelo preço de Esc. 3 750 000$00 ou de € 18 704,92 entre a autora na qualidade de promitente-vendedora em seu nome e dos seus filhos, então menores e, uma terceira pessoa enquanto promitente compradora, a qual alienou por venda e o recorrente adquiriu por compra, a posição contratual naquele negócio e a entrega física do bem para sua habitação em que passou a residir livremente sem qualquer constrangimento até esta data.
2.ª O contrato definitivo nunca chegou a concretizar-se, discorrendo o tribunal a quo a inviabilidade de discernir a imputação do incumprimento a qualquer das partes e a falta de resolução do contrato, porquanto, ambas as partes procrastinaram o ajuste; o recorrente não notificou a contraparte para a fixação de prazo, nem resolveu o contrato; e apesar de tudo não respondeu à carta da autora em que propunha a venda do bem por € 80 000,00.
3.ª Acontece que o recorrente nunca contou qualquer informação ou comunicação da autora destinada a promover o contrato definitivo.
4.ª Mas uma vez que a promessa deixava sobressair dúvidas lacunares quanto ao prazo concreto para a concretização do definitivo, pela estreita ou pessoal ligação das cláusulas reguladoras desse contrato à transmitente e ao seu banco.
5.ª Assim como, pela ausência de intervenção da promitente vendedora no contrato de cessão de posição contratual
6.ª O recorrente no ano de 2005 propôs com essa finalidade uma ação judicial para a fixação judicial de prazo de 30 dias.
7.ª Desta demanda e em substância, salvo melhor opinião, a promitente vendedora não podia deixar de concomitantemente interpretar uma notificação tendente ao cumprimento, a intenção de exercer um direito e a fixação de um prazo para cumprir, 30 dias.
8.ª Porém contestou, admitiu a celebração do contrato promessa e a qualidade do recorrente como promitente-comprador, porém, invocou a nulidade do contrato promessa
9.ª No ver do recorrente e salvo melhor e autorizada opinião, a conduta processual da promitente vendedora só pode significar uma recusa da observância do prazo e a frontal intenção de não cumprimento.
10.ª Todavia, ainda na séria expetativa de aquisição da sua habitação, tendo para o efeito diligenciado pelo empréstimo e contratos de seguros e preocupado pelo subsistente absoluto silêncio e aparente abandono do imóvel por parte da promitente vendedora, o recorrente no ano de 2008 propôs nova ação declarativa sob pedido de aquisição por usucapião;
11.ª A autora despertou, contestou, agora alegou o desconhecimento do contrato promessa.
12.ª Sete anos depois, em 18 de março de 2015, a autora através de advogado propôs ao recorrente a venda do bem, pelo valor de € 80 000,00, numa importância equivalente a quatro vezes mais o preço regulado no contrato de promessa e sem uma palavra sobre este.
13.ª E de novo se extrai da promitente vendedora a desconsideração da existência e a intenção de não cumprir.
14.ª O que se repete na presente instância, na petição inicial e na réplica da autora nos autos, no primeiro articulado a autora ocultou o contrato-promessa (como se não existisse) e no segundo articulado, porque confrontada com o documento apenso à contestação, invoca a sua nulidade.
15.ª No caso o óbvio é patente, para a autora não há contrato-promessa quanto mais algum cândido e imaginário pensamento de cumprimento, a autora resolutamente não o reconhece, já não o quis e não o quis cumprir.
16.ª Neste devir factual impor-se ao recorrente uma mónita e um ónus de interpelação para fixação de prazo e a resolução de um contrato já apagado e rasgado pela autora, mostrar-se-ia, absolutamente inútil e descabido, irrazoável.
17.ª Configurada nas instâncias a validade do contrato de promessa, a conduta da autora evidencia factos concludentes que à luz dos artigos 217.º e 234.º do Cód. Civil devem levar-nos a deduzir, com toda a probabilidade e de forma inequívoca, certa, séria e segura, uma declaração tácita de não querer cumprir, sequer reconhecer a prevalência do contrato de promessa, no que resulta o incumprimento, culposo e definitivo imputável à autora.
18.ª Sendo, por conseguinte, a comunicação da resolução de um contrato já destruído pela contraparte do negócio, despida de razoabilidade e utilidade.
19.ª A justiça material não pode enveredar por cunhos de excêntrico e medieval formalismo desembocando numa real injustiça, no caso mais grave, quando a final ainda premeia o infrator.
20.ª Por diferente interpretação, o douto aresto violou a boa aplicação das citadas disposições.
21.ª A carta da autora datada de 18 de março de 2015, na qual era proposto um novo negócio pelo quádruplo do montante previsto no contrato de promessa e enviada após todas as enunciadas ocorrências, era (e é) de sobremaneira caricata, errática, desfasada, desrespeitadora dos mais elementares ditames da boa-fé contratual, de tal modo, que não era digna de qualquer resposta, o que não deve prejudicar minimamente os direitos do recorrente.
22.ª Da leitura do contrato de cessão de posição contratual a que aderiu o recorrente, contendo por objeto um contrato de promessa do qual já havia decorrido a data para a celebração da escritura e, ainda mais estranho, condicionado à marcação do contrato definitivo por um banco que o faria em conformidade com um contrato de empréstimo à cedente, que já não era parte do negócio principal, é de tal modo esdrúxulo, que só pode levar-nos a ponderar a ignorância e falta de entendimento do recorrente, que conta com uma formação escolar limitada à 4.ª classe e não se encontrava acompanhado.
23.ª Apesar de tudo não há motivo para a falta de estranheza do não pagamento dos reforços de sinal, pois além do exposto, a realidade literal é que a cláusula 4ª do contrato promessa...
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